Um primeiro comboio sobre os carris em Angola, 9 anos depois do fim da guerra

A linha de caminho-de-ferro Luanda-Malange, fora de serviço durante 18 anos por ter sido demasiado danificada pela guerra civil, foi de novo posta a funcionar após vários anos de obras. Um símbolo forte do regresso à paz e um elo de comunicação importante para desencravar uma região particularmente martirizada pelo conflito que opôs o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) no poder, aos rebeldes da União para a Independência Total de Angola (UNITA) durante 27 anos.

No dia 13 de Janeiro pelas 16 horas, uma pequena multidão em festa acolhe o primeiro comboio de passageiros a entrar na estação de Malange, após 18 anos de interrupção. No grande edifício de construção chinesa, cor-de-rosa e amarelo com letras douradas, o Bispo Luís Maria, que aí vive há 50 anos, não esconde a sua emoção. “No tempo das colónias, eu já apanhava este comboio… E depois aconteceu o que aconteceu: houve a guerra. E hoje, acolhemos de novo o comboio com uma grande alegria.” 

…A linha de caminho de ferro que liga a capital angolana à cidade de Malange, a 424 quilómetros no Nordeste do país, construída pelos portugueses nos finais do século XIX e inaugurada em 1909, tinha deixado de funcionar em 1992, uma vez que os violentos combates da guerra civil, que dilacerou o país durante 27 anos (1975-2002) tornaram as linhas intransitáveis.

…Os primeiros passageiros que apressaram para o cais da estação de Viana, a cerca de 20 quilómetros de Luanda, a partir das 4 horas da manhã, instalaram-se confortavelmente nas carruagens climatizadas do comboio “Express”, um directo entre Luanda e Malange, com uma paragem apenas em Ndalatando (Kwanza Norte) e que vai circular doravante duas vezes por semana em cada sentido.

 

Pelo preço único de 2000 kwanzas (cerca de 20 dólares), cada pessoa tem direito a um lugar confortável em carruagem climatizada, a 40 quilos de bagagem, ao diário Jornal de Angola e a um pequeno almoço – um copo de sumo e uma sanduíche presunto-queijo. Há pequenos ecrãs de televisão individuais diante de alguns assentos, mas que não parecem funcionar. Os altifalantes vomitam música no volume máximo, em todo o comboio. Uma mistura de jazz, de rock dos anos oitenta e canções angolanas em Kimbundu, acompanhadas em coro nas carruagens.

…Fora, paisagem desfila: quilómetros de floresta tropical densa de um verde quase fluorescente, na região de Kwanza Norte, outrora produtora de café, em plena estação das chuvas, e aldeias isoladas, constituídas por algumas palhotas de terra; Os habitantes saíram de suas casas e olham, maravilhados, o comboio a passar de novo.

… Na rua principal de Malange, foram restaurados edifícios coloniais, mas velhos imóveis em ruínas carregam ainda os estigmas da guerra. Conta-se que esta cidade, situada a 424 quilómetros a leste de Luanda, foi, em 1999, bombardeada todos os dias pela UNITA e que, por causa das pontes que ruíram e do mau estado da estrada, os camiões do programa alimentar mundial levavam 4 dias a chegar de Luanda para transportar víveres a uma população faminta.

…Antes deste triste episódio, na era colonial, esta cidade empoleirada a 1100 metros de altitude foi a capital de uma próspera região agrícola. “Cultivava-se aqui milho, feijão, arroz, girassol… Mas também algodão, lembra Domingos Jorge Sassana, presidente da Câmara de Comércio agro-industrial de Malange. E o comboio servia para transportar este algodão até Luanda. Uma parte era utilizada nas fábricas têxteis da capital e a outra era directamente destinada à exportação.”

…Poucos chefes de empresas locais resistiram à guerra. José Manuel é um daqueles que se segurou. Abriu o seu comércio de alimentação geral em 1994. Sentado no hall do “Palanca Negra”, um hotel chique mas algo decrépito, do centro de Malange, recorda as dificuldades logísticas que encontrou nos anos 90: “Quando a cidade estava cercada, nós juntávamo-nos e alugávamos pequenos aviões com uma capacidade de 900 quilos cada um para nos abastecermos.” A seguir, este empresário mandou vir as suas mercadorias de camião… a preço de ouro – até 5 mil dólares por contentor – e com enormes problemas de segurança. Hoje, José Manuel tem várias empresas na região, entre as quais uma loja de móveis e campos agrícolas. A partir do fim da guerra, a estrada foi reconstruída e pode-se facilmente chegar a Luanda em 6 horas. Mas ele espera diminuir as suas despesas de transporte para metade com o comboio.

 …Mais que economizar, é a possibilidade de chegar à clientela da capital que se oferece aos camponeses das aldeias situadas ao longo do caminho-de-ferro, até aqui afastaos do mundo e obrigados a sobreviver como podiam com o mercado local. O Malange-Luanda parará uma vez por semana em todas as pequenas estações da linha, permitindo que todos estes agricultores carreguem os seus sacos de fruta e legumes e os levem às bancas dos imensos mercados da periferia de Luanda.

 

 

 

 

 

Translation:  Maria José Cartaxo

por Cécile de Comarmond
Vou lá visitar | 10 Fevereiro 2011 | angola, caminhos de ferro, comboio, Malange