O facto de eu ter frequentado a escola, ter frequentado o liceu e ter entrado na universidade não era visto, pelas pessoas que me criavam, como profundamente suspeito. Ninguém me impediu de dar um salto para a universidade e de começar um caminho de autonomia pessoal, autonomia de pensar. Ninguém se apercebeu de que a biblioteca do liceu estava à minha disposição, e que eu tinha lido tudo o que estava lá, bom e mau, tudo o que me permitia formar uma consciência das coisas, interrogar os textos, saber das histórias, saber que havia um mundo para além daquele que era um mundo liso e organizado da menina temente a Deus e bem-comportada.
14.08.2021 | por Doris Wieser, Ana Paula Tavares e Paulo Geovane e Silva
Em Luanda recicla-se tudo, ao mesmo tempo há uma cultura da abundância. Como se passa de um extremo ao outro?
Tem a ver com a paz. Durante a guerra a maior parte das pessoas preservavam os objectos mesmo que já não funcionassem, hoje as pessoas têm mais poder de compra. O que também faz mudar os costumes de cada um.
11.08.2021 | por Marta Lança
Em 2008 Samuel Chiwale escreveu sobre a contribuição deste movimento na luta anti-colonial. A tensão política destes movimentos está na génese da luta fratricida angolana que se seguiu, “o grande paradoxo da história de Angola e a fissura que levou o país para caminhos sinuosos e imprevisíveis, com consequências nefastas para as suas populações.” Para as quais a UNITA contribuiu. Chiwale, tentando por várias vezes ser conciliador, faz a distinção, dentro do MPLA, entre os que estiveram na luta, os guerrilheiros propriamente ditos, e os dirigentes que vinham à mata só para “tirar uma fotografia”.
31.07.2021 | por Marta Lança
O feminismo continua a ser um termo positivo, baseado no movimento, e eu estou feliz por ser identificada com ele. Indica uma rejeição da opressão, a luta pela libertação da mulher de todas as formas de opressão, interna, externa, psicológica e emocional, sócio-económica, política e filosófica. Gosto do termo porque me identifica com uma comunidade de mulheres radicais e auto-confiantes, muitas das quais admiro, tanto como indivíduos como pelo que contribuíram para o seu desenvolvimento. Estas referências são mulheres africanas, asiáticas, latino-americanas, do Médio Oriente, europeias e norte-americanas de todas as cores e tendências, passadas e presentes.
27.07.2021 | por Elaine Salo
Além de poeta, performer e arte-educadora, Raquel Lima é doutoranda do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra onde desenvolve a sua investigação sobre a oratura são-tomense. Aqui se fala sobre o seu percurso, a construção da identidade. diaspórica, bem como sobre o primeiro livro, que inaugura uma voz poética arguta, pulsante e lúdica.
20.07.2021 | por Raquel Lima , Doris Wieser e Paulo Geovane e Silva
O cinema militante tem precisamente o objetivo de, através da força das imagens, mostrar a realidade sem a suavizar para que se tenha em conta a real dimensão dos problemas e a partir daí suscitar o espírito crítico, em última instância para procurar soluções, mas em primeira instância para possibilitar abrir portas à consciencialização da existência desse problema.
O cinema tem esse papel e tem essa importância de, através da força das suas imagens, da força da sua linguagem, retratar realidades, retratar personagens que dão a dimensão que nos falta no nosso dia a dia para entendermos o real problema que as comunidades marginalizadas enfrentam diariamente.
19.07.2021 | por Alícia Gaspar
A reflexão de Maturana trouxe-nos, entre outros, o conceito de autopoiésis (usado depois por tantos outros, entre eles G. Deleuze e A. Negri), para falar da autonomia dos sistemas vivos, que desenvolveu com o seu então estudante e colaborador, o neurobiólogo Francisco Varela; de acoplagem estrutural, para nos falar de relações entre sistemas autopoiéticos e o seu “nicho ecológico”. O seu trabalho contribuiu e contribui para quem age no campo da ecologia, da decolonialidade, da educação, da estrutura de organizações, biologia, entre outros. Vejo no reclamar da consciência do lugar da fala de cada um, o que ele dizia com frequência: “falo desde a…”, convidando-nos também a falar e a refletir a partir da legitimidade do lugar que ocupamos; não só a tomar como a ter consciência da nossa posição.
31.05.2021 | por Liliana Coutinho
Quando me falavam em genocídio, eu perguntava-lhes porque utilizavam essa palavra, já que não estavam a ser mortos. Uma senhora olhou para mim e perguntou-me se há pior morte do que estar vivo e não poder viver onde se quer. “Era melhor que nos dessem um tiro, porque aí não sofríamos tanto. As árvores onde eu ia fazer os meus ritos e as minhas orações estão lá. Os sítios onde enterrei as placentas quando os meus filhos nasceram ficaram ali. Os meus mortos, os meus ancestrais ficaram lá”, dizia-me.
30.05.2021 | por Mariana Carneiro
No nosso destacamento estávamos responsáveis por assegurar a proteção de membros dos mais altos cargos do governo, incluindo o presidente Fidel Castro. Campanhas e reuniões governamentais, missões diplomáticas e controlo das saídas e entradas do país eram alguns dos nossos compromissos. Trabalhávamos em sintonia com a Polícia de Segurança Nacional. Muitas das nossas missões tinham um caráter confidencial, mas posso dizer que tanto podíamos operar quer em Cuba quer no estrangeiro, como foi o meu caso em Angola, onde trabalhei durante dez anos.
20.05.2021 | por Álvaro Amado
Cídia Chissungo coordena a campanha nacional #CaboDelgado_também_é_Moçambique. A jovem ativista moçambicana falou sobre esta iniciativa e sobre as expetativas dos jovens em relação à resolução do conflito e ao desenvolvimento económico e social do país.
Em entrevista, Cídia Chissungo explicou que, por mais que lhes ”contem a história da radicalização”, os jovens sabem “que este conflito tem a ver com o controlo das áreas em Cabo Delgado e com a questão da exploração dos recursos”.
16.05.2021 | por Mariana Carneiro
Falar de moçambicanidade é ao mesmo tempo falar do Estado e da Nação, na medida em que ela constitui o seu complemento, vértice de suporte, enquanto estereótipo representativo de base hegemónica da diversidade étnica, racial, linguística, cultural, religiosa, identitária, etc., que foi construído para gerar o sentimento de semelhanças e a partir das quais se pode pensar Moçambique e sentir-se moçambicano.
A moçambicanidade está em construção. Nesse sentido, afirmar a moçambicanidade no contexto contemporâneo equivale a afirmar, por identificação ou mapeamento, uma cultura que represente o mosaico nacional não apenas no seu elemento racial, como também nas dimensões multiculturais iniciadas pela empresa colonizadora e que constituem o Moçambique atual.
04.05.2021 | por Alícia Gaspar
Francisco Ricardo vive em Manaus desde sua infância e desde então vem desenvolvendo um olhar sensível e crítico para a arte. Em conversa com o artista conheci um pouco da sua trajetória no cinema como diretor de arte que culmina recentemente com o Kikito do Festival de Gramado de 2020 com o filme O barco e o rio (2019). A arte de Francisco conflui dentro de um cenário pulsante de artistas não brancos do norte brasileiro que questionam nossas relações étnico-raciais contemporâneas.
04.05.2021 | por Marco Aurélio Correa
Thó Simões, artista plástico angolano, acabou de apresentar em Luanda a sua mais recente exposição intitulada “Entre Homens e Monstros”. As imagens criadas pretendem alargar o debate sobre as microviolências de uma cidade em constante mutação. O artista foi um dos percursores da arte urbana em Angola com uma trajetória com passagem por Linda-a-Velha, Oeiras, Malanje e Luanda. A prática profissional em agências de publicidade e depois a rua trouxeram-lhe a vontade de intervir politicamente através do mural e da arte urbana. Nesta conversa questiona a forma como a arte pode mudar as vivências de uma cidade e um país em crise económica e social e ainda com os estilhaços da guerra civil e a ocupação colonial.
19.04.2021 | por André Soares
Sem desprimor para quem pensa o contrário, eu considero essa discussão importantíssima em Angola. Isso porque a maioria das pessoas desta terra que é Angola, ainda se vê presa pela matriz colonial e pela razão imperial. Na construção dos meus textos eu tento passar a ideia de que precisamos de virar os conteúdos de cabeça para baixo. É necessário rever o que se pensa sobre o saber, como se pensa a história ou as estórias e recuperar os modelos de conhecimento, de produção do saber, de transmissão de experiências de uma geração para outra e incluir outras vozes para escrever outras histórias. Só assim vamos deixar de perpetuar o modelo imposto pelo Estado colonial e o sujeito branco burguês.
16.04.2021 | por André Soares
Já ultrapassámos a questão das queixas. Ao fim de centenas de anos de queixas que nunca foram ouvidas, a queixa não resulta! Além do mais, se eu me queixar, vão-me reduzir mais uma vez ao estado de vítima. E, lamento, mas não sou uma vítima. É também uma maneira educada de me dirigir ao outro, de lhe dizer: “Quero só conversar consigo, não esteja tão na retranca.” Quero manter o espectador numa situação permanente de expectativa, sem saber o que virá no plano seguinte, para o manter desperto, atento. Quero bombardear o espectador com coisas fortes, belas, tristes, chocantes, mas verdadeiras. E quero convidá-lo a viajar comigo, não para o magoar, mas para que juntos nos tornemos melhores.
12.04.2021 | por Jorge Mourinha
Os meus pais protegeram-me sempre muito para eu não crescer com estigma. Só já bem adulto é que adquiri noção de algumas coisas que vivemos. Como sou do bairro, habituei-me muito cedo a coisas como ser seguido por um segurança de cada vez que entrava numa loja. E em Cabo Verde não havia disso. Éramos todos iguais. Foi lá que me apercebi do racismo de cá. Quando voltei, pensei «eu não estou no meu país. Por mais que tenha nascido aqui eu nunca vou ser um português inteiro, porque sou filho de imigrantes, porque sou negro». Decidi que tinha de ver isto num outro prisma, de mostrar às novas gerações que, independentemente disso, podes ser tudo, podes triunfar.
07.04.2021 | por Sara Goulart Medeiros
Sobre governo Bolsonaro, a ascensão de uma nova extrema-direita no mundo e o fundamentalismo religioso que coloca feministas e população LGBT como principais inimigos, Silvia Federici fala em uma nova caça às bruxas: “Não existe o desejo de proteger a vida mas sim o de controlar os corpos das mulheres, assegurar-se de que as mulheres sejam subordinadas, sacrificadas, que possam ser exploradas por suas famílias e pelo capitalismo. É uma questão econômica também, a igreja com essa aparência da defesa da vida, da família, na verdade está defendendo a produção do trabalho não assalariado das mulheres. E quando a igreja vê que não pode mais nos convencer de tudo isso então nos trata como inimigas, cria novas divisões entre mulheres e homens e entre mulheres também. Porque colocam algumas mulheres como aliadas do diabo”.
28.03.2021 | por Andrea DiP
A imagem da mulher passa pelo estereótipo profundamente enraizado que remonta à antiguidade. É a ideia de que as mulheres estão imóveis, à espera, no espaço do lar e da reprodução da família. Estão, portanto, ancoradas enquanto os homens navegam. Esta é uma das razões pelas quais a migração das mulheres não foi discutida durante muito tempo. Não parece natural imaginar mulheres em movimento.
22.03.2021 | por Brahim Nejma e Schmoll Camille
Falar de "feminicídio político" corre o risco de reduzir a morte de Marielle a um assassinato político quando é mais do que isso. O assassinato de Marielle também fala da política de assassinato sistémico de mulheres negras no Brasil. Aqui, os nossos corpos são os mais vulneráveis: o próprio Estado considera-os descartáveis. Para mim, Marielle não foi morta porque foi eleita ou porque era uma política, foi morta porque era uma mulher negra, porque era uma mulher bissexual, uma favelada e uma mãe solteira. Se for uma mulher como a Marielle e entrar numa instituição dirigida por um grupo de homens brancos e heterossexuais, está destinada a atrapalhar. Nenhuma pessoa branca teria sido morta desta forma.
22.03.2021 | por Sarah Benichou e Juliette Rousseau
Como cresci no Rio de Janeiro, numa cidade que tem muito presente a cultura do samba, eu dava de barato essas coisas. Aqui eu comecei a valorizar muito mais e a identificar o que de tão especial existe nessa parte da cultura brasileira. Ter um grupo de samba no Brasil seria apenas mais um grupo, mas aqui em Portugal já torna a coisa muito mais única, porque não há tantos assim. Torna-se num trabalho de apresentação de uma coisa nova, diferente para as pessoas. Isso sempre me estimulou muito.
13.03.2021 | por Filipa Teixeira