PORTUGAL, EQUADOR, BRASIL, CHILE, PERU, VENEZUELA
De 5 a 7 e de 26 a 27 de Maio
MARIA MATOS TEATRO MUNICIPAL I LISBOA
Pensar em solidariedade com os indígenas na América do Sul, enquanto conhecemos as suas culturas ou lutas políticas, é o grande desafio que propomos neste programa. Éticas ou estéticas indígenas, a terra como ser sensível e expressão de potencialidades múltiplas de interação, a Amazónia e a Patagónia, como espaços de resistência e confronto, mas também de proposição de formas de viver em conjunto que diferem do modo que ali tem sido imposto pelo projeto colonial, serão parte deste diálogo. Ao pensarmos com os indígenas, veremos que a ideia antiga de que culturas, línguas ou sociedades minoritárias indígenas estão ou estiveram em vias de extinção é, afinal, expressão de ameaça, uma vez que, ao tocarmos num povo indígena, tocamos um projeto de mundo - sobre o qual iremos debater - no qual nós, europeus, também estamos implicados.
O programa conta com formatos diversificados de diálogos: mesas redondas, conversas com antropólogos americanistas e lideranças indígenas, oficinas e reflexões sobre como os olhares indígenas interpelam a nossa forma de estar no mundo.
Programação Liliana Coutinho
Consultadoria Susana Viegas
DIA 5 DE MAIO, SEXTA-FEIRA
CONFERÊNCIA
OS INVOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA — SOBRE O CONCEITO E A CONDIÇÃO DE “INDÍGENA” NO MUNDO ATUAL, COM ESPECIAL ATENÇÃO PARA O CASO BRASILEIRO
EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO (BRASIL)
PALCO DA SALA PRINCIPAL
ÀS 18H30
Esta conferência versará sobre a natureza ‘colonial’ da constituição da forma-Estado, em particular do Estado-nação moderno — natureza que se torna muito evidente no caso das antigas possessões coloniais europeias, tornadas Estados-nação soberanos por este mundo fora —, e da contradição irresolúvel desta forma com a condição indígena, ou a ’forma-povo‘. Examinaremos de seguida os projetos-em-ato de criação de formas de constituição de coletivos não-estatais (o caso dos Chiapas, no México, e do Curdistão) baseadas em princípios de confederalismo democrático, municipalismo libertário, ocupações comunais e de outros modos de conjuração do estado de espírito que subjaz ao Estado como forma propriamente ’espiritual‘de captura transcendente dos povos.
Moderação de Susana Matos Viegas (Portugal)
FILMES COMENTADOS
O ESPÍRITO DA TV + BICICLETAS DE NHANDERÚ
RODRIGO LACERDA (PORTUGAL), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
PALCO DA SALA PRINCIPAL
ÀS 21H30
O cinema indígena faz parte do movimento transnacional de luta indígena que eclode nos anos 50, mas que se intensifica, em particular no Brasil, a partir dos anos 80. O cinema, o vídeo e os média em geral, são utilizados pelos índios enquanto ferramentas de revitalização e reflexão sobre as suas culturas e território, sendo também meios de autorrepresentação e autodeterminação.
Nesta sessão teremos o visionamento de dois filmes: Espírito da TV é uma reflexão sobre a imagem e Bicicletas de Nhanderú trata das diversas apropriações da imagem - e da atividade de filmar - pelas diferentes comunidades indígenas. O que fazer com esta tenologia mágica?
Os filmes selecionados para a mostra foram produzidos no âmbito daONG Vídeo nas Aldeias, um projeto precursor no Brasil que, desde os anos oitenta, desenvolve um trabalho colaborativo com povos indígenas na área do audiovisual, tendo, a partir de 1997, organizando oficinas de formação de cineastas em aldeias indígenas.
No início da sessão Rodrigo Lacerda irá falar-nos da forma como os olhares cinematográficos dos índios espelham conhecimentos do mundo através das faculdades sensíveis da visão. Após o visionamento dos filmes abrimos o debate ao público.
Espírito da TV (1990, 17’) Começando com a chegada de canoa da televisão e VCR à sua aldeia, o Espírito da TV documenta as emoções e o pensamento dos Waiãpi, quando pela primeira vez viram a sua própria imagem e a dos outros na televisão, numa gravação da primeira viagem do seu chefe a Brasília para falar com o governo, a difusão de notícias e vídeos sobre outros povos nativos do Brasil.
Realizadores: Vincent Carelli e Dominique Gallois
Bicicletas de Nhanderú (2011, 45’) é um filme sobre a espiritualidade Mbya-Guarani e sobre a exiguidade das terras indígenas no sul do Brasil, o cerco da soja e do homem branco. A aldeia filmada situa-se a poucos quilómetros das ruínas das antigas missões jesuítas de São Miguel Arcanjo, no Rio Grande do Sul.
Realizadores indígenas: Ariel Duarte Ortega e Patrícia Ferreira (Keretxu)
DIA 6 DE MAIO, SÁBADO
MESA REDONDA
DA RELAÇÃO COM A TERRA
ALEJANDRO REIG (VENEZUELA), ELISA LOCON ANTILEO (chile) e LUISA ELVIRA BELAUNDE (peru)
PALCO DA SALA PRINCIPAL
ÀS 15H30
Entre as sociedades ameríndias, a terra é sujeito de múltiplas vivências. Iremos aqui focar principalmente duas dimensões dessas vivências: as ligadas à configuração do espaço/território/ambiente e as que associam a vivência da terra à língua que viabiliza a comunicação entre as múltiplas entidades que a formam. Assim, veremos que entre os Yanomami ‘fazer paisagem’, ‘fazer sítio’ e ‘fazer gente’ são dinâmicas interligadas que implicam uma coincidência entre o modelo cultural do ambiente e a convivência próxima, afetiva e quotidiana entre pessoas. Se esse é o questionamento que os Yanomami nos deixam e será trazido a debate por Alejandro Reig, já entre muitos dos povos ameríndios que vivem nas margens do rio Ucayali, no Peru, o rio ganha proeminência na reflexão sobre a terra. Como nos mostrará Luisa Elvira Belaunde, se na história colonial violenta, o rio transportou os toros de madeira e a borracha, ele foi também o espaço de criação dos seres humanos.
Diferentemente da vivência-terra criadora de gente, a vivência-língua criadora de terra será aqui discutida por Elisa Antileo a propósito dos Mapuche, do Chile. Sustentando-se numa cosmogonia geocêntrica em que a terra é vista como mãe e aqueles que a habitam como seus irmãos, o papel da língua Mapuche – a ’língua da terra‘ - como comunicante da diversidade de elementos será aqui sublinhado. Se a fala com os ventos, os rios e as montanhas ocorre por meio de uma língua, perder a língua significa não só perder a comunicação entre os seres humanos, mas também perder as mensagens do canto dos pássaros, do amanhecer, do mar, do vento, das estrelas.
Moderação de Susana Matos Viegas (Portugal)
CONFERÊNCIA E FILME
DO SONHO E DA TERRA (título em confirmação)
AILTON KRENAK (BRASIL)
PALCO DA SALA PRINCIPAL
ÀS 18H30 E ÀS 21H30
DIA 7 DE MAIO, DOMINGO
WORKSHOP
ÉTICA DO VIVER
LUISA ELVIRA BELAUNDE (PERU)
SALA DE ENSAIOS
DAS 10H ÀS 17H
Que outras formas existem de criar um coletivo e o que podemos aprender através do contacto com as culturas ameríndias?
Nesta oficina Luisa Elvira Belaunde apresenta-nos formas de conhecer e de sentir em algumas sociedades das terras baixas da Amazónia peruana sustentadas em dois tipos de relações. Primeiro, na relação de subjetividade com plantas e bebidas extraídas dessas plantas. Em segundo lugar com práticas criativas associadas à arte da cerâmica que enfatizam as relações entre escuta, pensamento e ação e estão na base da formação da autonomia pessoal.
Cada sessão incorpora uma exposição de Luisa Elvira Belaunde, seguida do visionamento de excertos de documentários e imagens e de um debate com os participantes.
DIA 26 DE MAIO, SEXTA
CONFERÊNCIA
A HUMANIDADE E A ANIMALIDADE NO UNIVERSO INDÍGENA AMAZÓNICO
APARECIDA VILAÇA (BRASIL)
PALCO DA SALA PRINCIPAL
ÀS 18H30
Como pensar um mundo em que a humanidade não é uma condição, mas uma posição? Em que o parentesco não está relacionado à reprodução, mas é produzido por atos quotidianos de cuidado e alimentação? Em que os animais se vêem a si próprios como humanos e tomam as pessoas por presas? Nesta conferência vamos entrar no mundo amazónico, particularmente no dos Wari’, povo que vive na fronteira entre o Brasil e a Bolívia, com o objetivo de questionar as nossas atuais noções de humanidade, animalidade e parentesco.
DIA 27 DE MAIO, SÁBADO
CONFERÊNCIA
RESISTÊNCIA POLÍTICA AMERÍNDIA
FELIPE MILANEZ (BRASIL), JOSÉ BENGOA (CHILE) e RAÚL LLASAG FERNANDEZ (EQUADOR)
PALCO DA SALA PRINCIPAL
ÀS 17H
A história do colonialismo na América Central e do Sul mostra que os processos políticos e religiosos que foram aí instalados provocaram o desaparecimento de milhões de pessoas, seja por doença, seja por violências várias. A mobilização em defesa de um sistema que, legalmente e na prática, seja capaz de assegurar o direito dos povos indígenas continua a ser necessário.
Décadas depois da implementação da Carta dos Direitos Humanos e de um extenso debate na área dos estudos pós-coloniais de consciencialização acerca do que foi essa época da história, continua a ser necessário estar e ser vigilante para que a descolonização dos gestos e do pensamento e, acima de tudo, da nossa relação com outras formas de fazer e de estar no mundo, tenha lugar. Exemplos concretos de movimentos políticos indígenas em prol do reconhecimento dos seus direitos, assim como o trabalho que ao nível constitucional se tem feito em prol dos direitos indígenas, irão estar presentes neste debate.
Poderão os movimentos políticos que se organizam em torno destas comunidades permitir-nos um olhar renovado sobre as políticas e práticas sociais, económicas e ambientais que têm dominado as culturas europeias? Existindo em territórios geográficos cuja definição é alheia a processos de organização do estado territorial moderno, que desafios colocam a este tipo de organização? Considerando que uma das questões transversais às culturas indígenas é a relação viva com a Mãe-Terra – e a mãe não se divide, não se vende, não se explora, não se destrói – que interrogações trazem a uma economia e a uma gestão do território baseada na exploração dos recursos naturais?
Moderação de Liliana Coutinho (Portugal)