Breves considerações acerca da performance de géneros musicais, literários e coreográficos cabo-verdianos
O Batuque
Executado grosso modo por mulheres, o batuque encontra a sua prática espalhada por muitas comunidades da diáspora cabo-verdiana.
A literatura etnográfica, e musicológica, que reflecte sobre o batuque associa a sua origem à ilha de Santiago, em Cabo Verde.
A identidade associada ao batuque, executado por mulheres no âmbito da comunidade migrante de cabo-verdianos na Amadora, é também esta.
Os efeitos da expansão marítima e o complexo político que daí adveio têm se apresentado, ao longo dos anos, de extrema importância para o entendimento da música, dos instrumentistas, compositores, arranjadores e cantores cabo-verdianos. Quer no seu habitat natural como no seio da comunidade imigrada em Portugal.
Muitas das actuações musicais, assim como as conversas e entrevistas com músicos, cantores e diferentes pessoas ligadas à cultura cabo-verdiana cá (bairros como o da Cova da Moura na Amadora, ou o do Alto de Sta Catarina em Oeiras) têm-me permitido, ao longo destes largos meses, não só travar conhecimento deste género intrínseco às suas culturas (dos quais só tinha conhecimento, até à data, de um modo menos activo através da minha cunhada cabo- verdiana da ilha de St Antão), como, em alguns dos casos, travar uma ou outra amizade.
Tanto as mulheres integrantes dos grupos de batuque, como outras pessoas e agentes no seio deste género musical e cultural têm sido determinantes para a percepção do todo e dos elementos em que assenta esta prática ancestral.
Instituições como a Associação Cultural e Desportiva da Pedreira dos Húngaros, Associação Social do Bairro 6 de Maio e a Associação Cultural Moinho da Juventude manifestaram por cá um crescente apoio a estes desempenhos culturais e ao incentivo e cruzamento desse entendimento entre os imigrantes de Cabo Verde e os residentes na cidade de Lisboa. O mesmo para quem tentou, ao longo dos anos, procurar mais informação e entendimento acerca do género referido.
O conceito de identidade, tem uma operacionalidade escassa, quase nula, e o seu uso implica o permanente confronto com a inevitabilidade da sua indefinição, mas é irrefutável de que quando o estudamos ou abordamos no campo da actividade humana ou cultural (e a música ou expressão musical nessa cultura) ele se torna dado adquirido.
No que respeita à música, uma vez que a prática da música no espaço migrante se remete, muitas das vezes, para a necessidade de “transmissão e manutenção” da identidade, ele assume uma quantidade enorme de discursos que o justificam. Ou com que os cabo-verdianos na diáspora estabelecem entre si, com a sua história e com a música que usam para se fazer representar.
Hoje, a música feita por cabo verdianos tem uma dimensão transnacional e a sua definição não se compadece do recurso a aspectos como o uso de uma língua, a determinação de características estilísticas e instrumentais ou a associação a contextos humanos e geográficos de performance.
A música na qual grande parte dos cabo-verdianos estão envolvidos a um nível transnacional inclui muitos géneros sonoros/musicais e engloba uma grande diversidade estilística, do jazz ao samba ou ao rap, por exemplo. No caso da prática performativa do batuque – especialmente em Cabo Verde - esta veio a aninhar uma série de inovações estilísticas, como, a título exemplificativo, a utilização de arranjos instrumentais acústicos e electrónicos, que na última década do século XX eram incomuns.
Os músicos cabo-verdianos integram-se frequentemente em projectos performativos de músicas de outros polos geográficos do mundo, bem como reúnem no seu repertório, elementos musicais importados de outros contextos urbanos e sociais.
A música cabo-verdiana, pode assim definir-se por uma abertura e componente plástica ligada ao relacionamento performativo com outras músicas, recolhendo, excluindo ou articulando aspectos musicais, espelhando de alguma forma a condição diaspórica da pátria ou nação à qual está associada.
Originalmente publicado em: Mural Sonoro.