África Negra
O início da lenda do ‘Conjunto África Negra’ é oficialmente atribuído ao ano de 1974, quando a formação original da banda mais amada e conhecida além-fronteiras de São Tomé e Príncipe sentiu que tinha chegado a hora de começar a tocar ao vivo no circuito dos ‘fundões’ da capital São Tomé. Os fundões eram os bailes ao ar livre que juntavam as diferentes comunidades locais: os mestiços, descendentes de colonialistas portugueses e escravos africanos, os Angolares, descendentes de escravos angolanos naufragados que se fixaram em comunidades piscatórias na zonal sul, e os descendentes de trabalhadores contratados Cabo-verdianos e Moçambicanos que tinham vindo trabalhar para as plantações de café e cacau da ilha.
Ao longo da década de 70, o núcleo criativo da banda constituído por Emídio Vaz, guitarra solo, Leonildo Barros, guitarra ritmo, e João Seria, vocalista, motivaram-se a maturar o seu inimitável estilo de São Tomé Rumba, música de uma languidez paradisíaca devedora do vizinho Soukous, com suaves traços redentores de Highlife, acabando por se tornar num contributo fundamental para a construção cultural da identidade da então jovem nação independente. O seu reportório original de cerca de 40 a 50 canções foi gravado na Rádio Nacional de São Tomé no início da década de 80, sendo que depois foram editadas em 3 LPs prensados e editados em Portugal pela Iefe Discos. Nessa altura, os estúdios de gravação e emissão da Rádio São Tomé estavam localizados no extremo este da cidade capital São Tomé, numa pequena casa a olhar o oceano. As salas de gravação eram pequenas demais para acomodar um grupo alargado de músicos, por isso os África Negra montaram o seu material no relvado circundante da casa, olhando as ondas que banhavam a costa, e gravaram os temas rodeados pelos seus fãs mais leais.A década de 80 revelou-se a época de expansão do Conjunto África Negra.
O grupo tocava regularmente por todo o país natal, fazia visitas regulares a Portugal, visitou Angola nove vezes (em tours pelas províncias de Luanda, Benguela e Cabinda) e foram um sucesso retumbante em Cabo Verde. O icónico epíteto de ‘Mama Djumba’ pelo o qual o seu estilo musical é conhecido entre os fãs, teve origem num concerto em 1981 em Portugal, onde se celebrava o 8º aniversário da independência da Guiné-Bissau. Os África Negra dividiam a noite com os igualmente fabulosos Super Mama Djombo da Guiné-Bissau, com as duas bandas alternando sets tendo atingido 4 horas de espectáculo. Perto do final do serão, perguntaram ao público presente qual a banda que queriam que trouxessem de volta ao palco para fechar a noite. O público maioritariamente guineense preteriu os ‘Super Mama Djombo’ e começou a cantar ‘África Negra’. Os filhos preferidos de São Tomé orgulhosamente regressaram ao palco, e para suavizar a tensão com os seus colegas desolados, a banda arrancou o encore com um tributo aos Super Mama Djombo, entoando a espaços a expressão impromptu ‘África Mama Djumba’. Passado alguns minutos o público começou a repetir esse simples canto. Quando o grupo regressou a São Tomé, as notícias do seu triunfo em Portugal já os tinha precedido, e no seu próximo concerto subiram ao palco ao som do mesmo cântico de ‘África Mama Djumba’. Estes anos dourados dos África Negra chegaram a um fim quando a banda terminou uma digressão das ilhas de Cabo Verde em 1990. A tour teve tamanho êxito que desmembrou a banda. Quando foi altura de regressar a São Tomé, o vocalista João Seria e o baixista Pacheco decidiram ficar em Praia, tal era a adoração de que gozavam.
Com uma relativa intermitência na sua actividade ao longo dos últimos 20 anos, os África Negra editaram por meios próprios em 2008 um CD com novas canções originais chamado ‘Cua na Sun Pô Na Buà Fa’ - algo como ‘Mesmo que aches que não vale a pena’ - e mantêm uma regularidade tranquila de actuações em São Tomé, usando o mesmo material antigo que, por qualquer força divina, ainda funciona, como os amplificadores e os processadores de efeitos de guitarra usados originalmente nas gravações dos anos oitenta e que constituem parte do segredo da magia do som e das músicas da banda. Muitas das suas antigas gravações continuam a ser clássicos habitualmente rodados na rádio São Tomense e, no mundo global online, vídeos com a sua música no YouTube prosseguem contabilizando números de visualizações a cada vez que um São Tomense expatriado procura saciar a saudade ou convidar um par para dançar ou um novo miúdo no Brasil descobre a música desta formação abençoada. Estranha-se não terem sido ainda bafejados pela boa fortuna da tendência das reedições, o que custa um pouco a acreditar quando se põe em perspectiva a singularidade da sua identidade musical no contexto da música produzida na África ocidental pós-colonialista, e se constata a ávida procura e especulação à volta dos seus LPs originais no mercado de colecionadores.
Actualmente os África Negra são seis pessoas (voz, duas guitarras, bateria, baixo e percussão), sendo que dois dos membros fazem parte da formação original, o vocalista João Seria e o guitarrista Leonildo Barros, e será este grupo que se apresentará em Portugal, pela primeira vez desde a última visita perdida algures na memória dos anos 80. Para todos os lusófonos de coração este Verão, chegou a hora deste reencontro há muito devido com este património vivo da música e cultura São Tomense.