Dos urros e dos círculos

Dos urros e dos círculos É um gesto expressivo, aquele. O de tentar arrancar qualquer coisa cá de dentro, fazê-la brotar (acho que ele preferiria que dissesse rebentar). Enfim, trazê-la e dá-la ao mundo. O Miguel dava e dava-se. Ora, o dar tem uma forma de existir muito própria. De pouco adianta apontar para dentro, reclamar boas intenções escondidas, almas profundas, abismos insondáveis ou ensinamentos escusos que guardamos para nós, cá dentro. Mais do que exprimir algo, trazê-lo das profundezas de nós, o gesto é, diria eu, plenamente exterior. Sem nada dentro, por assim dizer. Só existe entre. Apontar, empurrar, cortar, partir. Assim se move o mundo. Uma corrente de ar não tem mensagem. Sopra.

Mukanda

27.03.2024 | por Miguel Cardoso

O canto de Raoni

O canto de Raoni Os holofotes brasileiros e franceses se voltaram para a Ilha do Combu, em Belém, na tarde do dia 26 de março de 2024, para a expedição dos presidentes da França e do Brasil – Emmanuel Macron e Lula – com o objetivo de condecorar o bēnjadjwáriy kayapó Raoni Metuktire com a ordem do cavaleiro da Legião de Honra da França, a maior honraria concedida pelo país aos seus cidadãos e a estrangeiros que se destacam no cenário mundial.

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27.03.2024 | por Gabriella Florenzano

E sei, meu amigo, que nos instigas a adivinhar a graça do amor

E sei, meu amigo, que nos instigas a adivinhar a graça do amor Aprendia ensinando-nos, este pássaro, tremendo em plena tormenta. E que nos perguntamos nós, que aqui ficámos? Que vivos somos nós, que andamos construindo cemitérios para as almas livres, sensíveis, pensantes, que rejeitam esta desumanidade e o neo-liberalismo, pornográficos, por onde nos arrastamos, simiescos e sonâmbulos? É legitimo partir para um universo que esteja para além da imaginação humana, insistindo em sustentar, imperioso e nu, o infinito da distância que se introduz na mais extrema proximidade, esse paradoxo de que se faz precisamente o Amor. (Maria João Teles Grilo)

Mukanda

27.03.2024 | por vários

Possa eu aliar-me à beleza dos teus versos sendo melodia

Possa eu aliar-me à beleza dos teus versos sendo melodia "Minha identidade, qual identidade pergunta o Feiticeiro Uma esteira Uma sucessão temporal de sensações Navegar esta tormenta Equânime, estoico, desapegado Atento e amoroso Para se viver isto em mim Eu não posso estar presente Serei mais verdadeiro fora de mim, sem mim, Sem identidade Só amor."

Mukanda

25.03.2024 | por Ana Maria Pinto

O cabelo como liberdade

O cabelo como liberdade   Quatrocentos anos depois da instituição da escravatura ter desencadeado mecanismos de desvalorização da estética africana, muitos indivíduos do continente ainda têm uma relação difícil com o cabelo da mulher africana. É verdade que, nos últimos cinco anos, seguindo tendências nascidas nos Estado Unidos e na Europa, o movimento do cabelo natural tem ganhado força nos países africanos. Atualmente, cada vez mais mulheres e raparigas assumem a naturalidade do seu cabelo e optam por estilos naturais, tal como a Miss Universo de 2019. No entanto, a resistência ao cabelo natural, particularmente ao afro e às rastas, é ainda uma realidade e muitos optam por estilos de cabelo, como é o caso das extensões, que se assemelham à estética ocidental.

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25.03.2024 | por Yarri Kamara

Carta a um jovem poeta

Carta a um jovem poeta Regresso aos nossos jardins. Agora feitos menores pelas geografias que nos cresceram, minhas e tuas, doando-nos os lugares que conhecemos juntos, lugares que tantas vezes experimentámos pelos olhos, e pelas mãos, um do outro. Nenhum de nós sabia o que era ter completado uma década de vida, mas entoavámos as palavras de ordem do que já sabias ser o nosso desígnio maior. Fizemos pactos de sangue, e talhámos a canivete troncos e sulcos no chão. Não à liberdade condicional.

Mukanda

25.03.2024 | por Verónica Metello

Um poeta, um filósofo, um Buda e um Viking

Um poeta, um filósofo, um Buda e um Viking Sempre me impressionou o modo como conviviam dentro de ti um poeta, um filósofo, um Buda e um verdadeiro Viking, tornando-te num ser singular, com posturas únicas diante da vida. Posturas que revelavam a tua integridade, a tua iluminação espiritual, a tua capacidade de transcender a rótulos e preconceitos que muitas vezes nos separam dos outros seres humanos, a tua capacidade de congregar e unir as pessoas por todos os lugares onde passavas.

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24.03.2024 | por Leopoldina Fekayamãle

Contai aos vossos filhos

Contai aos vossos filhos A fotografia e a guerra formam, na nossa época, uma parelha que tem muito que se lhe diga, mas não uma leitura única. Susan Sontag, uma escritora americana que descreveu, historiou, e tentou explicar a estranha coligação deste estranho casal (a fotografia e os sofrimentos da guerra) no seu livro “Ohando o sofrimento dos outros” (que diga-se de passagem, foi traduzido por mim) diz a certa altura: “As guerras são agora também imagens e sons de sala de estar. A informação sobre o que está a acontecer noutro sítio, a que se dá o nome de «notícias», sublinha o conflito e a violência – If it bleeds, it leads [«Se há baixas, há cachas»], reza a provecta divisa dos tabloides e dos programas noticiosos de 24 horas – que recebem em resposta compaixão, ou indignação, ou excitação, ou aprovação, à medida que cada notícia vai surgindo.”

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15.03.2024 | por José Lima

Pé na Tchón, Mô Vinking. Pé na Tchón, Mô irmão!

Pé na Tchón, Mô Vinking. Pé na Tchón, Mô irmão! Essa dor é o amor pleno do qual fizeste forma de vida e matéria para a tua escrita. Vimo-la no trabalho sobre as capacidades dos que te estiveram ao redor. É isto o amor que nos quiseste dizer, por outros sinais, na tua forma de vida, na doação plena às pessoas, no cuidado e atenção com cada um, nos códigos cifrados da tua literatura, mas sempre lá esteve. Tudo é amor! Para que o vivamos em pleno, para que se tivermos de bazar no dia seguinte, levamos como única garantia do fica com os outros, os nossos!

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13.03.2024 | por Zezé Nguellekka,

A propósito do livro “As ilhas crioulas de Cabo Verde- da cidade-porto ao porto-cidade”, de Manuel Brito Semedo, e da desafricanização geográfica, geo-política, geo-estratégica e político-cultural de Cabo Verde propugnada pelo seu autor

A propósito do livro “As ilhas crioulas de Cabo Verde- da cidade-porto ao porto-cidade”, de Manuel Brito Semedo, e da desafricanização geográfica, geo-política, geo-estratégica e político-cultural de Cabo Verde propugnada pelo seu autor o autor resolveu extravasar a substância do livro, em si assaz inócua e inofensiva pois que ratificador do consenso ou, pelo menos, da opinião amplamente maioritária actualmente existente na sociedade caboverdiana das ilhas e diásporas quanto à natureza crioula da identidade cultural caboverdiana e porque largamente descritiva do que o autor considera as expressões arquipelágicas mais relevantes da crioulidade caboverdiana, para nas entrevistas acima referidas tentar recuperar as ultrapassadas teses sobre a suposta diluição de África na crioulidade caboverdiana e da orfandade continental do nosso arquipélago.

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05.03.2024 | por José Luís Hopffer Almada

Ironia como poema como recusa: Mohammed El-Kurd

Ironia como poema como recusa: Mohammed El-Kurd Decidi traduzir o discurso do Mohammed (Maomé, não David) numa sessão do Palestine Festival of Literature –que decorreu no dia 13 de dezembro de 2023, em Londres– porque este é atravessado pelo pessoal e pelo político que marcam a experiência do poeta palestiniano neste presente de genocídio, um presente que se repete e que se acumula desde antes de 1948 e que é partilhado, de alguma forma, com todos/as os/as palestinianos/as nos seus diferentes exílios.

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05.03.2024 | por Bruno Costa

O poder instrumental da inteligência artificial em regimes fascistas orientados por dados

O poder instrumental da inteligência artificial em regimes fascistas orientados por dados A investigação expõe o uso de um sistema chamado "Habsora" ("O Evangelho"), que utiliza tecnologia de Inteligência Artificial para gerar quatro tipos de alvos: alvo tático, alvo subterrâneo, alvo de energia e casas de família. Os alvos são produzidos de acordo com a probabilidade de que combatentes do Hamas estejam nas instalações. Para cada alvo, é anexado um arquivo que "estipula o número de civis que provavelmente serão mortos num ataque". Esses arquivos fornecem números e baixas calculadas, para que, quando as unidades de inteligência realizam um ataque, o exército saiba exatamente quantos civis provavelmente serão mortos.

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02.03.2024 | por Anaïs Nony

Recortes. “Temporada de Furacões”. A Bruxa, os vivos e os mortos.

Recortes. “Temporada de Furacões”. A Bruxa, os vivos e os mortos.  Na semana passada, “Temporada de Furacões”, da escritora mexicana Fernanda Melchor, venceu Correntes d’Escritas, o Prémio Literário Casino da Póvoa. O romance, resume o júri, “caracteriza o lado mais sombrio da natureza humana, numa comunidade dominada pela violência mais extrema e pela luta entre cartéis de droga”. Para lá desta súmula fácil, a voz de Fernanda Melchor. Em recortes de jornais.

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01.03.2024 | por Pedro Cardoso

Entendam que a literatura não é nem inútil, nem abstrata, entrevista a Noemi Alfieri

Entendam que a literatura não é nem inútil, nem abstrata, entrevista a Noemi Alfieri A partir dos anos ’50, pelo menos, o compromisso dos poetas com a libertação fica mais evidente, marcado. É verdade que os intelectuais, na época, faziam parte de uma elite muito reduzida, mas deram-se a tarefa de mostrar – tanto a nível interno, como no plano internacional – as condições de repressão e opressão que as sociedades coloniais geravam; as injustiças às quais o povo era submetido. Toda a geração de escritores negritudinistas, Pan-africanistas e independentistas que surgem naquela época geraram debates internos, e também levaram as lutas para fora do espaço colonial.

Cara a cara

29.02.2024 | por Noemi Alfieri e Cláudio Fortuna

Jornalismo vs produção de conteúdos no contexto angolano

Jornalismo vs produção de conteúdos no contexto angolano Uma verdadeira corrida atrás da popularidade a pensarem certamente em ganharem algum dinheiro que é o que mais falta faz nos bolsos dos angolanos, sobretudo se este “kumbú” for em euros ou dólares. Por razões até legais, a começar pela exigência de uma carteira profissional passada por uma entidade pública, o exercício do jornalismo não pode estar no mesmo saco, onde cabem os tais conteúdos e os seus produtores. Em causa estão, antes de mais, as responsabilidades, entre direitos e deveres, que o exercício da actividade implica quer por parte dos seus profissionais quer pelos órgãos.

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29.02.2024 | por Reginaldo Silva

O holocausto do arquipélago da fome

O holocausto do arquipélago da fome O que fizemos ao certo, nós que não iniciamos nenhuma revolução industrial, nem explodimos a bomba atómica? Nós que não distribuímos o agente laranja e muito menos o chlordécone? Nós os habitantes de um país cuja única guerra foi exatamente para recuperar um bioma, preservar vidas e o direito à respiração? O que fizemos nós, os resistentes da terra, para que ela nos condenasse? De facto, como dizia alguém, um dos crimes do colonialismo foi alienar-nos de tal modo a ponto de acreditarmos que a nossa simples existência constituía/constitui em si, uma aberração.

Mukanda

21.02.2024 | por Apolo de Carvalho

"Os nacionalismos não são discursos inócuos, têm raça e género", entrevista a Lilia Schwarcz e Nuno Crespo

"Os nacionalismos não são discursos inócuos, têm raça e género", entrevista a Lilia Schwarcz e Nuno Crespo Durante muito tempo a gente tratou a arte como ilustração, a ideia de que era um produto do seu contexto. Mas e que tal se a gente inverter, uma vez que vivemos numa civilização da imagem, e pensar que a imagem não é produto, ela é produção, ela produz valores, ela produz concepções. E também quando você faz uma crítica interna a essa classificação da branquitude, nós podemos passar por várias questões: quais são as pessoas retratadas? São em geral, homens. Quem é que está nu? Basta ver o movimento Guerrilla Girls, as mulheres estão nuas nos museus. Há que se fazer uma política de acervos, há que se fazer uma política de reestruturação do cânone e das nossas agendas, dos nossos currículos básicos.

Cara a cara

19.02.2024 | por Marta Lança

Não Alinhados#2 Parafina Socialista

Não Alinhados#2 Parafina Socialista Os segredos de Estado tornam-se mitos em países como Angola ou a China. São autênticos cofres vazios, lendas populares, elefantes brancos que ocupam o imaginário e o dia a dia do cidadão. Perguntei-lhe qual era o cheiro do corpo do Lenine, se cheirava a mofo no papel. 'Não! Tem um cheiro forte, sufocante e ao mesmo tempo vazio. Não dá vontade de espirrar, dá é mais vontade de não respirar.'

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16.02.2024 | por Fradique

O que resta depois do Carnaval: Liceu, Mingas, o hino e a bandeira I Um passo atrás

O que resta depois do Carnaval: Liceu, Mingas, o hino e a bandeira I Um passo atrás É muito fácil esquecer que os hinos nacionais, as bandeiras e as insígnias foram criadas por mãos humanas, gente como nós. O processo de sacralização desses símbolos, como se tivessem sido obra de um deus no início dos tempos, como se sempre tivessem estado ali, como se fossem invioláveis e imutáveis, é uma espécie de pacto coletivo, não necessariamente consensual, muitas vezes implicando a existência de uma bandeira vencida e outra vencedora. Esse é, como sabemos, o caso de Angola, onde a bandeira vencedora triunfou sobre as outras.

Palcos

15.02.2024 | por Aline Frazão

Leonor nas Cidades - Baan

Leonor nas Cidades - Baan No filme insinua-se a autocrítica, a crítica ao lugar de privilégio que permitiria conviver ou sobreviver com realidades duras, apesar de se sonhar uma cidade imaginária ou possível ao virar da esquina. Lugar de privilégio cuja dimensão passamos a compreender melhor no final do filme, a chave talvez para entender a natureza do sufoco de L.

Afroscreen

14.02.2024 | por Josina Almeida