a dívida impagável: lendo cenas de valor contra a flecha do tempo

1O transtorno começou bem antes do 9 de julho de 1976, quando o percebi, mas 9 de junho é o dia do qual me lembro. Era meu aniversário de vinte e seis anos. Foi também o dia em que encontrei Rufus – o dia em que ele me chamou para si pela primeira vez.- Octavia E. Butler2

crânios do povo herero a serem devolvidoscrânios do povo herero a serem devolvidos

Quando se encontram pela primeira vez, Rufus é uma criança, um menino no máximo com 3 ou 4 anos, se afogando no rio enquanto à margem, sua desesperada mãe gritava por socorro. Quando Dana finalmente rompe o vínculo matando-o, Rufus é um homem que herdou a fazenda e os escravos de seu pai, e que decidiu agir como dono de escravos forçando-a a ser sua amante. Por seis vezes Dana é forçada a voltar no tempo para a Maryland do pré-guerra Civil dos Estados Unidos da América do Norte, para salvar a vida de Rufus; algumas dessas jornadas são breves, outras parecem durar toda uma vida. De certa maneira, é isso. É o tempo da vida de Rufus. Contudo, é também o tempo de vida de Dana: sua estendida e expandida vida intemporal, que perdura através da escravidão e para além de sua ordem, estendendo para sempre a obrigação de manter o dono antepassado vivo. Notavelmente improvável, o fardo de Dana na novela Kindred de Octavia E. Butler é historicamente incompreensível. Toda a vez que a escritora afroamericana de ficção científica posiciona Dana no passado para salvar a vida do senhor-proprietário da avó de Dana, sua heroína perfoma uma ação que preserva o seu presente, sua própria existência. Toda vez em que ela reverte a flecha do tempo – como o que se tornou aquilo que permite o que aconteceu, ela viola os três pilares onto-epistemológicos (a teoria do conhecimento, a teoria do ser e a teoria da prática) – a saber, separabilidade, determinação e sequencialidade – que sustentam o tempo linear3.

Certamente, toda vez que Dana retorna à Maryland do pré-guerra civil, ela rompe a separabilidade; vivendo como escrava, sua existência atravessa o tempo linear4. Ainda que não sem custos. As fixidezes do tempo-espaço formal assumem diferentes formatos, incluindo a própria parede na qual o seu braço fica preso durante sua última viagem de retorno do passado, após ter esfaqueado o seu dono-antepassado, quando ele tentava violentá-la. Porém, parte dessa incompreensibilidade desaparece quando se nota como Kindred reencena determinação e sequencialidade. Toda violação da separação do tempo-espaço, pelas viagens de Dana contra a flecha do tempo, é determinada por uma ameaça à vida de Rufus; cada uma segue a sequência linear de seu tempo de vida. Apesar disso, embora a vida de Rufus determine a sua relação – que se desdobra espaço-temporalmente na Maryland do pré-guerra Civil dos Estados Unidos da América do Norte – a obrigação de Dana somente faz sentido se, ignorando a separabilidade, a intuição liberta a imaginação para mover e apreender a implicação profunda (o nível quântico do emanharamento) de tudo o que aconteceu e ainda está porvir na existência espaço-temporal.

Seguindo a pista de Kindred de que separabilidade, determinação e sequencialidade sustentam o conhecimento do que acontece na atualidade (como é acessado pelos sentidos), mas não em virtualidade (como é acessado pela intuição), é possível imaginar implicações profundas, isto é, conexões que excedem o espaço-tempo. Em se tratando disso, a improbabilidade da tarefa de Dana (manter Rufus vivo) e sua resolução (matá-lo) desaparecem, assim como sua intuição descobre que sua dívida com Rufus, sua própria vida, não recai somente sobre ela. Apesar de Dana não ter determinado a sua própria vinda à existência, manter-se viva é de sua responsabilidade, seu fardo – isto é, é algo que ela possui ou tem. Apesar de Rufus manter-se vivo ser necessário para a sua existência, o fato dele ser o dono dela é também uma ameaça direta à sua vida. Matando Rufus, Dana liberta-se de uma obrigação que não lhe cabia, porque na atualidade (no espaço-tempo), devido ao tempo linear, não se é responsável pela existência do próprio antepassado. Mantendo-se viva, contudo, Dana permanece endividada aos seus antepassados porque, novamente na atualidade, devido ao tempo linear, eles são responsáveis pela sua existência. Quando Rufus, seu pai-dono a ameaça com violência total (estupro e morte), ela paga a dívida – liberando-se da obrigação de mantê-lo vivo; ela rompe paradoxalmente a relação pela necessidade de autopreservação. Eticamente, a dívida de Dana é uma dívida impagável: é uma obrigação moral que carrega, mas que não deveria ter que saldar, pois a relação que essa reconfigura é mediada por uma forma jurídica, um título, o que não se aplica às relações entre pessoas (parentesco ou amizade), isto é, entidades morais modernas (iguais e livres). Economicamente, a dívida de Dana é impagável, já que a forma jurídica do título que governa a relação econômica (propriedade) dono-escravo autoriza o uso da violência total de modo a extrair o valor total criado pelo trabalho escravo, o que resulta em descendentes de escravos existindo em escassez. Então, sim, Dana deve (eticamente) a dívida que não cabe (economicamente) a ela pagar.

Remodelando a violação à sequencialidade de Kindred, o método aqui ignora a separabilidade e recompõe o valor atentando para a violência fundante do capital global.

Porquê? Por que é projetada como contribuição para um programa ético-político de descolonização, isto é, o retorno do valor total expropriado do trabalho escravo e das terras nativas. Em ambos níveis experienciais e conceituais a separabilidade torna essa articulação particular da reinvindicação de descolonização incompreensível porque a temporalidade linear (ou sequencialidade) organiza ambas. Por um lado, há descrições do que acontece em nossas experiências diárias em termos de eventos separados, que se sucedem ou simultâneos, que podem ou não estar relacionados uns aos os outros. Quando uma relação é atribuída, ela geralmente toma o formato da identidade ou eficiência: eventos estão relacionados porque são do mesmo tipo ou em termos de causa e efeito.

Por outro lado, conceitos e categorias descrevem o que acontece de uma maneira que reencena as operações de espacialidade, descrições do que acontece no tempo. De fato, a espacialidade é reconfigurada quando (a) o que é simultâneo é compreendido em termos de variação ou de modalidade; ou (b) quando o que é sucessivo consiste em um estágio no progresso, retrocesso ou desaparecimento de um existente particular. Então, o que estou propondo é que a descolonização requer descrições de eventos e de existentes que violam a separabilidade em ambas instâncias, sem reencenar o Mesmo hegeliano.

O que estou fazendo nesse ensaio, ao pensar sem a separabilidade ou pensamento fractal, não é uma descrição de eventos e existentes, mas um engajamento com a descrição clássica do materialismo histórico da produção de valor. Embora isso seja ainda um exercício kantiano, a saber, uma crítica, disso não decorre o procedimento típico, que é operar por meio da teoria para expor as condições inerentes de possibilidade e fundamentos de validação.5 

Ao invés disso, estou apresentando um método que nada mais é do que a descoberta das componentes e movimentos de uma imagem, no sentido de Walter Benjamin6 que estou chamando de dívida impagável – uma obrigação que se deve mas que não cabe a si mesmo pagar. Essa imagem dialética foi inspirada na recente “crise dos subprime” nos Estados Unidos, que ajudou a inaugurar o derretimento financeiro de 2007 e 2008. Estou falando, claro, dos empréstimos com taxas de juro exorbitantes e variáveis que levou a falências afetando primeiramente compradores de casa afro-americanxs e latinxs despossuídxs, que foram culpabilizadxs pela crise financeira que transformou a paisagem econômica global de forma muito dramática. Contudo, isto não é uma análise da mais recente crise financeira7. A dívida impagável, enquanto imagem dialética, guia uma leitura do valor simultaneamente nas cenas econômica e ética, o que nos permite ver como o capital é a mais recente configuração da matriz moderna de poder e, enquanto tal, uma que8 conta com dispositivos de conhecimento (conceitos e categorias), uma gramática ética (princípios e procedimentos) e arquiteturas jurídico-econômicas (práticas e métodos), que derivam sua força de como a necessidade, concebida como critério para a verdade e figuração do poder, opera por meio de separabilidade, determinação e sequencialidade.

Do evidenciar a violência enquanto se viola as separações impostas pelos pilares onto-epistêmicos modernos, decorre que apresento uma leitura das cenas de valor, econômicas e éticas, projetadas para sustentar o argumento de que o capital global sobrevive do valor total da expropriação do trabalho escravo e da terras nativas. E mais particularmente, esse exercício apresenta o procedimento do pensamento que sustenta essa (mais alongada) formulação de minha figura guia: a Dívida impagável recobra expropriação, o modo de extração de lucro característico da colônia moderna, que é o momento da matriz jurídico-econômica do capital e que performa a apropriação do valor total exigida para a criação do capital por meio do uso da violência total. O que essa formulação engendra é uma leitura da descrição do valor de Marx em uma matriz nacional – a Inglaterra do século XIX –, que já está implicada em figurações prévias e posteriores da matriz moderna do poder, a saber, o colonial e o global.

 

Colonial \ Racial \ Capital

“A descoberta das terras auríferas e argentíferas na América, o extermínio, a escravização e o soterramento da população nativa nas minas, o começo da conquista e saqueio das Índias Orientais, a transformação da África numa reserva para a caça comercial de peles- negras caracterizam a aurora da era da produção capitalista. Esses processos idílicos constituem momentos fundamentais da acumulação primitiva.”

- Karl Marx9

Em novembro de 2016, antes da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, a crise financeira global de 2007 e 2008 foi o evento racial mais importante do século, precisamente porque os empréstimos subprime expõem como a racialidade funciona no capital global. Talvez o aspecto mais perturbador do escândalo dos empréstimos subprime é a figuração da escassez como excesso. O que os tornou lucrativos para instituições financeiras – e as seguranças amparadas no sistema hipotecário que as tornou tão atrativas aos especuladores – foi o fato de que aquelas pessoas que os detinham, assim o faziam justamente pela sua falta de ativos. Devido à sua despossessão econômica, as pessoas que fizeram empréstimos subprime foram forçadas a pagar mais via exorbitantes taxas de juros, cobradas pelo dinheiro que haviam tomado emprestado. Inaptos, “indignos” mutuarias, negras e latinas da classe trabalhadora e baixa classe média carregavam uma dívida impagável – assim como a personagem Dana de Butler – precisamente porque a relação que reconfiguram é uma na qual funcionam como instrumentos financeiros e não como pessoas. Eticamente, sua inabilidade em obter e pagar empréstimos fez de suas hipotecas valiosos instrumentos financeiros. Isto é, os bancos lucraram com a propriedade de inabilidade em pagar dessas mutuarias – esse risco implicou altas taxas de juros, estas que os bancos utilizaram para seduzir especuladores financeiros. Economicamente, as mutuarias não deveriam saldar a dívida precisamente porque, em primeiro lugar, foi sua inabilidade em pagar que os tornou valiosos instrumentos. Os empréstimos subprime foram desenhados para extrair valor do déficit financeiro de suas mutuarias, a saber, a falta de ativos e garantias, que as tornou ferramentas de subjugação colonial e racial.

Não obstante a aceitação geral das dimensões raciais da crise financeira global, as análises sobre a relação entre o racial e o capital permanecem insuficientes. Apesar dessa relação se manifestar em diferentes camadas e de vários modos, críticos do capital global lidam com a diferença racial como matéria já organizada pela separabilidade, já que trabalha com e dentro de sequencialidade e determinação. Deixem-me situar o meu argumento no contexto dos escritos sobre a colonialidade do poder de Aníbal Quijano e Sylvia Wynter. Partindo de análises materialistas históricas convencionais, ambxs pensadorxs enfrentam a tríade colonial, racial capital, de diferentes perspectivas. Até certo ponto, a minha própria posição em relação a essa tríade está em ressonância com ambas: como Quijano, acredito que o racial reconfigura o colonial no nível político- simbólico; como Wynter, acredito que o faz em combinação à noção de humano. Mas as semelhanças entre nossas análises param por aqui.

A moldura da tese de Quijano sobre a relação entre raça (diferença racial), colonialismo e capital é a clássica separação sociológica entre estrutura e cultura (ou ideologia) ou do econômico e do social. Isso permite a tese de que a raça emerge como “mecanismo de dominação” colonial, “princípio de classificação social”, que faz a distinção entre dois tipos de trabalho, remunerado (brancx/europeu) e não remunerado (não-brancx/não-europeu). De acordo com Quijano, raça – ou a colonialidade do poder – opera no capital global guiando a distinção entre trabalho remunerado (brancx/europeu) e trabalho não remunerado (das “raças colonizadas”)10. Disso resulta uma totalidade heterogénea, isto é, uma “colonialidade capitalista do poder global” que se constitui por meio das articulações de todas as “formas históricas de controle do trabalho em torno da relação capitalista salário-trabalho” e que assume a forma de atribuição de “todas as formas de trabalho não remunerado às raças coloniais” e “trabalho remunerado 10 ao colonizadores brancos”11. Sem violar a noção materialista histórica clássica de que o trabalho remunerado distingue o capital, Quijano corrige a teoria dos sistemas de mundo com o argumento da raça – que emerge sob o colonialismo enquanto mecanismo de controle do trabalho –, que agora organiza o capital global ao introduzir uma hierarquia na categoria do trabalho, que facilita a exploração de não-brancxs/não- europeus em todo o mundo. Ao longo da análise, a raça permanece como evidência, matéria social e não como categoria econômica que, ao ser considerada, permite uma re- contextualização do conceito econômico de capital que pode compreender sua mais nova configuração, a saber, “uma colonialidade capitalista do poder global”.12

Por outro lado, a contribuição de Wynter para o tema da colonialidade do poder é emoldurada por uma distinção entre ciência e cultura, que assume ares de separação entre verdade e ideologia13. Com a ajuda de uma vasta lista de trabalhos antropológicos, ela expõe um universalismo – a capacidade humana de produzir e esconder de si mesma ambas suas existências coletivas e suas explicações dessas ou “ditos descritivos” –, que explica e promete transcender hierarquias culturais modernas. Para Wynter, a colonialidade do poder ou raça, é o descritor hierárquico que governa as respostas europeias modernas à questão ontológica de quem somos, assim como responde à questão ética de como devemos viver e agir de modo a tornar a modalidade branca/europeia de ser humano como a única verdadeira apresentação do que é, de fato, o humano. Ela argumenta que, os “ditos descritivos” europeus modernos (tais como o perfeito paraíso medieval versus a terra caída) e constrói o Homem europeu como representante de tudo aquilo que é verdadeiramente humano. Enquanto isso, as modalidades de ser de outros povos e de descrever o humano, representam os outros “não-humanos”. Localmente significante (inventado pelos europeus) e culturalmente específica, a “raça”, escreve ela, seria portanto, de fato, o terreno não supranatural mas não menos extra-humano (no lugar reocupado dos tradicionais ancestrais/deuses, Deus, terra)14. Apesar dos ditos descrivos modernos terem relevância econômica, para além disso, seu efeito primário é sustentar a “estigmatização sistêmica, inferiorização social e privação material dinamicamente produzida”, em particular da população negra em todo o mundo15.

Para Quijano e Wynter, desde os primeiros momentos do colonialismo, a função da diferença racial tem sido de facilitar a apropriação europeia do trabalho e da terra nas Américas e em outros lugares no espaço global. A diferença é que para Quijano, a classificação racial estabelece a Força de Trabalho propriamente dita (brancxs/ europeus) e, para Wynter, estabelece o Humano propriamente dito (brancx/europeu).

Ao pensar por meio da relação entre o racial e o capital suas aproximações, no entanto, têm pouco a oferecer. De fato, para ambas, a classificação racial e as hierarquias raciais são exteriores (a) economicamente, como a própria produção capitalista de valor, que requer trabalho remunerado, para Quijano; e (b) eticamente, ao potencial (universalista ou “transcultural” ou “acultural”) do pensamento europeu moderno que se fia em territórios extra-humanos, para Wynter. Por essa razão, ambxs pensadorxs fornecem uma descrição da tríade colonial, racial e capital, aceitavel, precisamente porque a temporalidade linear nos força a confrontar o ponto de partida, que é que o racial, como mecanismo colonial, permanece anterior ao capital global enquanto tal.

O que proponho, então, é uma figuração fractal da tríade colonial, racial e capital que, ao violar a separabilidade, faz colapsar seus efeitos (anterioridade e exterioridade) e, ao invés de descrevê-la como uma relação, expõe uma implicação profunda: ao reter suas diferenças, mantêm profundamente emaranhadas em/ como/com uma e a outra. O que decorre é uma composição (e, enquanto tal, uma decomposição e uma recomposição) que explica a figura da dívida impagável. Porque desenhar a fractal nessa superfície plana é impossível, o leitor terá que confiar em mim – minha escrita –, enquanto descrevo os movimentos que montam essa figura, o que é chave para desmantelar o capital global. Duas simples questões guiam meu exercício: a primeira, como se herda a obrigação? E a segunda, porque não cabe pagar? Minha resposta é ignorar os pilares onto-epistemológicos que sustentam a descrição materialista histórica da produção capitalista. O que a torna possível, como espero tornar evidente, é uma figuração das cenas de valor econômicas e éticas que evidenciam a violência.

Cenas de valor e a dialética racial

“O menino aprendeu a falar dessa maneira da sua mãe”, eu disse suavemente. “E de seu pai e provavelmente dos escravos eles mesmos.”
“Aprendeu a falar de que maneira”, perguntou Rufus.

“Sobre criolos”, eu disse. “Eu não gosto dessa palavra, lembra? Tente me chamar de preto ou negro ou até mesmo de cor”.
“Para quê serve dizer tudo isso? E como você pode ser casada com ele?”
“Rufe, com’é que você gostaria que chamem você, de lixo branco, quando falam de você?” “O quê?”, retomou ele irritado, esquecendo sua perna, então caiu para trás. “Eu não sou lixo!”, ele sussurrou. “Sua negra maldita…”

“Aquieta, Rufe.” Eu coloquei minha mão em seu ombro para acalmá-lo. Aparentemente eu atingi o lugar que estava mirando. “Eu não disse que você era lixo. Eu perguntei como você acharia se fosse chamado de lixo. Eu vejo que você não gostaria. Eu tampouco gosto de ser chamada de negra.”

Ele permaneceu em silêncio, franzindo a testa para mim como se eu estivesse falando uma língua estrangeira. Talvez estivesse.
“De onde viemos”, eu disse, “é vulgar e um insulto que brancos chamem negros de crioulos. E também, de onde viemos, pessoas brancas e negras podem se casar.”

“Mas é contra a lei.”
“É aqui. Mas não é de onde viemos” “De onde vocês vêm?”

- Octavia E. Butler16

“Portanto, a relação das duas auto-consciências é tal o que elas se provam a si mesmas e uma a outra através de uma luta de vida ou morte. Devem travar essa luta, porque precisam elevar a certeza de ser para-elas mesmas à nível da verdade, ambos no caso do outro e no seu próprio case. A liberdade e conquista somente qudo se poe a vida em risco; so assim se prova que o ser essêncial da auto-consciência não é [apenas] ser, nem a forma imediata como ela surge, nem o seu submergir-se na expansão da vida; mas que nao há nada na auto-consciência que não seja um momento evanescente; que nao seja apenas puro ser-para-si mesmo. O indivíduo que não arriscou a vida pode bem ser reconhecido como pessoa; mas não alcançou a verdade desse reconhecimento como uma auto-consciência independente. Da mesma forma, assim como cada um arrisca sua vida, cada um deve igualmente procurar à morte do outro; pois ele nao valoriza o outro mais do que a si mesmo; o seu ser essencial se lhe apresenta na forma de um “outro”, esta fora de si mesmo e dever deve livrar-se de sua propria auto-exterioridade ” 

- G.W.F. Hegel17

A temporalidade linear, enquanto renderização da separabilidade e da determinação, responde pelo ofuscamento de como o colonial participa na produção do capital. Pois a separabilidade, disfarçada em sequencialidade, sustenta a descrição clássica do materialismo histórico que limita a emergência da produção capitalista à Inglaterra do fim do século dezenove. No entanto, a maneira como a separabilidade se torna o suporte primordial do pensamento moderno não é algo que será abordado nesse exercício. Ao invés disso, estou interessada na maneira como funciona em teses sobre o colonial e o capital e em como ofusca aquilo que expõe a sua implicação. Ao situar a tarefa, me permito recapitular a figuração inicial da separabilidade articulada na filosofia política moderna clássica, que postula a necessidade da lei e do estado em restringir e punir a violência contra a liberdade (ética) e propriedade (jurídica) individuais. Permitam-me também relembrar como mais tarde, no último quarto do século dezenove, a liberdade, firmemente aterrada na cena ética moderna, é utilizada em discursos pela abolição da escravidão (liberdade) e a independência das colônias (soberania nacional), enquanto a racialidade (por meio da distinção entre civilizado e primitivo ou o tradicional) iriam justificar as incursões coloniais europeias na África, Sudeste Asiático e Oriente Médio, assim como a expansão da “fronteira” Norte Americana. O que sublinho aqui é como o colonial, com suas práticas violentas e métodos de apropriação do valor total criado por terras nativas e pelo trabalho escravo, iriam rapidamente ser resolvidas em um texto moral – seja como um mal, além do qual a Europa havia se desenvolvido (devido a seu apreço pela liberdade), ou um bem, no qual a Europa estava mais uma vez engajada (pelo dever de espalhar a liberdade). Um tal texto consistentemente esconde o significado econômico colonial. Porquê? Talvez porque essa distinção entre necessidade/violência e liberdade/propriedade é refigurada no nível onto-epistemológico nas separações que escondem o colonial no argumento que é anterior ao capital.

Vamos rastrear esse apagamento em dois momentos. Primeiramente, por meio da explicação de como a racialidade performa esse colapso da violência colonial da cena ética do valor de modo em que aquilo que foi sujeito à expropriação violenta (terra e corpos) se torna significante de déficit moral (próprio e de outros). Em segundo, vamos considerar o ofuscamento categorial da violência colonial no texto histórico materialista, particularmente na resposta de Rosa Luxemburg à pergunta sobre a origem do capital na tentativa de dar conta do imperialismo.

Meu primeiro movimento nessa figuração da dívida impagável, é então atacar a escrita
da diferença racial como sendo um datum. Como já fiz esse trabalho em outro lugar18, proponho de início a tese de que a força ética da racialidade reside no imageamento do espaço global como mundo ordenado que deriva sua autoridade da força da necessidade
ao ser articulada em universalismo científico19. A racialidade é um arsenal politico simbólico, que foi consolidado no final do século dezenove para demarcar as fronteiras para as operações de princípio, que distinguiria o pensamento moderno, a liberdade. Essa formulação da racialidade difere das de Quijano e Wynter de maneira muito importante: diferentemente delas, eu não abordo a diferença racial como sendo uma evidência (dado) social (Quijano) ou biológica (Wynter), que se torna a base para dispositivos culturais ou ideológicos e que instituem hierarquias nas configurações sociais modernas. Tenha-se certeza de que essa explicação da subjugação racial reencena consigo a resolução moral; da expropriação colonial como efetuada pelo conhecimento racial.

Minha abordagem à racialidade segue o método que Foucault emprega em sua descrição da sexualidade”: eu a leio como um arsenal, um conjunto de dispositivos de conhecimento produtivo. Emoldurada pelo suporte da separabilidade, determinação e sequencialidade, a racialidade foi consolidada seguindo as regras do discurso característico do conhecimento moderno. Isto é, seus conceitos e categorias assim como seus objetos, método e formulações presumem e estabelecem uma conexão formal ou eficiente entre o fenômeno (o atual, espaço-tempo) sob observação ou investigação. Consideremos, por exemplo, um precedente, o índice facial que supostamente estabelecia uma relação entre o formato e tamanho da cabeça e capacidade mental. Implantada em um contexto onde a humanidade já governava a cena ética, o papel principal da racialidade tem sido o de fabricar uma explicação da diversidade humana, que nega a possibilidade de que traços mentais “observáveis” (mentais e intelectuais) poderiam mudar com o tempo. Desde, como Hegel e outros postularam, o pós-Iluminismo marcou o momento onde as capacidades mentais europeias atingiram o mais alto grau de desenvolvimento (em termos de condições jurídicas, econômicas e morais) possível para seres humanos racionais, a racialidade construiu consistentemente o corpo racial para significar as limitações dos outros da Europa, sua falta de capacidade para evoluir e se desenvolver.

Seguindo as leis da universalidade científica, proponho que, por restringir a liberdade aos indígenas da Europa, a racialidade funciona conjugada com a humanidade na gramática ética do pós-Iluminismo. Não porque, como Wynter e Butler argumentam20, a humanidade (e seus atributos ou igualdade e liberdade) pertencem a uma cultura particular que postula a si mesma como universal, mas porque, devido ao fato de a própria distinção entre universal e particular ser uma invenção moderna, o papel da racialidade – seja como diferença racial ou diferença cultural – tem sido tornar possível a articulação da própria ideia de particularidade humana ou de diferença humana, necessária para assegurar as necessidades do capital na era do pós-Iluminismo. O que me interessa aqui é o trabalho da racialidade na resolução do colonial na própria explanação da subjugação racial, consolidando-a como sendo quase impossível de fornecer uma descrição adequada de suas dimensões econômicas. Isso acontece nas primeiras décadas do século vinte, quando o conhecimento racial retorna a visões do final do século dezoito de diversidade humana e centra o histórico (e o cultural) na especificação das condições humanas. Ao tomar o que fora o produto de um primeiro momento do conhecimento racial como evidência, mas sem deslocar a diferença racial, a sociologia das relações raciais consolidou um argumento que atribui às causas sociológicas – prejuízos, discriminação, segregação – , da subjugação racial à presença de física e mentalmente diferentes “outros da Europa” em configurações sociais construídas por brancxs/ europeus colonizadores e suas descendentes. Com isso ela consolidou a tese que eu chamo de dialética racial, que transubstancializa a expropriação colonial em moral (a irracionalidade dos prejuízos raciais e crenças) e déficits naturais (traços corporais que expressam a não-europeidade), analiticamente ofuscando dessa maneira os métodos e práticas jurídico-econômicas (violência total e expropriação do valor total) responsável pela despossessão econômica.

A essa altura, deveria ser evidente como a dialética racial torna a heroína de Butler, Dana, e as mutuarias dos “subprime”, proprietários de uma dívida que não lhes cabe saldar. Pois essa produz uma figuração racial do humano, na qual a posição ética do outro, como na famosa passagem de Hegel do senhor e do escravo, emerge em violência – na luta entre vida e morte. Porém, a imagem do outro que o conhecimento racial fabrica é um efeito de dobra da violência, a saber, a violência jurídica total que assegura a expropriação colonial e a violência científica produtiva das ferramentas do conhecimento moderno que transubstanciam a expropriação colonial em um déficit natural, isto é, racial.

Acumulação primitiva

Eu fechei os meus olhos relembrando o homem grande, ouvindo novamente seu conselho para Nigel de como desafiar os brancos. Aquilo mexeu com ele.
“Você acha que o traficante o levou durante todo o caminho até Nova Orléans?”, perguntei. “Sim. Ele estava recebendo junto uma carga para enviá-los para lá.”

Balancei minha cabeça. “Pobre Luke. Agora há canaviais na Louisiana?”
“Cana, algodão, arroz, eles cultivam de tudo por lá.”
“Os pais do meu pai trabalharam nos canaviais lá de antes de ir para a Califórnia. Luke poderia ser meu parente.”
“Apenas certifique-se de não terminar como ele.”
“Eu não fiz nada.”
“Não vá por aí ensinando mais ninguém a ler.”
“Oh.” “Sim, oh. Eu talvez não seja capaz de impedir Papai se ele decidir te vender.”

“Me vender! Ele não me possui. Nem mesmo pela lei daqui. Ele não tem qualquer documento dizendo que ele me possui.”

“Dana, não fale bobagens.”
“Mas…”
“Certa vez, na cidade, vi um homem se gabar de como ele e seus amigos haviam pego um negro livre, rasgado seus documentos e o vendido para um traficante.”

Não disse nada. Ele estava certo, era evidente. Eu não tinha direitos – e nem documentos para serem rasgados.
“Só tenha cuidado”, disse ele calmamente.
Consenti. Pensei que pudesse escapar de Maryland se tivesse que fazê-lo. Eu não pensei que fosse ser fácil, mas pensava que poderia fazê-lo. Por outro lado, eu não conseguia perceber como alguém mais sábia do que eu era em relação aos fluxos do tempo poderia escapar da Louisiana, cercada como estava por agua e estados escravagistas. Eu teria que tomar cuidado, tudo bem, e estar pronta para correr se achasse que havia qualquer risco de ser vendida.”

- Octavia E. Butler21

Agora vamos começar o trabalho de desfazer a escrita materialista histórica da expropriação colonial como sendo anterior à exploração capitalista. Começo com a tese de Rosa Luxemburg sobre a acumulação primitiva na qual ela desenvolve a explanação materialista histórica para o imperialismo, onde a separabilidade, operando por meio da sequencialidade, produz efeitos similares aos do conhecimento racial.22 Contudo, para ela, isso ocorre no posicionamento da imposição colonial da expropriação da terra (e seus recursos) e do trabalho em um momento anterior à acumulação, isto é, temporalmente anterior ao capital. Luxemburg começa com a separação entre a própria produção e a reprodução capitalista e a acumulação primitiva ou as “dificuldades pelas quais os modelos capitalistas de produção emergem de uma sociedade feudal23. ”Isso é materialismo histórico clássico e apesar disso a diferença é que ele descobre que a acumulação primitiva nunca deixa de acontecer: para poder apropriar-se de meios dos produção, força de trabalho e criar um mercado, o capital confia no estado na utilização da violência total e taxação extrema.

Lembrem-se que a tese de Luxemburg de que a acumulação primitiva emerge 19 em um contexto onto-epistemológico povoado por descrições antropológicas de povos e lugares não-europeus , que ela captura com o termo “economia natural” – o que também inclui não somente o “feudalismo” mas também o “comunismo primitivo” e a “economia camponesa patriarcal”.24 Desse modo, segundo a versão da evolução de Darwin (assim como a de Hegel da história do mundo), todas as três são temporalmente anteriores à Europa capitalista moderna e faz sentido que Luxemburg explique o segundo momento do colonialismo (no século dezenove e inicio do vinte, isto é, o imperialismo) utilizando a mesma frase que Marx emprega para descrever o primeiro momento do colonialismo. A separabilidade opera aqui já como um efeito do materialismo histórico e do conhecimento racial, no qual outros modos de produção econômica e existência social se tornam “matéria/questão” que permite inovação conceitual; isto é, o que está para ser determinado por meio da tese da acumulação do capital que responde ao interior próprio da reprodução ao anterior (agora racialmente e/ou geograficamente presente) como acumulação primitiva. Do ponto de vista  do materialismo histórico clássico, as teses de Luxemburg sobre a acumulação fazem a produção de capital e a reprodução contingente de algo que excede suas condições sociais características e modos de produção de valor.

No entanto, a descrição de Luxemburg herda a dupla desautorização que escreve a especificidade do capital na apresentação clássica do argumento materialista histórico. Ao ler o Capital, encontramos afirmações explícitas e implícitas que remetem a expropriação colonial ao passado do capital. Em relação à escravidão, o deslocamento da violência total não ocorre em afirmações específicas, mas no consistente uso de Marx do escravo como metáfora para marcar a falta de liberdade “real” do trabalho assalariado, enquanto ao mesmo tempo dirige a sua tese crucial sobre como a liberdade e a forma de contrato distinguem o modo próprio da produção capitalista. Em relação à conquista, a história é um pouco mais complicada. Por um lado, o espaço colonial também é o local da “chamada acumulação primitiva”, uma vez que os massacres de populações nativas facilitaram a apropriação de metais preciosos, tornando-os disponíveis para investimento. Por outro lado, as colônias também oferecem uma situação contrastante, o que ajuda a delimitar a região do capital. Ao comentar a “teoria da colonização” de Edward Gibbon Wakefield, Marx rejeita análises que as colocam no âmbito do capitalismo com uma distinção entre dois tipos de propriedade privada, que derivam de dois modos distintos de apropriação. Em primeiro lugar, há propriedade privada dos meios de produção, conforme encontrada nas colônias, que é característica da produção pré-capitalista, e na qual o proprietário é também trabalhador; em segundo lugar, há a propriedade privada capitalista, “na qual [meios de produção e subsistência] servem ao mesmo tempo como meio de exploração e sujeição do trabalhador”25.

Por essa razão, Marx argumenta que as terras disponíveis nas colônias criaram um problema para o capital, pois deu aos potenciais trabalhadores assalariados esperança (e a realidade) de se tornarem produtores independentes, como camponeses nas terras “recém-descobertas”. Novamente, nessa distinção, o modo colonial de apropriação do valor desaparece na sequencialidade porque, para Marx, foi superado pelo capital. Este é principalmente um efeito de determinação, de como a categoria materialista histórica do trabalho transubstancia métodos e práticas jurídico econômicas coloniais para a expropriação do valor total criado pela terra nativa e trabalho escravo. Consideremos como Marx divide a forma jurídica moderna da propriedade privada em duas categorias: primeira, não capitalista, onde não há separação entre o dono dos meios de produção e o trabalhador; e segunda, capitalista, onde há uma separação entre o dono dos meios de produção e o trabalho. Obviamente, estão excluídos os métodos e práticas jurídicas coloniais de violência total que, em primeiro lugar, disponibilizaram a “propriedade pública”, que os imigrantes tornados colonizadores rapidamente reivindicariam como sendo “propriedade privada”. Em suma, a determinação desempenha papel crucial como o trabalho, nessa figura do conceito jurídico da propriedade privada, ofuscando o significado do valor total apropriado na formação colonial antes do capital. Vou elaborar isso por meio de uma leitura da explicação do valor em Marx e, em particular, por meio do exemplo que escolhe para a apresentação da teoria do valor. Vejam isso:

“De acordo com a lei geral do valor, se o valor de 40 libras de fio = ao valor de 40 libras de algodão + o valor de um fuso inteiro, isto é, se o mesmo tempo de trabalho é necessário para produzir cada um dos dois lados dessa equação, en- tão 10 libras de fio equivalem a 10 libras de algodão e 1/4 de fuso. Nesse caso, o mesmo tempo de trabalho se expressa, de um lado, no valor de uso do fio e, de outro, nos valores de uso do algodão e do fuso.”26

- Karl Marx

Por que o trabalho escravo que produziu o algodão não entra nesse cálculo de valor, nem mesmo como trabalho morto? Aqui, mais uma vez, a determinação faz o trabalho de obscurecimento, embora neste caso por meio da maneira como a forma jurídica da propriedade circunscreve as condições sociais de produção capitalistas.

Para Marx, assim como para Luxemburg, a produção capitalista de valor propriamente dita só existe sob certas condições ético-jurídicas, quando a apropriação do valor produzido pelo trabalho ocorre em condições de igualdade e liberdade e as relações entre o trabalhador e o dono dos meios de produção é mediada por contrato. Somente sob esta condição pode haver apropriação de mais-valia – daquela que exceda o preço pago pelo tempo de trabalho –, isto é, a exploração. Aqui novamente, os pilares onto-epistemológicos modernos realizam a distinção entre o capital e as modalidades contemporâneas e relacionadas de apropriação do valor. A separabilidade explica o pressuposto de que a produção econômica constitui um aspecto distinto da existência humana coletiva; a determinação, por sua vez, opera ao nível da delimitação de categorias de conceitos e a análise de que, para cada modo distinto de produção econômica, é possível identificar uma relação social específica de produção, modos de apropriação do trabalho; sequencialidade, finalmente, funciona completamente.

acumulação e expropriação 

Eu estava trabalhando em uma agência de trabalho temporário – nós, os regulares, chamamos isso de mercado escravo. Na verdade, era exatamente o oposto da escravidão. As pessoas que a dirigiam não poderiam se importavam para nada se você aparecia ou não para fazer o trabalho que lhe ofereciam. De todo modo, elas sempre tinham mais gente à procura de emprego do que empregos…
Você fica sentada e permanece sentada até que o despachante ora te manda para um emprego ora para casa. O lar não significa dinheiro. Ponha outra batata no forno. Ou se em desespero, venda um pouco de sangue em uma das lojas na rua em frente à agência. Eu fizera isso apenas uma vez.
Ser enviado significava salário mínimo – menos a parte do Tio Sam – por quantas horas você fosse necessário. Você varreu pisos, recheou envelopes, inventariou, lavou pratos, arranjou batatas fritas (verdade!), limpou banheiros, marcou preços em mercadorias… você fez todo tipo de coisa que te mandaram fazer. Era quase sempre um trabalho estúpido, e, no que diz respeito à maioria dos empregadores, era feito por pessoas estúpidas. Não-pessoas alugadas por algumas horas, alguns dias, algumas semanas. Não importava.

Octavia E. Butler27

Recostada nos pilares da separabilidade, determinação e sequencialidade, a tese da colonialidade, a ferramenta da racialidade e o arsenal materialista histórico da transubstancializa a expropriação colonial em evidência ou matéria prima. A alteração ocorre no nível mais profundo, como resultado da dominação jurídica, por conta da “matéria”, ora como sendo resíduo ou categoria prévia (temporalmente) ou ocorrência natural (empiricamente). Consequentemente, a tarefa torna-se desenhar procedimentos capazes de reverter esse processo. Ignorando a determinação e a sequencialidade, minha contribuição consiste aqui na figuração do capital enquanto arquitetura jurídico-econômica que implica dois modos de governança – a colônia e o governo – que foram arranjadas e consolidadas ao longo dos últimos quatrocentos anos. Cada modo de governança garante diferentes modos de apropriação da terra e do trabalho, respectivamente, por meio de um acordo amarrado legalmente ou ameaça e uso da violência (conquista e escravidão). Além disso, cada um se refere a modos distintos de apropriação de valor, sendo mediados por uma forma jurídica particular – contrato e título –, que permitem seu modo particular de uso de trabalho para a reprodução do capital. No trabalho assalariado há apropriação parcial do valor-criado, o que vou chamar de exploração sob obrigações legais; no trabalho escravo, há apropriação do valor-criado total, o que vou chamar de expropriação sob coerção violenta

A expropriação, para Rosa Luxemburg, lembra o mecanismo que o estado implantou para facilitar a acumulação de capital, levando à “destruição e aniquilação de todas as unidades sociais não capitalísticas que obstruem seu desenvolvimento” (Accumulation of Capital, p. 350). No entanto, ao contrário de Luxemburg, não penso na colônia como a fronteira do capital. Ao invés disso, como Bartolomé de Las Casas, C. L. R. James e Frantz Fanon descreveram, a colônia é uma estrutura econômica jurídica moderna, projetada e administrada por pensadores e decisores europeus. Penso aqui no papel de John Locke na redação das Constituições Fundamentais da Carolina, em 1669, caracterizada por violência absoluta.

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Quando a análise do capital corresponde aos dois modos de apropriação do trabalho, não é mais um absurdo exigir o retorno do valor total fornecido pelo trabalho escravo e terras nativas. Por um lado, redefine a dimensão econômica da subjugação racial, já que não pode mais ser explicada como sendo o efeito de preconceitos inapropriados, crenças ou ideologias inconvenientes, ou como modo de controle do trabalho que permanece exterior ao capital (para Quijano), nem como uma construção cultural (ou ideológica) que representa não-europeus como não-humanos (para Wynter). Ao evidenciar ambas violências, a jurídica (colonial) e a simbólica (racial), a análise da subjugação racial inicia o reconhecimento de que, por exemplo, os escravos emancipados não foram apenas despojados dos meios de produção, do valor total criado pelo seu trabalho e pelos seus antepassados, mas que também foram apreendidos por um arsenal político-simbólico que atribuiu sua despossessão econômica a um defeito moral e intelectual inerente. Do ponto de vista econômico, é possível reconsiderar a trajetória pós-escravidão dos negros nos Estados Unidos como uma acumulação de processos de exclusão econômica e alienação jurídica – escravidão, segregação, encarceramento em massa –, que têm deixado uma percentagem desproporcional dessas pessoas economicamente despossuídas. A acumulação negativa, se não um oximoro, descreve perfeitamente esse contexto. O que a escravidão como modalidade de expropriação produziu é um sujeito econômico que, como Dana de Butler, possui menos (-) capacidade produtiva precisamente porque seu trabalho nunca foi contado como sua propriedade, da maneira como Marx diz que o salário dos trabalhadores o é.

A equação de valor (puramente econômica, independente da situação jurídica
do trabalhador, livre ou não), é: c (valor dos meios de produção [ferramentas e matéria-prima]) + v (valor do trabalho [salário]) + sp (valor produzido pelo trabalho - valor dos trabalhadores) = valor da mercadoria. Porém, na escravidão, a equação não é a mesma: c (valor dos meios de produção) = v (valor do trabalhador) + s (valor produzido pelo trabalho); isto é, não há mais-valia ou diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o do trabalhador. Geralmente, a escravidão é lida como um sistema de produção no qual, por razões jurídicas, enquanto propriedade, o escravo conta como meio de produção (uma coisa ou ferramenta). No entanto, e se assumirmos que, em certa medida em que ela/ele é um ser humano capaz (por meio do desgaste se sua força vital) de transformar matéria-prima e outros meios de produção em mercadoria (algodão, açúcar, etc.), o escravo é trabalho vivo e, enquanto tal, ela/ele possui capacidade produtiva e, portanto, não é uma coisa: não deveriam contar como meio de produção (c)?

Meu ponto aqui é que, do lado positivo da acumulação de dinheiro (para ser transformado em capital) tornada possível pela escravidão, há um excesso (s = sp + v) que não está registrado na clássica explicação materialista histórica da acumulação capitalista. Esse excesso é o valor do trabalhador (salário), do seu tempo de trabalho que é retido pelo dono. (No entanto, devemos notar que essa transferência não é exaustiva: enquanto o produto do trabalho pode ser apropriado, o trabalho – a própria capacidade produtiva –, não pode. De acordo com a lógica da formulação liberal do trabalho e da propriedade, que constitui o cerne do materialismo histórico, na medida em que é um atributo intrínseco ao ser humano, a capacidade trabalho em si não é alienável. O que o trabalhador vende, por exemplo, segundo a descrição histórico-materialista, não é força de trabalho, mas tempo de trabalho). Além disso, o excesso retido pelo proprietário de escravos corresponde ao deficit econômico atribuído aos descendentes de escravos – o que eu chamo de acumulação negativa –, e que as ferramentas da racialidade transubstanciaram em deficit natural, mas que não é mais do que o efeito da expropriação colonial e posteriormente, a violência jurídica, simbólica e cotidiana.

Ao longo desses cento e cinquenta anos de apresentação da versão clássica do materialismo histórico, a produção capitalista propriamente dita não dizimou a expropriação colonial. De fato, o oposto é verdadeiro. Na maior parte das vezes, os últimos cento e poucos anos testemunharam episódios recorrentes de reencenação da forma colonial de expropriação de terras, mão-de-obra e recursos, garantida por arquiteturas jurídico-econômicas outras às do estado-nação. Certamente, hoje, encontramos a formação jurídica colonial operando no capital global; pensemos, por exemplo, nos vários lugares de intensa e baixa intensidade violência contínua – no Oriente Médio, em todo o continente africano, nos bairros economicamente despossuídos e nas áreas rurais na América Latina e no Caribe, ou nos bairros negros e mestiços dos Estados Unidos. Isso não somente facilita a expropriação de terras, recursos e mão-de-obra, mas também transforma esses espaços em mercados de armas e toda uma gama de serviços e bens fornecidos pela indústria da segurança.

tranversalidade

“Podia sentir a faca na minha mão, ainda escorregadia pelo suor. Uma escrava era uma escrava. Qualquer coisa poderia ser feita a ela. E Rufus era Rufus – errático, alternadamente generoso e vicioso. Eu poderia aceitá-lo como meu antepassado, meu irmão mais novo, meu amigo, mas não como meu dono, e não como meu amante. Ele entendeu isso uma vez.
Virei bruscamente, me afastei dele. Ele me agarrou tentando não me machucar. Eu estava ciente do intento dele não me machucar, mesmo ao levantar a faca, mesmo ao afunda-la em sua lateral.
Ele gritou. Eu nunca havia ouvido alguém gritar dessa maneira – um som de animal. Ele gritou novamente, um lamento desagradável e mais baixo.
Ele perdeu o fôlego por um instante, mas segurou meu braço antes que eu pudesse fugir… Puxei a faca livre dele de alguma maneira, levantei-a e a retornei abaixo de suas costas.
Dessa vez, ele apenas grunhiu. Ele desmoronou ao meu lado, seja como for, ainda estava vivo, ainda segurava meu braço…
Eu estava de volta a casa – na minha casa, no meu próprio tempo. Mas de alguma maneira eu ainda estava presa, unida à parede, como se meu braço estivesse saindo – ou entrando nela. Do cotovelo até as extremidades dos dedos, meu braço esquerdo tornou-se parte da parede. Olhei para o local onde a carne se juntava ao gesso, olhei para aquilo sem entender. Era o ponto exato em que os dedos de Rufus haviam se agarrado.
Puxei meu braço em minha direção, puxei com força. E, de repente, veio uma avalancha de dor, uma insuportável agonia vermelha! E eu gritei e gritei.”

- Octavia E. Butler28

Recentemente descobri que apenas um movimento metafísico, um retorno ao que Kant chamou de Coisa (Das Ding), nos livrará da dívida impagável.
Graças à resiliência do programa kantiano, esta é uma tarefa para a intuição e a imaginação. Ao explorar essa opção, minhas fontes de inspiração tem sido as falhas da física quântica e os escritos da autora afro-americana de ficção científica Octavia Butler. Ambas inspiram uma imaginação da existência além do mundo atual da separabilidade, determinação e sequencialidade, e convidam a um tipo de pensamento que também responde ao virtual (nível quântico), onde esses pilares não operam. Ao violar a lei da separabilidade, somos capazes de deslocar os impedimentos conceituais mais resilientes – a saber, as formas jurídicas de propriedade e de contrato privado –, para a análise da relação entre o capital e o colonial, assim como para o entendimento de como o racial funciona no capital.
Como, por exemplo, entender a dívida impagável de Dana no Kindred de Butler sem reconhecer que o que quer que aconteça em sua vida do final do século XX não é apenas sequencialmente, mas também imediatamente o efeito do que acontece na Maryland do pré-guerra civil? Nem o karma nem a redenção podem explicar a natureza da dívida de Dana. Nada do que aconteceu a ela ou do que ela faz acontecer – proteger outros escravos, ensinar-lhes a ler e sua recusa à submissão –, é apresentado a ela como sendo uma oportunidade para pagar dívidas antigas. Ela não estava salvando a si mesma ao pagar seus pecados. Nem estava seguindo um destino que foi projetado por suas ações (em vidas) anteriores ou equívocos. Sempre que esteve de volta à escravocrata Maryland, Dana esteve sempre sob amaça – sua vida e membros estavam em perigo. Ela viveu sob a ameaça de ser pega como sendo uma escrava-fingindo-não-ser-assim ou uma não-escrava, visto como um possível perigo para o proprietário de escravos, ou, ainda pior, interpelada como fugitiva ou rebelde. Além de seus antepassados donos de escravos e escravos, Dana não tinha negócios no Maryland do século XIX. O que é que ela devia?

De fato, por que ela pôde ser continuamente convocada a salvar a vida do senhor de escravos Rufus? Por que ela teve que dar um membro como pagamento final? Não houve contrato. Ela nunca fez uma promessa verbal ou escrita. Ela simplesmente estava viva, mudando para a sua casa própria, sua casa (o direito de viver lá quando quisesse), o que lhe custou um braço. Em uma entrevista posterior, Butler nos dá, seus leitores, algumas maneiras de dar sentido a isso: “A ideia era realmente fazer com que as pessoas sintam o livro. Esse é o ponto em fazer uma pessoa negra moderna explorar a escravidão, não apenas como uma questão de um-a-um, mas voltando e fazendo parte de todo o sistema”29. Ler o livro não oferece a uma pessoa negra moderna o suficiente para decidir se Butler cumpre seu objetivo, isto é, transmitir o que é experimentar “todo o sistema” da escravidão. Contudo, porque elas carregam sua dívida impagável, as pessoas negras de hoje – como aquelas que viveram e morreram na Maryland pré-guerra civil – entendem o custo (pagar com um membro para) da liberdade.

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Texto primeiramente publicado como: Denise Ferreira da Silva, “Unpayable Debt: Reading Scenes of Value against the Arrow of Time,” in The documenta 14 Reader, ed. Quinn Latimer and Adam Szymczyk (Munich: Prestel 2017).

 

oficina imaginação política

lugar de agência e afetos entre modos de fazer, aprender e cuidar intervenção nos sistemas de (re-)produção e invenção de mundos implicação ética nas contradições e paradoxos das coletividades Oip é uma iniciativa implicada em práticas discursivas e performativas envolvidas com imaginação radical e justiça social. Suas principais atividades consistem em grupos de estudo, leituras públicas, debates e oficinas, práticas de escrita e tradução coletiva, impressos e publicações on-line, buscando distribuir e desenvolver ferramentas. Oip foi iniciada em 2016 como uma proposta de Amilcar Packer para “Incerteza Viva - 32a Bienal de Arte de São Paulo” e é composta por Valentina Desideri, Jota Mombaça, Michelle Mattiuzzi, Rita Natálio, Thiago de Paula e Diego Ribeiro. Em 2017, a Oficina desloca suas atividades para a Casa do Povo integrando o projeto “futuros possíveis” realizado com apoio do PROAC Editais.

 

  • 1. O conceito de dívida impagável foi introduzido em Paula Chakravartty e Denise Ferreira da Silva, “Accumulation, Dispossession, and Debt: The Racial Logic of Global Capitalism – An Introduction,”, American Quarterly 63, no. 3 (setembro de 2012). Este texto foi inicialmente escrito para uma apresentação no evento “O tecido do Capitalismo”, realizado no dia 4 de novembro de 2016, na série “Apatride Society and the Political Others: Integrated World Capitalism and the Ithageneia Condition Coordenada por Max Jorge Hinderer Cruz, Nelli Kambouri, e Margarita Tsomou, e parte do programa público da Documenta 14, em Atenas. Esta tradução está baseada na versão ampliada do texto que foi publicada em Quinn Latimer and Adam Szymczyk (Eds). The Documenta 14 Reader. Munique and New York: Prestel Publishing. Gostaria de agradecer Quinn Latimer pelos comentários e sugestões na versão em inglês e a Amílcar Packer por traduzir o texto para o português e a sua publicação no âmbito da Oficina de Imaginação Política.
  • 2. Octavia E. Butler – Kindred (Boston: Beacon Press, 2004), p.12. Em português, Octavia E. Butler - Kindred: Laços de sangue. Editora Morro Branco (São Paulo, 2017).
  • 3. .Para uma melhor explicação desses pilares, vale referir-se a Denise Ferreira da Silva “Sobre Diferença sem Separabilidade”, 32a Bienal de São Paulo: Incerteza Viva, ed. Jochen Volz e Júlia Rebouças, catálgogo da mostra, Fundação Bienal de São Paulo (São Paulo, 2016) pp. 57-65.
  • 4. Para uma contextualizaçãoo do uso de transversalidade ver Denise Ferreira da Silva “Toward a Black Feminist Poethics: The Quest(ion) of Blackness Toward the End of the World,” The Black Scholar 44, no. 2 (Summer 2014), pp. 92–94.
  • 5. Para um exercício que se move para além da crítica e apresenta uma alternativa, ver Stefano Harney and Fred Moten,The Undercommons: Fugitive Planning and Black Study (Wivenhoe, UK: Minor Compositions, 2013).
  • 6. A imagem dialética aparece em inúmeros textos de Walter Benjamin como por exemplo no Passagens, (Ed. UFMG, 2006). A autora se refere à versão inglesa, The Arcades Project (Cambridge: Cambridge University Press, 2002), p. 463.
  • 7. Para um conjunto de análises da “crise do subprime”, que aborda suas dimensões raciais e globais, ver Paula Chakravartty e denise Ferreira da Silva, eds., Race, Empire and the Crisis of the Subprime (Baltimore: John Hopkins University Press, 2013).
  • 8. Para uma similar, porém, diferentemente enquadrada crítica racial e tendencial da acumulação, ver Anthony Farley, “Colorline as Accumulation,” Buffalo Law Review 56, no. 4 (December 2008), p. 953.
  • 9. Karl Marx, Capital, vol. 1, The Process of Production of Capital, ed. Friedrich Engels, trans. Samuel Moore and Edward Aveling (London: Lawrence and Wishart, 1996), p. 749. Karl Marx. O Capital: Crítica da Economia Política, Livro I, O processo de Produção do Capital Trad. Rubens Enderle, (Boitempo Editorial), p.998.
  • 10. Aníbal Quijano, “Coloniality of Power, Eurocentrism, and Latin America,” Nepantla: Views from South 1, no. 3 (2000), pp. 533–80. Disponível em espanhol < http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sur- sur/20100624103322/12_Quijano.pdf >.
  • 11. Ibid., p. 539.  “Na medida em que as relações sociais que estavam sendo configuradas eram relações de dominação”, argumenta Quijano, “essas identidades foram consideradas constitutivas das hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes e, consequentemente, do modelo de dominação colonial que estava sendo imposto. Em outras palavras, a raça e a identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica.” Ibid., p. 534.
  • 12. Sylvia Wynter, “Unsettling the Coloniality of Being/Power/Truth/Freedom – Towards the Human, After Man, Its Overrepresentation – An Argument,” CR: The New Centennial Review 3, no. 3 (Fall 2003), pp. 257–337.
  • 13. Ibid., p. 264.
  • 14. Ibid., p. 266
  • 15. Butler, Kindred, p. 62
  • 16. Butler, Kindred, p.62.
  • 17. G. W. F. Hegel, Phenomenology of Spirit, trans. A. V. Miller (Oxford: Oxford University Press, 1977), pp. 113–14, traduzido por Denise Ferreira da Silva. Em português: G. W. F. Hegel, Fenomenologia do Espírito (Parte I), (Ed. Vozes: Petrópolis, Rio de Janeiro; 1992), pp. 128–129.
  • 18. Para a apresentação deste movimento e uma descrição das condições de emergência e os efeitos da implantação da universalidade científica, ver Denise Ferreira da Silva, Toward a Global Idea of Race (Minneapolis: University of Minnesota Press, 2007).
  • 19. Ver Denise Ferreira da Silva, “NoBodies: Law, Raciality, and Violence,” Griffith Law Review 18, no. 2 (August 2009), pp. 212–36.
  • 20. O argumento de Sylvia Wynter foi discutido acima. Para uma crítica da universalidade de Butler, ver Judith Butler, “Restaging the Universal,” in Butler, Ernesto Laclau, and Slavoj Žižek, Contingency, Hegemony, Universality (London: Verso, 2000), p. 27.
  • 21. Butler, Kindred, pp. 138–39.
  • 22. Rosa Luxemburg, The Accumulation of Capital (London: Routledge, 2003). Em português: Rosa Luxemburg, A Acumulação do Capital (Ed. Nova Cultura; 1985).
  • 23. Ibid., p. 345. (London: Routledge, 2003)
  • 24. Ibid., p. 349. (London: Routledge, 2003)
  • 25. 24. Marx, Capital, p. 753.
  • 26. 25. Ibid., p. 339.
  • 27. Butler, Kindred, pp. 52–53.
  • 28. 28. Butler, Kindred, p.260 n 61.
  • 29. A Conversation with Octavia Butler”, em Writers & Books website oficial, acesso 12 de outubro de 2012. Online: https://wab.org/if-all-of- rochester-readthesamebook2003-2 (site descontinuado).
Translation:  Amilcar Packer

por Denise Ferreira da Silva
Mukanda | 4 Outubro 2018 | crise, culpa, descolonial, dívida, economia, escravatura, modernidade, poder, valor