Poderíamos dizer que a zona de interesse hoje em dia tem de abranger uns bons milhares de quilómetros, para nos isolar das atrocidades que se cometem por esse mundo fora. E nem assim. Porque ao mesmo tempo vai-se restringindo a distância a que as coisas acontecem. Tudo nos chega aos olhos e aos ouvidos. E quase no instante em que acontecem, o que mais aumenta o nosso sentimento de desamparo e de impotência diante das monstruosidades que de certo modo presenciamos e que nos questionam instantemente.
Mukanda
29.12.2024 | por José Lima
Reparação é uma cena muita fish! Até a União Europeia fez uma lei de direito à reparação… não, não para os países independentizados, credo!, isso é esperar demais!, mas para os consumidores europeus. Falar de reparação e restituições, fazer filmes sobre algo parecido, aliás qualquer filme feito por brancos sobre pretos, ou feito por pretos sobre pretos ou com palavra colonial pelo meio, é um afrodisíaco de culpa branca, que deixa os descolonizadores bem excitados, naquele masoquismo intelectual e vaivéns masturbatórios de mal-me-quero, bem-me-quero, não-me-quero, já-me-quero, vim-me em premiações, vim-me em museus, vi-me em festivais, vi-me em bienais e vêm-me-comer-à-mão. (FMI, Zé Mário).
Mukanda
28.12.2024 | por Marinho de Pina
O processo tornou-se uma extensão da colonização, reforçando o poder de um Estado-nação sobre comunidades locais, em vez de devolverem efetivamente os objetos às pessoas que os produziram ou veneraram, e ignorando assim a complexidade das histórias locais. Basicamente, a França tinha saqueado as obras no passado e depois dizia: “não devolvo porque vocês não têm como cuidar delas”, Benin resgata as obras no presente e diz “não devolvo porque vocês vão torná-las objeto de cerimónias religiosas”. As estátuas saem de uma caixa para outra, mas em nome de libertação ou de restituição.
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28.12.2024 | por Marinho de Pina
Porque são eles invisíveis?, perguntaria a criança a seguir. Porque sempre existiram mas ninguém deu conta deles, não vestem adequado, não cheiram aos aromas de Paris, nem à moda milanesa, antes à contrafação chinesa ou nigeriana; sempre andaram aos gritos que só os arrepiava a si mesmos, porque quem os devia escutar cercou-se de vozes semelhantes, de igual poder e cheiros, cantando todos em uníssono as canções de embalar os saciados. O que ficou para estes, resquícios de uma solidão e angústia só sufocada nas promessas e nos sonhos vistos em ecrãs de smartphones de segunda mão, tal como as roupas, vindas de contentores para o descarte. Os pensamentos da mãe podiam continuar a escalar, não fosse a criança ir-se tornando incómoda, impaciente, um tormento para quem também tem os seus porquês da vida. Está na hora de responder à criança que não se cala, em coro com os inaudíveis.
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27.12.2024 | por Eduardo Quive
O que neles podemos encontrar de comum diz sobretudo do tempo em que se mostram, do seu vazio. Como se o que os justifica fosse a circunstância de se encontrarem num enorme campo aberto, e não a sua fixação definitiva enquanto objectos orientados para a sua própria posteridade. São livros não academizados, para retomar ainda Maiakowski, não dependem da ilusão do futuro, e é isso que lhes permite coincidirem numa experiência concreta de leitura capaz de, eventualmente, gerar e propagar um eco.
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26.12.2024 | por Fernando Ramalho
sses acontecimentos demonstraram-se como sumamente necessários para uma catarse psicológico-cultural de amplas repercussões identitárias e político-ideológicas e, assim, para a total ruptura com o assimilacionismo colonial e a tutela assistencial portuguesa, considerada até aí, tanto em franjas extensas das camadas mais humildes e vulneráveis das populações, como também por importantes sectores das elites letradas, burocrático-administrativas, comerciais e fundiárias do povo das ilhas, como indispensável, senão insubstituível, para a viabilização da emigração caboverdiana para Portugal,
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22.12.2024 | por José Luís Hopffer Almada
Na Rua do Benformoso há muitas carências que devem ser tratadas com urgência, incluindo a melhoria na recolha de lixo, programas de cuidado para toxicodependentes, articulação das instituições com a sociedade civil, policiamento de proximidade. As comunidades residentes nesta área, portuguesas e de outras origens, estão desagradadas com estas operações policiais absolutamente desproporcionais à criminalidade que ali existe e revoltadas pois o investimento necessário para melhorar a situação não está a ser feito.
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22.12.2024 | por vários
De tanto ser máquina de produzir filhos e sujeita a trabalhos duros, perdi e nunca vi a beleza da vida e as alegrias que as vizinhas falavam dos seus casamentos. O meu brilho foi-se ofuscado e a velhice não tardou a visitar-me. Um minuto de alegria para disfarçar a minha tristeza diante das crianças, era resultado de uma noite cheia de choros.
Corpo
21.12.2024 | por Edna Matavel
É necessário fazer mais que monumentos, filmes ou pedidos de desculpa. É preciso, entre muitas outras coisas, trabalhar os discursos, trabalhar as formas de educação, investir na educação das populações mais vulneráveis, trabalhar e melhorar as relações entre os povos e os países, melhorar as condições de trabalho e de acesso aos espaços e meios de circulação à população preta portuguesa ou em Portugal, dignificar as histórias dos países africanos que foram colonizados, sem criar ou repetir narrativas que promovam complexos de inferioridade.
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19.12.2024 | por Marinho de Pina
Estas tensões entre formas de vida e saberes diferentes foram também teorizadas pelo historiador francês Michel de Certeau, que considerou que os diversos campos de construção do conhecimento tendem a entrar em conflito não pela validade das suas ideias, mas pela necessidade de as verem priorizadas nos processos de transformação do quotidiano.
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18.12.2024 | por Jessemusse Cacinda
Em Macau, uma exposição de Clara Brito juntou autobiografia e memórias comuns, integrando um projecto que quer preservar técnicas, materiais e vivências do Sul da China. (...) Do outro lado deste mundo onde a avó costureira permanece mestre de linhas e tecidos, Clara Brito vai recolhendo as memórias de outros mestres, de outros materiais, e confirmando que tudo o que vamos guardando é sempre caminho para o futuro que chegará.
Corpo
18.12.2024 | por Sara Figueiredo Costa
Ao criar esta frase, Pepetela certamente se inspirou nas manifestações espontâneas das pessoas africanas a que a todo momento se voltam para Deus, mesmo quando estão em protesto e se afirmam ateus. Essa frase lembra-me o meu velho e as pessoas do meu bairro que acompanham com sofrimento, o movimento dos seus filhos para fora da igreja. Tenho a certeza que por estes dias de natal o centro das suas vidas gira em torno do que vai acontecer na missa ou nos cultos de natal das suas paróquias e assembleias. Em África é difícil viver sem Deus.
Mukanda
17.12.2024 | por Zezé Nguellekka,
Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes, é um ícone na luta pela preservação da Amazônia e pelos direitos das populações extrativistas. Se estivesse vivo, celebraria 80 anos hoje. Nascido em 1944 no seringal Porto Rico, em Xapuri, no Acre, Chico Mendes passou sua infância cortando seringa ao lado do pai, enquanto testemunhava a exploração e injustiças impostas aos trabalhadores da floresta.
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16.12.2024 | por Gabriella Florenzano
Tinha ido na tarde calorenta entregar um volume de As Farpas emprestado pelo pai e encontrara-o sentado num banco, à porta de casa, com um manduco a escavar e a fazer riscos no chão.
Mirrado, possivelmente devido à muita nhongra e fominha, possuía contudo um falar alterado. Assarapantava quem nunca o tivesse ouvido. As palavras enrolavam-se-lhe na boca como cascalhos arrastados até à praia por ondas bravias. Saíam, ao cabo, soltas, desconsertadas, e sempre intencionais. Falava assim por ser maçónico, dizia-se. Era da maçonaria, confirmava o povo, fazia artes como as feiticeiras.
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16.12.2024 | por Orlanda Amarílis
Um passado que fala bem, mas às vezes muito mal mesmo, da forma como Angola se tem estado a movimentar no território das liberdades fundamentais ao mesmo tempo que nos dá ideia de como os jornalistas de uma pequena estação emissora souberam afirmar o projecto com a necessária liberdade e independência editorial. Uma afirmação que teve sempre como referência mais crítica a relação do projecto Ecclésia com o poder político, cuja natureza controlista é sobejamente conhecida, mas nem sempre reconhecida pelos seus responsáveis quando são confrontados com este tipo de avaliação.
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15.12.2024 | por Reginaldo Silva
O novo filme dedicado ao povo indígena Yanomami, A Queda do Céu (2024), dos realizadores brasileiros Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha, começa com um extraordinário plano-sequência que transcende a sua função de prólogo de abertura, afirmando-se como um plano merecedor de um lugar de destaque na história do cinema que aborda a Amazónia. Trata-se de uma poderosa representação cinematográfica dos povos indígenas amazónicos, guardiões culturais e espirituais da terra-floresta. Com este primeiro plano estabelece-se uma dialética, mediada pela cosmologia Yanomami, entre o visível e o invisível, entre o céu e a terra, oferecendo-se ao espetador um atalho para um melhor entendimento da luta indígena contra a emergência climática que enfrentamos.
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12.12.2024 | por Anabela Roque
Dança Não Dança incorpora as genealogias culturais das danças africanas e das da diáspora negra nas Américas, viajando de Josephine Baker ao Ballet Nacional da Guiné-Bissau e do charleston à breakdance. A exposição como que observa o processo de contaminação do colonizador ocidental (e português) pela África colonizada e neocolonizada depois das independências, numa claríssima proposta de mudança das mentalidades no próprio berço do arranque esclavagista e imperial do capitalismo, Lisboa – urgente numa altura em que esse mesmo Ocidente, Portugal incluído, está a ser palco de um regresso dos fascismos.
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10.12.2024 | por Rui Eduardo Paes
Em Portugal, por um lado, os esquerdistas podem usar a descolonização como aquela palmadinha nas costas em jeito de pedido de desculpas, num autoflagelo orgiástico de culpa branca, reiterando sempre como os brancos são horríveis e uns privilegiados do caraças, que só sabem fazer mal ao resto do mundo. Aparentemente esse absurdo e autocentrado mea culpa torna o mundo mais justo e, abracadabramente, esfuma todas as questões da opressão. Por outro lado, até os direitistas podem usá-la para alimentar mais o seu ódio infundado e os seus laivos de grandeza baseados num passado romantizado de conquistas e dominações como mostras de superioridade intelectual e racial.
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09.12.2024 | por Marinho de Pina
Daí vem a nossa identidade de pontos de vistas. A nossa cumplicidade. De duas mulheres africanas. Diaspóricas. Angolanas. Militantes da luta anti-racista no Mundo. Contra a subjugação dos povos. Contra o racismo estrutural. Contra o fascismo e a xenofobia. Contra a violência policial, racial e sistémica em Portugal. Contra a exploração, as desigualdades e violência de género e outras. Contra o enriquecimento de uns à custa da miséria de outros, a maioria.
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07.12.2024 | por Luzia Moniz
No pós-Revolução Mexicana (1910 – 1920), a cultura foi arma de transformação de um país fraturado. Durante o “Renascimento Mexicano”, as fotografias da italiana Tina Modotti testemunharam um tempo de liberdades em carne viva, de ideais traídos e de ideologia fervilhante. Comunista, amante, livre, feminista e firme denunciante das injustiças sociais, a artista acusada de matar um amante e de tentar assassinar um presidente mexicano, é hoje parte do imaginário de um país que fez dela uma lenda.
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06.12.2024 | por Pedro Cardoso