A continuação da África através das mobilidades de Sotigui Kouyaté e Maud Robart

O muro de separação serve supostamente para resolver o excesso de presença.

Achile Mbembe

Através deste ensaio pretendemos abrir possibilidades de reflexões em torno das mobilidades de artistas africanos e afrodescendentes em contextos artísticos da Europa e das Américas. Nestas mobilidades serão considerados os pressionamentos sociopolíticos que dispararam seus movimentos intercontinentais, considerando também o efeito de movência dessa agência impactando os sistemas culturais que carregavam a partir de suas ligações de nascença com fontes de tradição que os conformavam como herdeiros de matrizes culturais sólidas, antes mesmo de suas definições como artistas, dentro da visão comum de leitura do Ocidente. Para conseguir dar uma delimitação para a  amplitude de casos que poderiam ser explorados para esta reflexão, definimos o breve estudo em torno de dois artistas em particular: Sotigui Kouyaté (Mali/Burkina Faso) e Maud Robart (Haiti). Cada um deles com trajetórias muito distintas no campo das artes cênicas e com influências cruciais nos contextos artísticos em que atuaram.

A pergunta que norteará estas reflexões será: os atributos culturais de artistas africanos/afrodescendentes em diáspora são sua moeda de troca exótica (no sentido de simples novidades) em ambientes artísticos estrangeiros ávidos de interculturalismo ou são de fato elementos colaborativos que trazem transformações epistemológicas em modos de produções artísticas nas artes da cena?

 

A mobilidade de artistas afro-diaspóricos não deve ser entendida somente como resultado de necessidades econômicas dos seus países de origem, mas como desejos de movimento intrínsecos à natureza do africano, cuja prática do deslocamento, do nomadismo, das trocas econômicas e culturais está na base de uma subjetividade comportamental coletiva.

(…) Compreende-se que as abordagens em geral, até o momento, enfatizem muito mais os elementos que descrevem as origens das mobilidades no período contemporâneo e, à semelhança de outras realidades do continente, não explorem a sua caracterização e contextualização histórica, articulada às experiências de mobilidade continentais que sempre constituíram o cenário do interior de África.  (ÉVORA, 2016, p. 66)

Para Sotigui Kouyaté (1936 - 2010), um griot de família secular1, esses impulsos ao movimento estavam baseados na constante busca da compreensão da alteridade, do aprender com o estrangeiro, pois, “nas diferenças encontramos os caminhos da complementação, o que também define o espiríto da civilização africana” (KOUYATÉ, 2004, p. 76 in BERNAT, 2013, p.76).

Sotigui, na sua condição de mestre da palavra - os griots são conhecidos como os grandes depositários da cultura oral da África subsaariana - relata, de forma muito poética, como se deu o impulso de movimento que o levou para fora de África, no início dos anos de 1980, a partir do convite do renomado diretor de teatro e cinema, o inglês Peter Brook (1925), que após assistir a sua atuação no filme Le courage des autres (de Christian Richard, 1982) convidou-o a integrar-se ao CIRT (Centre Internacionale de Recherche Théâtrale), sediado em Paris:

Um certo dia estava tocando violão com meu irmão. Não parava de pensar no convite de Peter Brook. Não sabia se deveria deixar Burkina Faso, onde havia construído toda a minha vida, onde era reconhecido e respeitado como artista e griot, e arriscar viver em um país de cultura tão diferente da minha cultura, numa cidade tão grande como Paris, distante da tranqulidade do meu vilarejo em Ouagadougou. Me sentia dividido e paralisado. Neste instante uma pomba branca pousou no braço do meu violão. Ficou por um instante ali parada, enquanto tocávamos, e partiu. Nesse instante compreendi que eu também deveria partir para a Europa. (relato transcriado a partir de um encontro pessoal com Sotigui em palestra no SESC Consolação, São Paulo, em 2003)

Através desta imagem podemos entender que a mobilidade do artista burquinabê se dá por uma motivação que não é de ordem econômica ou por um contexto político atribulado, mas pela possibilidade de viver uma nova aventura criativa em seu desenvolvimento artístico e como um novo espaço de encontro e exploração da sua missão enquanto griot e representante de uma tradição quase milenar.

 Sotigui Kouyaté, foto de Pascal Victor Sotigui Kouyaté, foto de Pascal Victor

A mobilidade de Sotigui se enquadra na ordem de pensamento contemporâneo nas ciências sociais que defende uma ideia de transidentidade, a partir da diluição dos conceitos clássicos de identidade nacional – e apesar dos reacionários movimentos nacionalistas atuais que ocorrem em diversos países, como Brasil e EUA. Achile Mbembe (1957) provoca esta guinada de percepção, colaborando para ratificar o ponto de vista de Sotigui – que está amparado pela importância da sua função na sociedade africana - ao se referir à necessidade de criação de meios de encontro entre as distintas realidades humanas:

(…) Uma característica da humanidade é o fato de que somos chamados a viver expostos uns aos outros. Para os outros, e não preso a culturas e identidades. (…) Viver expostos uns aos outros pressupõe reconhecer que parte de quem nos tornamos tem sua origem no que o a filósofa Judith Butler chama nossa vulnerabilidade. Deve ser vivido e ouvido como um chamado a tecer solidariedades e não forjar inimigos. Na verdade, o que é chamado de identidade não é essencial. Somos todos transeuntes. (MBEMBE, Le Monde, 2017, grifo nosso)

É nesse ponto, no ato do estar em trânsito, de viver na condição de transeunte, que se pode identificar também a movência física do artista afro-diaspórico como uma forma de mobilidade de subjetividades e constructos culturais de fundamental importância para a elaboração da obra artística de criadores europeus brancos, e que, no núcleo das fases cruciais de suas obras de pesquisa e criação residem aspectos conceituais e estéticos herdados desta natureza móvel das culturas africanas.

Para o diretor polonês Jerzy Grotowski (1933 - 1999) a própria imagem do transeunte é algo que fundamenta seu projeto de busca de conhecimento do ser humano através das artes performativas. “Sejais como passantes”, aconselha aos performers, repetindo uma passagem do Evangelho apócrifo de Tomé.

A colaboração da haitiana Maud Robart, que introduz ao diretor o universo ritual e simbólico do vodu através dos cantos e corporeidades, materializa o aspecto transeunte herdado do pensamento africano e que Mbembe torna um valor de comportamento. Robart, praticante da principal religião haitiana, através da sua produção artística que envolveu a criação de um movimento cultural no Haiti chamado Saint Soleil[fn]Em 1972, Robart e Tiga fundaram a comunidade artística Saint-Soleil na região de Soissons-la-Montagne. A comunidade integrou artistas, agricultores e crianças, num ambiente criativo e pedagógico, que envolvia experiências nas artes plásticas, cantos, danças e demais materialidades do universo religioso tradicional do Haiti. , em colaboração com Jean-Claude Garoute (1935 – 2006), mais conhecido como Tiga, elaborou uma ponte entre as artes plásticas contemporâneas e os elementos tradicionais da religião nos quais também estava imersa. Através dos seus conhecimentos vivos sobre as performatividades do vodu estreitou a colaboração com Grotowski em meados dos anos de 1970, sendo de vital importância para a elaboração das últimas fases de investigação da performance como forma de conhecimento de si que o diretor empreendeu: Teatro das Fontes, Drama Objetivo e Arte como Veículo.

Após esta colaboração, que a levou para diversos países pelo mundo, a artista migrou definitivamente para a França, seguindo um caminho pessoal, mas que também foi construído a partir da parceria com o diretor polonês, que em contrapartida foi de grande importância para organizar a sua abordagem pedagógica em torno dos fundamentos de sua tradição como ferramentas de trabalho do ator/performer, trabalho este que desenvolve ainda hoje.

Se pensarmos no “estado de transeunte” como um ethos da pessoa africana, algo possível de exemplificar a partir dos estudos de Iolanda Évora sobre as mobilidades cabo-verdianas, o conceito de migração vem à tona como uma problemática presente em relação ao percurso artístico de Sotigui e Maud. Segundo Évora a migração pode ser entendida como uma experiência que acontece “no interior de um “espaço de vida” tido entre espaço de origem e espaço de implantação, espaço descontínuo fisicamente, mas unido afetivamente e simbolicamente por ou num tipo de tensão permanente entre aqui e lá” (ÉVORA, 2008, p.12). Na mutabilidade desse aqui e lá entre África e Europa/países não-africanos, será que eles se viam também como imigrantes, aceitando serem inseridos nesta categorização existencial criada pela modernidade, ou simplesmente viam-se como passantes pelos caminhos da vida, abertos por suas expertises e suas intenções de buscar encontros?

Não havendo possibilidade de ter esta resposta diretamente destes “atores sociais” - Sotigui faleceu em 2010 e Maud vive em Paris impossibilitando por hora uma entrevista em que se toque no assunto – nos cabe apenas considerar que certamente os pressionamentos das sociedades estrangeiras em que se inseriram, de natureza político-social, lhes afetaram subjetivamente. Estes pressionamentos se referem às posições do Norte Global em frente às questões raciais, modos de ver e ler “ex-colônias” e suas formas de compreensão da África e do Caribe.

Diante destes pressionamentos, foram suas respectivas tradições - tratadas pelos diretores europeus como expertises artísticas, compreendidas como meios profundos de conhecimento humano para além de identidades fixas e respeitadas como valores imateriais transculturais - que formaram uma defesa e uma resistência ao colapso e/ou fragmentação psíquico(s) causado(s) pelos impactos socioculturais a que o migrante está sujeito. Mal este que vitima o africano/afrodescendente em diáspora submetido a toda sorte de preconceitos e mazelas das sociedades nas quais se inserem ou pretendem se inserir.

Maud RobartMaud RobartSuas tradições em essência são os próprios fatores de coesão da psique destes artistas em diáspora, que não deixaram seus países para tentar a “sorte grande”, como muitos de seus pares, nos grandes centros culturais do eixo Europa – EUA. Sotigui e Maud, artistas negros, foram buscados por artistas-pesquisadores brancos deste eixo, que se moveram em direção a eles por desejos conscientes, por saberem o quanto a cooperação contribuiria em suas investigações criativas, elaboradas como veículos de conhecimento das potencialidades humanas nos contextos das artes cênicas/performativas. Não era esta uma atitude de interesse “turístico-etnográfico” sobre o exótico, o artefato, o selvagem, que na maioria das vezes regeu – e ainda rege – as relações de encontros artísticos estabelecidos pelas diversas linguagens em seus específicos contextos (teatros, museus, galerias, salas de concerto, etc.).

A mobilidade de Sotigui Kouyaté e Maud Robart, além da óbvia contribuição para o sistema cultural no qual se inseriram e se inserem, representam as materialidades de suas ações no mundo para além somente do conceito de trabalho como agência da economia. Isto porque estendem seu poder de transformação sobre o indivíduo estrangeiro através de suas artes justamente pela condição da mobilidade provocativa nas quais se colocaram. Contrariam as leituras ortodoxas das ciências sociais que enxergam as migrações somente como “ruptura, desenraizamento e exílio” (ÉVORA, 2008, p.13) e não também novas formas de criação “de laço ou relação mantida através do espaço e do tempo” (idem).

Suas mobilidades são provocativas porque atingem a noção conservadora de “espaço nacional”. Pode-se dizer que, com suas mobilidades provocativas amparadas em suas artes e tradições, provocam, mesmo nos habitantes do Norte Global, uma necessidade inconsciente de estabelecer uma conversa ritualizada2 com a África. Desta forma, para além de uma mobilidade objetiva realizada no espaço geográfico pelos atores sociais principais, existe a criação de uma mobilidade subjetiva de afetos, produto melhor das práticas transculturais da globalização, vivida por aqueles que são “encontrados” como aprendizes, espectadores e parceiros criativos ao serem deslocados de seus referenciais culturais de nascimento. E deste impacto subjetivo nasce também o desejo de mobilidade real do estrangeiro encontrado em direção ao país-fonte do estrangeiro buscador, e desse movimento resulta o borramento destes lugares de existência primária. Estrangeiros que se buscam e se encontram, realizando assim este pressuposto tão caro às culturas africanas segundo Sotigui.

 Sotigui Kouyaté Sotigui Kouyaté

(…) Para um griot não existe uma única possibilidade de se encontrar uma verdade, uma estética. Durante as intervenções diárias de um griot para resolver problemas, atritos ou embates, a verdade precisa estar em movimento, não pode ser um atributo pré-fixado. É por isso que o ditado mais repetido por Sotigui se refere à questão da posse da razão: “Existe a sua verdade, a minha verdade e a Verdade”. Ao mesmo tempo, o griot é aquele que busca no estrangeiro saber aquilo que desconhece para então estabelecer um contato onde possa haver efetivamente uma troca na qual possa oferecer, em contrapartida, ensinamentos oriundos da sua corrente ancestral. O espaço desta troca reside exatamente nos encontros. Aliás, estes são a base da conduta de um griot na vida e na arte. A sua função mais nobre é – e sempre será – a de estimular, promover e gerenciar encontros. (BERNAT, 2013, p. 75, grifo nosso)

Por esta natureza do encontro como condição existencial que o “mestre griot-ator” revela, podemos compreender a mobilidade como um fundamento cultural, regido por códigos de ética, na vida de outros artistas de origem afro-diaspórica. Ainda que se o primeiro impulso de mudança venha a ser a busca de novas condições econômicas e de projeção nos meios artísticos – ou mesmo de resguarda da própria vida física no caso de artistas refugiados – o princípio da troca cultural e da realização das experiências de alteridade são guias do comportamento social.

Mesmo assim, diante e dentro de realidades antagonizantes da contemporaneidade, o discurso-prática globalizante e o discurso-impulso xenófobo, artistas como Sotigui Kouyaté e Maud Robart abriram trilhas e pavimentaram estradas que outros artistas de origem africana ou afrodescendentes podem seguir. Ainda que nada seja fácil e nada esteja seguro neste processo desejante de ser e crescer como indivíduo singular através das pluralidades afetivas que estão no centro do ato do encontro. Ato potencial somente, cuja única garantia de existência dependerá sempre de outro ato, este sim primordial: o por-se em movimento, em mobilidade para além de suas fronteiras natais. Cujo resultado final, no mínimo, será o deslocamento de pontos-de-vista – ainda que somente de ordem espacial – mas que em si já garante minimamente a possibilidade de alguém saber que existem outros modos de vida distintos do seu. Mas daí a saber conviver com estas distinções é um grande  processo de construção da compreensão da diversidade como um a priori da vida.

A tradição, que afeta as macro-sociedades e a micro-existências onde os seres humanos estão inseridos será sempre dependente das mobilidades dos seus agentes, mas também das receptividades das alteridades.

O filho de Sotigui, Hassane Kouyaté (1964), griot por herança, em ocasião de um workshop para atores e contadores de histórias, realizado em meados de 2011 em São Paulo, disse: “Se a tradição não se movimenta não há encontro.” Logo, os artistas africanos e afrodescendentes, oriundos de contextos culturais específicos, encarnam suas tradições e/ou práticas religiosas, e através de suas mobilidades realizam uma função fundamental para a preservação dos patrimônios imateriais da humanidade.

Maud RobartMaud RobartSe compreendidos por este viés, o que portam e colocam em trânsito através de seus corpos - unidades psicofísicas de amplas cosmogonias e filosofias - são outras formas de extrapolar entendimentos localizados que o Norte Global produziu a partir de uma supremacia da narrativa sobre África e suas descendências como unicamente “lugares do outro que vive de maneira exótica em relação à civilização”, e nunca como “lugares do outro, enquanto humano, existindo e percebendo o mundo de forma distinta à minha civilização”.

Esse outro que através de Sotigui e Robart visitou e visita as artes do ocidente não foi/é apenas físico, mas também foi/é imaterial na sua ancestralidade. Ambos são outros migratórios, e que, conforme sugere Évora sobre a pessoa em mobilidade, devem ser interpretados como presentificações da experiência humana “de desaparição e reaparição de territórios e identidades, de processos de esfacelamento e de reestruturação espacial, de isolamento e de criação de novos laços” (ÉVORA, 2008, p. 15). E que por fim são “[companheiros míticos] de um percurso que envolve deslocamentos, perdas, elaborações e reelaborações para que o fluxo da jornada continue se desdobrando na interação e na convivência com o outro (…). (NETO e FERREIRA, 2005 in ÉVORA, 2008, p.15).

outro que está fora da África e da América Central, quer seja este negro ou branco, de qualquer sexo ou gênero, de qualquer nação. Mas que se dispôs a ser transeunte de si no mundo. Mundo este onde vivemos grandes ondas ameaçadoras, da natureza alterada aos planos políticos. Iminências de extermínio, que como diz Mbembe fazem com que percebamos que “o Outro já não é exterior a nós. Está dentro de nós, sob a dupla figura do outro Eu e do Eu outro, cada um mortalmente exposto ao outro e a si mesmo” (MBEMBE, 2017, p.79).

Mas nessa condição de exposição mortal das alteridades é que os saberes de um mestre griot da savana africana e uma mestra dos cantos afro-haitianos se fazem mais necessários e ganham mais potência de transformação positiva sobre os corpos e percepções daqueles enrijecidos pelo medo dos tempos atuais. É preciso irmos e nos mantermos em direção a estas qualidades de encontros que buscaram, criaram e promoveram.

BIBLIOGRAFIA

BERNAT, Isaac. Encontros com o griot Sotigui Kouyaté. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.

ÉVORA, Iolanda. Continuidades e transformações no estudo das migrações: elementos para a análise crítica das mobilidades africanas contemporâneas. In FEIJÓ, João (org.). 

_____________.Movimentos migratórios e relações rural-urbanas: estudos de caso em Moçambique. Maputo: Alcance Editores. 2016.

_____________.A migração caboverdeana e as ciências sociais. Uma leitura crítica. In LAURENT, Pierre-Joseph (org.) As ciências sociais em Cabo Verde – temáticas, abordagens e perspectivas históricas. Praia: Edições UNI/CV, 2015.

LIENHARD, Martin. O mar e o mato: histórias da escravidão (Congo-Angola, Brasil, Caribe). Salvador: EDUFBA, 1998.

MBEMBE, Achille. L’identité n’est pas essentielle, nous sommes tous des passants. Entrevista ao jornal Le Monde, realizada em 25/01/2017.

_____________.Políticas da inimizade. Trad.: Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.

 

Artigo resultante do trabalho de conclusão da disciplina “Mobilidades, Migrações e Modos de Vida: Leituras Cruzadas África/Brasil”, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – IP USP), ministrada por Profª. Drª Leny Sato e Profª. Drª Iolanda Maria Alves Évora, de agosto a setembro de 2018.

 

  • 1. A tradição dos Kouyaté remonta ao século XI, no Império do Mali, fundado por Sundiata Keita. Os Kouyaté são tidos como servos dos Keita, griots pessoais desta família, e gozavam de grande prestígio social. São contadores de histórias, genealogistas, mestres de cerimônias, mediadores de conflitos, conselheiros, entre outras funções onde a palavra tem um poder central. O prestígio do passado ainda permanece, mas não mais sustenta a vida econômica de seus descendentes, por isso, além de griots, os Kouyatés também exercem muitas outras funções nos tempos atuais para sobreviverem. Por exemplo, no caso de Sotigui, antes de ser ator de renome mundial, já havia sido datilógrafo, enfermeiro, jogador de futebol, boxeador, entre outras ocupações.
  • 2. Conversa ritualizada é uma ideia proposta pelo antropólogo Martin Lienhart, ao observar os cultos do Palo Monte, em Cuba. Através dela podemos identificar nas materialidades das manifestações de outras tradições culturais/religiosas de matriz africana (danças, cantos, ritos, etc.) meios de recriação da relação com a África, enquanto ancestre mítica e berço geográfico. Conforme aponta o autor: “[estas materialidades] cumprem, além de sua função ritual, o papel de memória histórica e cultural (…). (…) Não deixam de se referir a certos aspectos da história dos (…) antepassados. Neste sentido, elas não só exprimem poeticamente a relação dos praticantes com seu cosmos religioso como também oferecem o “testemunho” histórico deixado pelas sucessivas gerações de descendentes (…). (LIENHARD, 1998: 22)

por Luciano Mendes de Jesus
Palcos | 22 Janeiro 2019 | arte, arte africana, Maud Robart, mobilidades, Sotigui Kouyaté