László Magyar, explorador húngaro do séc. xix ou traidor Bantu?

László Magyar, explorador húngaro do séc. xix ou traidor Bantu? As peripécias de Ladislau Magyar têm respaldo nas consequências da inesperada proclamação da independência do Brasil, de 1822, que inflacionou o tráfico de escravos bantu forçando os esclavagistas ocidentais a apearem nas fontes de origem, numa altura em que o desenvolvimento das forças produtivas britânicas prescindia deste mercado, tendo frustrado as expectativas euro-internacionais com a promulgação do final do comércio esclavagista, de 1836. Tendo Portugal resistido até 1856, com paragem no sultão Nova Calabar, do Brasil, o explorador alcançou o estuário do Khongo em 1846, mas desembarcou em Benguela em 1848.

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28.12.2023 | por Armindo Jaime Gomes

Matana Roberts: tecer o tempo do agora

Matana Roberts: tecer o tempo do agora Tal como para Filomela privada de voz, poderíamos perguntar que outra hipótese haveria para uma história dos oprimidos que não esse movimento sem fim de tecer e destecer? Matana Roberts, que frequentemente se refere a si própria no plural, pode ser um nome desse movimento. Uma vez mais, um nome que não é bem um nome, mas um artifício. Tal como a história que escutamos nas faixas de Coin Coin não é bem uma história. É talvez uma manifestação do tempo do agora, o Jetztzeit de Benjamin, o instante que baralha a cronologia, aberto à escuta da experiência, e que pode, eventualmente, abrir uma hipótese de ruptura.

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28.12.2023 | por Fernando Ramalho

Moçambique: por uma terceira via?

Moçambique: por uma terceira via? O status quo nos leva a pensar que não estamos a ser capazes de resolver os nossos problemas. Nem capazes de materializar a justiça social nem permitir a efectivação das liberdades. Neste contexto, a proposta de imaginarmos uma terceira via faz todo sentido. E nessa festa da imaginação, noutro livro, Mondlane, regresso ao futuro, Severino Ngoenha propõe o resgate do pensamento da figura considerada Arquitecto da Unidade Nacional, entre as possibilidades existentes. E porquê não, para uma terceira via?

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28.12.2023 | por Leonel Matusse Jr.

Sim aos Comboios, Não aos Saloios*

Sim aos Comboios, Não aos Saloios* Tal como os novos velhos políticos percebem que, para ascenderem, devem excitar a comunicação social esfomeada — enquanto regam com álcool as feridas das democracias. E a violência da guerra começa assim, não é? Quando nos viciamos nesse frenesim alucinante do sangue a esguichar a qualquer hora, em qualquer direcção.

Palcos

28.12.2023 | por Francisco Mouta Rúbio

Memórias do Rio Envenenado

 Memórias do Rio Envenenado Se o cuidado que um rio manifesta ao mundo for retribuído, poderá viver uma vida longa e saudável. Ao longo da sua vida, o rio vê coisas, aprende coisas e transmite o seu conhecimento a quem quiser ouvir. A história de um rio é também a nossa história; a música que canta também é a nossa. Poderíamos dizer que o passado de um rio é uma lente para o nosso futuro e que a morte de um rio prenuncia a nossa própria morte.

Mukanda

23.12.2023 | por Imani Jacqueline Brown

Despejados para nada – Um passeio de memórias pelo vazio cósmico de Lisboa

Despejados para nada – Um passeio de memórias pelo vazio cósmico de Lisboa    A Lisboa viva das coletividades e das associações, onde uma comunidade solidária e vizinha se reunia para jogar, brincar, cantar, comer e beber, musicar, politizar e conversar, foi transformada em apartamentos de luxo, hotéis ditos de charme, residências para alojamento chamado local, mas que expulsa os locais, ou simplesmente ruínas à espera de um investidor-ainda-melhor-do-que-os-outros.

Cidade

21.12.2023 | por Carla Baptista

Terra Longe / Diásporas - excerto (poema de Nzé de Sant'y Ago)

Terra Longe / Diásporas - excerto  (poema de Nzé de Sant'y Ago) Ai noites de Assomada dos prantos em Fundura suplicando pelas almas redivivas pelas vozes exuberantes nos jardins da Praça Estrela na Praça Camões na Praça do Rossio na Praça Figueira no Largo Martim Moniz no bairro da Mouraria no bairro da Alfama nas colinas da Graça no Canecão no Conde Barão no Lontra no Coquenote no Cave Adão no Monte-Cara lá na Dedês na Casa de Cabo Verde...

Mukanda

19.12.2023 | por José Luís Hopffer Almada

Há uma medida para a infâmia?

Há uma medida para a infâmia? A justiça cósmica não existe. É o que me parece, pelo menos. Nunca instância nenhuma alguma vez nos pedirá contas do nosso silêncio, cumplicidade, indiferença, nem tão pouco da nossa indignação, perante tanta desumanidade, tanta crueldade, tanta infâmia a que todos os dias assistimos ou que nos chega pelas notícias. É assim, mais nada.

Mukanda

19.12.2023 | por José Lima

Fluxos e turismo: notas a partir de "As Cidades e as Trocas", de Luísa Homem e Pedro Pinho

Fluxos e turismo: notas a partir de "As Cidades e as Trocas", de Luísa Homem e Pedro Pinho Plano sobre a avenida Marginal: os turistas calcorreiam-na em passeio, os caboverdianos em trabalho. A acumulação de imagens vai criando um olhar paralelo, de um mundo que interage mas mutuamente se desconhece. Começamos então a descortinar uma linha de leitura do filme. Os dois mundos são-nos dados a ver num certo maniqueísmo, notoriamente assumido pelos realizadores. De um lado, a resiliência dos ilhéus e a sua capacidade de aproveitar os parcos recursos. Os caboverdianos lutadores que resistem aos constrangimentos que os fustigam, cuja vida difícil é atenuada por relações interpessoais de solidariedade e de alguma alienação. Aqueles que têm de colaborar no jogo do turismo como uma das escassas indústrias e emprego que se lhes oferece. Noutro lado do espelho, os turistas que ali passeiam, também alienados na sua lógica desterritorializada: tanto faz estarem naquela ilha específica como noutro lado qualquer, não apreendem grande coisa da cultura local, mantendo apenas relações comerciais com aquele lugar. Podem vibrar muito e até apaixonar-se ou mudar de vida, mas podem sempre escolher.

Afroscreen

17.12.2023 | por Marta Lança

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 11)

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 11) Primeiro os tugas encheram as suas caravelas e foram para as nossas Áfricas se tropicalizar e nos tugalizar. Quando percebemos o mecanismo da movimentação, começamos a juntar dinheiro, juntamos, juntamos, juntamos e hoje enchemos a sua TAP e vimos cá para a terra reclamar o nosso pedaço da cultura. Com que então querem dançar kizomba e nós ficarmos a olhar? Fogo, não!

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17.12.2023 | por Marinho de Pina

Lee-Ann Olwage: “Se procuramos melhorar, globalmente, a vida das pessoas com demência, então não podemos ignorar a parte que diz respeito às diferentes perceções culturais”

Lee-Ann Olwage: “Se procuramos melhorar, globalmente, a vida das pessoas com demência, então não podemos ignorar a parte que diz respeito às diferentes perceções culturais” Lee-Ann Olwage, que admite lutar contra os seus próprios problemas de saúde mental, tem também familiares que sofreram ou sofrem com Alzheimer. Por essa razão, afirma que, com o seu trabalho, pretende criar um espaço no qual as pessoas que fotografa possam desempenhar um papel ativo na criação das imagens e que, acima de tudo, as faça sentir como as verdadeiras “heroínas” das suas próprias histórias.

Cara a cara

13.12.2023 | por Mariana Moniz

Filme 'Noites Alienígenas': a juventude urbana amazónica no abismo da fronteira.

Filme 'Noites Alienígenas': a juventude urbana amazónica no abismo da fronteira. “Os moleques ficam-se matando todo o dia” diz Alê, personagem interpretada pelo ator Chico Díaz, no início de Noites Alienígenas (2022), filme realizado por Sérgio de Carvalho. A calamidade descrita na curta frase de Alê poderia ter lugar em várias geografias do Brasil, mas nesta longa-metragem de ficção é uma tragédia amazónica que se desenrola a partir dos bairros de palafita da periferia da cidade de Rio Branco, no Estado do Acre, território atingido pelo flagelo que transcende fronteiras, regiões e países na floresta tropical: o tráfico internacional de drogas.

Afroscreen

11.12.2023 | por Anabela Roque

Siríaco e Mister Charles, excerto

Siríaco e Mister Charles, excerto Chamar-te-ei Siríaco, velho, que foi o teu nome próprio de baptismo, bem antes de as trevas e o lume brando dos dias fazerem de ti menino-onça ou negro «pigarço», e de eu poder, aqui e agora, escrever a tua história — a vida extraordinária do homem coberto pelo manto do espanto e do mistério. E nesta noite, de vento e de forte maresia, a pergunta que te assola, nesse canto da taverna, tem a forma de uma espada sobre a tua cabeça: terá sido essa tragédia, que levou Aurélia tão cedo, um castigo por não teres seguido viagem e acompanhado a família real para o Brasil?

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07.12.2023 | por Joaquim Arena

O Textamento do Magnânimo e Magnífico José Luiz Tavares [sobre como um segredo na boca do universo]

O Textamento do Magnânimo e Magnífico José Luiz Tavares [sobre como um segredo na boca do universo] A poesia de José Luiz Tavares exige um modo esquivo de dizer ou de se dizer; diz-se sempre num como se fosse – desembaraçado da realidade suposta e das funções pragmáticas da linguagem que pretende servi-la. Se de um segredo se trata, a poesia há de ser íntima e inocente, avessa ao vozear deôntico da praça pública; e se o universo é coisa ubíqua, haverá outra cidade ou outra praça onde ressoa, ecoando, o seu segredo comum.

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06.12.2023 | por Rui Guilherme Silva

O meu irmão David

O meu irmão David Para mim, enquanto pessoa e cidadão caboverdiano, mas sobretudo como irmão mais novo, o exemplo do meu irmão David permanece marcante e indelével tanto como juristas que somos como também como poetas, ensaístas e estudiosos da caboverdianidade que também somos, em especial no que respeita à sua impoluta integridade moral, ao seu gosto pelo saber e pelo conhecimento e à sua intimorata pugna pela nossa afro-crioulidade e por uma caboverdianidade multidimensional no entendimento da diversidade das suas matrizes e das suas acttuais vertentes culturais.

Cara a cara

05.12.2023 | por José Luís Hopffer Almada

O pesadelo de Borges

O pesadelo de Borges Na Argentina, ganhou Milei. O improvável outsider roqueiro, de olhos esbugalhados, o leão anarcocapitalista chegou à Presidência de um país empobrecido com uma motosserra na mão. Ainda em expansão, as ondas de choque. Quem teme o autoritarismo, a repressão e a redução do Estado a mínimos incomportáveis encontra sinais de hecatombe até no insuspeito. Neste medo contido no assombro, ressurgem os pesadelos de Jorge Luís Borges.

Vou lá visitar

01.12.2023 | por Pedro Cardoso

Infância em tempos de guerra: Sarajevo, Luanda, Gaza I Um passo atrás

Infância em tempos de guerra: Sarajevo, Luanda, Gaza I Um passo atrás Talvez o esforço de reconciliação entre vítimas e agressores - dois lugares por vezes ocupados simultaneamente pelos mesmos sujeitos - não sirva para curar as feridas de quem viveu a fractura do conflito em si, mas sim para criar um espaço de possibilidade de re-invenção e reparação nas gerações futuras. Assim, o irreparável e o reparável podem coexistir no tempo dos vivos, com a condição inegociável de não deixar que o esquecimento apague aquilo que aconteceu, por mais insuportável que seja lembrar.

Mukanda

29.11.2023 | por Aline Frazão

Rosto soberano - primeira estação (terceira variação)- segundo excerto

Rosto soberano - primeira estação (terceira variação)- segundo excerto Assistiu ainda jovem adulto Nas vastas terras angolanas À devoração do irmão natural Pela ferocidade das águas impetuosas E tempestuosas do rio Kwanza

Mukanda

29.11.2023 | por José Luís Hopffer Almada

Angola Degredo Salvação, pré-publicação

Angola Degredo Salvação, pré-publicação Futuro de Angola, leia-se, futuro de Portugal. A fusão de destinos – real e fantasiada – permitia inventariar uma série de dependências e subordinações entre metrópole e colónia. A prosperidade e desenvolvimento de Angola era desejável na justa medida em que servisse o interesse português e tivesse repercussão positiva na metrópole.

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28.11.2023 | por Nuno Milagre

"Não mates a minha mãe!"

"Não mates a minha mãe!" T-shirts e cartazes a pedir «Justiça para Cláudia Simões», frase que infelizmente teve e terá diversos nomes de vítimas. Recebo um papelinho com instruções para o caso de sermos agredidos ou presos. Descemos a Avenida com centenas de pessoas a gritar «Gentalha unida jamais será esquecida», ou seria «Gentalha esquecida sempre unida»?, «a nossa luta é todos os dias, contra o racismo e a xenofobia». Cláudia Simões, mais uma mulher negra espancada, cara desfeita num golpe mata-leão, em que o leão era o polícia da PSP Carlos Canha que a agrediu em frente à filha, desesperada, a assistir ao desespero da mãe.

Cidade

25.11.2023 | por Marta Lança