Como está-tua ex-celência?

Como está-tua ex-celência? A História é tanto a erecção das estátuas e dos monumentos como as suas demolições. Presumindo e contundindo, pedir a substituição, a recolocação ou o afundamento duma estátua faz parte do processo histórico.

14.12.2021 | por Mário Lúcio Sousa

O rap é misógino?

O rap é misógino? A primeira vez que BLINK se impediu de cantar uma rima, estava num concerto de Regula. Quando a plateia feminina entoou “As duas juntas fazem-me coisas que tu não imaginas / metem as bolas na boca e dizem que estão com anginas”, na música “Casanova”, ela manteve-se em silêncio enquanto tentava digerir o choque. Não era que não tivesse ouvido os versos antes, mas pareceu-lhe errado cantar aquilo sendo mulher. Para a rapper, é possível distinguir o conteúdo da forma. As rimas, a sua métrica e cadência são atrações que por vezes até ofuscam o conteúdo, pelo menos numa primeira audição. Mas as palavras dissecadas deram-lhe a volta ao estômago.

13.12.2021 | por Rute Correia

Murmúrio e momentos de um Poeta-a-Dias

Murmúrio e momentos de um Poeta-a-Dias Dos cinquenta e cinco poemas que fazem o livro, onze estão escritos originalmente em kriol (língua guinense), aparecendo ao lado das suas traduções em português, que em nada diminuem os seus efeitos líricos, sendo que, no fim, ainda há um glossário para as expressões não traduzidas ao pé dos textos. Entre estes poemas, destaca-se Fos ku Pitrol (p. 110), “I e ski kontrada di fula ku mandinga”, numa alusão à guerra de Turban (Kansala), entre fulas e mandingas, um acontecimento ainda hoje vivo nas relações entre as duas etnias, permitindo sentir, por exemplo, o sabor local de que também são feitos estes momentos murmurados pelo poeta, que a nós nos coube apenas escutar os sussurros deixados escapar entrelinhas.

03.12.2021 | por Sumaila Jaló

(S)EM TERRA, de Laura do Céu

 (S)EM TERRA, de Laura do Céu São poemas escritos por uma mulher e a atitude subversiva advém da sua condição de não pertença a um centro de poder estabelecido e da construção do poder a partir do olhar visto a partir da margem e que convoca sentimentos de sororidade, “todas por uma” (coro de irmãs). É a mulher que “pinta os lábios de encarnado rubescente” (Hipálage do Tempo (In)Útil) que luta e reage, autónoma, independente, “dona do desejo e da repulsa” (Onanismo), alguém que poderia juntar-se ao coro de quem uma vez escreveu “Guerreiros, nós, mulheres de corpo inteiro e segura mão”.

29.11.2021 | por Margarida Rendeiro

Floresta Colonial: a eucaliptização de Moçambique

Floresta Colonial: a eucaliptização de Moçambique Sob o pretexto do «reflorestamento», da «descarbonização» e a troco de «empregos», na última década, a expansão gigantesca da monocultura do eucalipto pela Portucel Moçambique tem levado ao fim das terras comunais e das machambas que garantiam a perene sobrevivência de comunidades rurais, condenadas a viver sem nada e impotentes perante o desenvolvimento do eucalipto.

27.11.2021 | por Filipe Nunes e João Vinagre

Carta para José Saramago, no seu 99.º aniversário, com alguns dias de atraso e umas certas memórias apensas

Carta para José Saramago, no seu 99.º aniversário, com alguns dias de atraso e umas certas memórias apensas No mais rigoroso e nobre sentido da homenagem, meu muito Caro José, não me coíbo de aqui, agora, e antes de prosseguir esta minha missiva, reproduzir a belíssima entrevista feita pelo saudoso Ernesto Sampaio, e dada à estampa no suplemento «Sete Ponto Sete» do Diário de Lisboa de 8 de Março de 1980, aquando da publicação de Levantado do Chão, a qual constitui um documento precioso e fundamental sobre a tua pessoalíssima oficina, contendo nele, ainda, a génese biográfica do próprio romance. Ou, como lhe chamou o nosso impiedoso Luiz Pacheco em «Este sol é de justiça»,

21.11.2021 | por Zetho Cunha Gonçalves

Introdução a 'Dos Sonhos e das Imagens: a Guerra de Libertação na Guiné-Bissau'

Introdução a 'Dos Sonhos e das Imagens: a Guerra de Libertação na Guiné-Bissau' Procura-se então compreender como o cinema construiu políticas de representação definidores de modos de filmar a Luta que ocultaram mecanismos capazes de explicar a instabilidade política que, desde então, tem caracterizado o Estado guineense. É que se hoje o Estado guineense é rotulado de «falhado», não deixa de ser relevante que aquele que se estava a construir no decorrer da Luta seja a constante discursiva recorrente nas narrativas fílmicas. Torna-se então fundamental questionar o papel do Estado enquanto referencial político.

16.11.2021 | por Catarina Laranjeiro

Piscinas fantasmas: memória, fim

Piscinas fantasmas: memória, fim Yvone Kane não é uma encenação do fim da ideologia, mas sim o registo da derrota de uma certa ideologia, que considerava a emancipação como uma possibilidade real, em conjunto com uma noção já há muito necessária e inclusiva, de pertença. É sobre o fim dessa utopia em particular que Yvone Kane faz o seu luto e manifesta a sua melancolia que nunca deve ser confundida com qualquer forma de nostalgia que, aliás, rejeita categoricamente.

15.11.2021 | por Paulo de Medeiros

Novos passos de dança

Novos passos de dança Estou cansada de ver pessoas enaltecendo coisas que considero afetadas e pouco conscientes do mundo além-fronteira, ao mesmo tempo que assisto a pessoas talentosas e humildes serem maltratadas. Vejo o poder, em todas as suas formas de arrogância, em vez da potência, na sua forma de liberdade. Ando cansada dos egos dos artistas e sobretudo do meu, e a única coisa que me apetece é aquilo que ainda não sei fazer… cozinhar, plantar. Tratar de animais. Ver crescer coisas, tentar amar como deve ser.

12.11.2021 | por Rita Brás

Sandra Lemos: “Para mim, escrever é quase como um ato de desdobramento”

Sandra Lemos: “Para mim, escrever é quase como um ato de desdobramento” Enquanto estivemos juntos, no final da tarde, sentávamo-nos na sala, ela costurava minhas camisas ou tricotava e eu lia os textos dos apóstolos; às vezes, ela me pedia para tocar as músicas que mamãe gostava de ouvir. Eu, até, tentava me aproximar daquele piano, mas era como tocar as mãos de meu pai, não conseguia.

11.11.2021 | por Carlos Alberto Alves

A memória na moldura

A memória na moldura Os álbuns que, apesar de nem sempre terem uma curadoria pensada, acabam também por refletir a natureza do colonialismo que coloca um forte investimento no nível afetivo. Naqueles álbuns, o racismo acaba por ser exposto com afeto, carinho, amor até. E parece ser tratado como um membro da família que não se quer esquecer, tal como uma “mulher da Guiné” na moldura.

02.11.2021 | por Carla Fernandes

As Pinturas Murais do Salão Nobre da Assembleia da República: Documento do colonialismo ou o colonialismo (ainda hoje) em acção?

As Pinturas Murais do Salão Nobre da Assembleia da República: Documento do colonialismo ou o colonialismo (ainda hoje) em acção? As imagens não ilustram argumentos, elas são o argumento colonial; não são um documento do colonialismo, mas o colonialismo (ainda hoje) em acção.

31.10.2021 | por Inês Beleza Barreiros

Europa, je t'aime moi non plus

Europa, je t'aime moi non plus Passou para as gerações seguintes através das figuras do ex-colonizador e do ex-colonizado. Estas “personagens” reencenam uma complexa fantasmagoria profundamente relacionada com o espectro mais íntimo do subconsciente europeu: o seu fantasma colonial que se manifesta inter alia sob a forma de "transferências de memória" colonial — como racismo, segregação, exclusão, subalternidade – ou sob a forma de "erupções de memória", e assim questiona a essência das sociedades multiculturais europeias, desenhadas pelas heranças coloniais e alimentadas por vagas migratórias.

31.10.2021 | por Margarida Calafate Ribeiro

Revista Sul, no Brasil, primeira internacionalização da Literatura angolana

Revista Sul, no Brasil, primeira internacionalização da Literatura angolana Em finais de 1947, um grupo de jovens irreverentes (Salim Miguel, a sua companheira de toda a vida, Eglê Malheiros, Aníbal Nunes Pires, Ody Fraga e Silva e Antônio Paladino) forma o Grupo Sul, em Florianópolis, «numa tentativa de produzir alguma coisa na área da cultura, em Santa Catarina». Operando em várias frentes, desde o teatro ao cinema, das artes plásticas ao jornalismo e à literatura, o grupo publicará em Janeiro de 1948 o primeiro número da revista Sul

29.10.2021 | por Zetho Cunha Gonçalves

O mar e as correntes da Literatura chinesa

O mar e as correntes da Literatura chinesa Yu Hua deixou-se levar. Foi arrastado por mais de 20 quilómetros na baía de Hanghzou até conseguir regressar à costa e sair. Caminhou de volta todo e cada quilómetro, descalço e resignado. Esta é – muitas vezes antes e hoje por certo – uma imagem triste mas ao mesmo tempo feliz para explicar aquilo por que passam os escritores sérios e outros intelectuais na China. Por vezes percebem que é impossível rumar contra a corrente e deixam-se levar, só para depois retomarem o seu caminho, mesmo que descalços.

27.10.2021 | por Hélder Beja

A Exposição Europa Oxalá

A Exposição Europa Oxalá A exposição Europa Oxalá é também o momento ideal para desconstruir o mito colonial e a melancolia pós-colonial designados como “arte africana”. Atribuída a toda a produção artística que tem origem no continente africano, a expressão tem sido utilizada para a diferenciar de uma forma grosseira de toda a arte incluída nos compêndios e nas narrativas da história universal da arte fundada na matriz ocidental. A arte dita africana era tida como uma arte sem autoria, desligada da diversidade dos seus contextos de produção, fossem eles um país do Norte de África, do Sul ou da costa leste ou oeste, fosse do século XIV ou do século XX.

18.10.2021 | por António Pinto Ribeiro

A Branquitude como propriedade em Israel - restabelecimento, reabilitação e remoção

A Branquitude como propriedade em Israel - restabelecimento, reabilitação e remoção O Iluminismo europeu é geralmente associado à emergência das democracias liberais, à separação da Igreja e do Estado, tal como ao triunfo da razão e da ciência sobre a emoção e o misticismo. Os pensadores iluministas afirmaram com insistência que conceitos como a razão, a universalidade e o secularismo foram o sustentáculo da modernidade. Contudo, em vez de se aproximarem da tolerância e da inclusão, os conceitos iluministas reificaram e entrincheiraram as distinções com diferença consequente. O conhecimento científico, marcado por uma verdade demonstrável, não pôs em questão as ordenações divinas da hierarquia racial, fornecendo explicações racionais para elas. Em vez de aceitar a amplitude da diversidade humana, o universalismo impôs violentamente uma norma hegemónica e singular do sujeito universal. Os judeus europeus acabaram por transportar o peso do triunfo da modernidade. O Iluminismo secularizador interrompeu as relações sociais tradicionais construídas em torno das doutrinas religiosas e, por meio da etnologia, produziu hierarquias étnica e racialmente ordenadas dos seres humanos.

18.10.2021 | por Noura Erakat

Ai eu estive quase morta no deserto e o Porto aqui tão perto

Ai eu estive quase morta no deserto e o Porto aqui tão perto Desde que cheguei a Portugal há quase meio ano, vinda de um Rio de Janeiro suado e exausto da pandemia, sinto que a adaptação não tem sido fácil, por vários motivos, mas a única coisa que consigo perceber por entre o atordoamento dos contrastes, é que me falta pele, aqui. E que isso tem a ver com tantas coisas, impossíveis de explicar a quem não vive no abraço constante do calor, nesse estado de ânimo violento dos trópicos, na exuberância imprevisível das falas, o taxista que inventou um refrão que fala do amor safado, a atendente que ri das atribulações da paquera, o perfume forte do abricó-de-macaco, a água sendo abençoada nas cachoeiras do Horto e o dengo na fila do supermercado. Faz-me falta a doçura, tão concreta no Rio de Janeiro. Mesmo que ela conviva hoje com outros demónios. Faz-me falta a doçura.

10.10.2021 | por Rita Brás

Convidar as pessoas a deixarem de fingir que nasceram com os valores universais humanistas na barriga.

Convidar as pessoas a deixarem de fingir que nasceram com os valores universais humanistas na barriga. Coisas que incomodam. A transformação do escritor num etnógrafo da sua cultura. Não é que isso não se faça. Mas isso limita a relevância da sua obra ao seu povo. Isto é, Gurnah não recupera a experiência humana, mas sim a experiência local. Não estou a ser mesquinho. A documentação da experiência colonial e do refúgio só é digna de celebração se ela nos disser algo maior sobre a nossa humanidade comum. Já, agora, o que estes relatos dizem aos membros do comité Nobel sobre os valores da cultura europeia que estiveram por detrás da humilhação do povo tanzaniano? A segunda coisa é esta “inocência branca” – estou a usar um conceito da antropóloga holandesa, Gloria Wekker. O pessoal lá do Comité não sabe o que foi o colonialismo? Não leu o que os historiadores escreveram? Precisava de ouvir isso dum escritor, ou há algo que o escritor está a trazer que transcende o quadro da historiografia e nos convida para outros tipos de reflexão? Porque são importantes os relatos dos horrores do colonialismo? Por serem documentos duma época, ou por nos convidarem a rever os nossos próprios valores? Os europeus estão a fazer isso? É nestes momentos que penso na profundidade duma afirmação de Toni Morrisson quando ela se indagava como um europeu deve se sentir sabendo tudo o que foi feito em nome da sua cultura? Não é possível atribuir um prémio destes a um africano sem responder a essa pergunta.

08.10.2021 | por Elísio Macamo

Sondagens, para que servem?

Sondagens, para que servem? Sabemos que há eleitores imunes às sondagens – são os que votam sempre… e sempre no mesmo partido (ou sempre em branco/nulo), e os que ficam sempre em casa. Todos os outros serão em alguma medida influenciáveis pelas sondagens direta ou indiretamente. Ou seja, concordo inteiramente com o autor quando diz que as sondagens não são neutras quanto às suas consequências. Se é ou não lícito aceitá-las como parte do jogo político democrático, é algo que vale sempre a pena discutir e acrescento aqui algumas notas.

06.10.2021 | por João Homem Cristo António