Europa-África. E vice-versa?
Excerto do texto “Europa-África. E vice-versa?” de António Pinto Ribeiro, publicado no Público a 08.12.2007 (durante a Cimeira Europa Africa)
”(…) Se considerarmos o que é hoje a actualidade africana na sua enorme diversidade, verificamos que não só oferece casos de estudo fascinantes, como recorda o africanista Alex Thomson, mas obriga, por imperioso dever de cidadania mundial, a rever a percepção deste continente. Apesar da corrupção em muitos dos países (com a cumplicidade do Ocidente), apesar da sida, apesar de 40 por cento da população viver com 1 dólar por dia, apesar do avanço do islamismo para o Sul, comparem-se os 30 anos de média destas independências com outros países independentes há dois séculos… Em 30 anos alteraram-se regimes e criaram-se democracias. Há hoje líderes africanos de relevância mundial fundamental, como Mandela, Mbeki, Mubarak e Abdoulaye Wade, que criaram como prova de outro desejo de desenvolvimento o New Partnership for African Developmente, cujos objectivos são a eliminação da pobreza, o combate à marginalização de África e acelerar o poder das mulheres. Há cidades que se desenvolvem a um ritmo impressionante; há Pedro Pires em Cabo Verde, há Ellen Johnson Sirleaf primeira mulher Presidente na Libéria. E há uma pulsão criativa e uma energia cultural únicas, que um calendário breve, de Novembro e Dezembro deste ano, confirma: quase 20 festivais de arte.
E podemos acrescentar nomes de artistas incontornáveis. Da África do Sul, um importante grupo de artistas plásticos, como William Kentridge, Robin Rhode e Kendell Geers, a produzirem do melhor que há depois do fim do apartheid, da literatura e do ensaísmo africano ou o teatro do mesmo país de que se pode destacar a Handspring Puppet Company, das melhores companhias de teatro do mundo, o poeta Breyten Breytenbach; do Uganda, o movimento dos DVJ das discotecas, produtores e difusores do que mais inovador há na simbiose da música com o vídeo e a poesia actuais; da Nigéria, a jovem literatura com nomes como Chimamanda Ngozi Adichie, que ganhou o Orange Broadband Prize for Fiction (2007); do Sudão, Leila Abouulela, a autora de Minaret; de Angola, a nova música de dança que circula pela Europa, como Mc Kapa, Ikonoklasta e Nástio Mosquito; de Moçambique, fotógrafos como Ricardo Rangel, a quem o MoMa de Nova Iorque já dedicou uma retrospectiva, a cantora Lura de Cabo Verde, os fotógrafos Samuel Fosso (Camarões), Malick Sidibé (Mali), Nontsikelelo Veleko (África do Sul), os artistas plásticos Paulo Capela (Angola), Body Isek Kingelez e Chéri Samba (RDCongo), o novo movimento de videastas do Egipto, o teatro tunisino, os designers do Mali e do Senegal, etc.
O que a Europa pode fazer
A ausência de escolas de formação, de um mercado, de circuitos, de produtores, de coleccionadores e de difusores é um problema com que se têm de confrontar diariamente estes criadores. É a este nível que a Europa deve estabelecer a sua cooperação: porque ela é fundamental para os africanos e porque no domínio da cultura ela também é essencial para o Ocidente. Estes criadores, pela sua energia criativa e ideia de futuro, fruto da sua procura de identidades, são uma mais valia para a arte.
(…) A este propósito, o trabalho do Ministério da Educação da África do Sul, que com apoio de organizações europeias oficializou 11 línguas nacionais, é exemplar; que se estimule um trabalho de pesquisa arqueológica nos países onde os vestígios das guerras o permitem, ele é fulcral para o conhecimento da história de África e para
conhecimento das migrações internas e externas.
E Portugal no meio disto tudo?
Portugal que tem o privilégio de contar entre os seus parceiros directos países como Cabo Verde e Moçambique, considerados exemplares nas estratégias de desenvolvimento e particularmente produtivos nas áreas culturais.
Não deixa de ser estranho que apesar disto e da relativa facilidade de comunicação entre portugueses, cabo-verdeanos e moçambicanos, de ser neste momento a equipa que está à frente do MNE particularmente conhecedora dos problemas de África e sensível aos organismos de cooperação cultural que dela dependem, Portugal não tem qualquer política cultural.
E quando se insiste na lusofonia como reportório de valores lusos comuns a toda a comunidade de ex-colonizados e quando se tem uma política de divulgação cultural nestes países baseada na ideia da divulgação dos valores e dos artistas e escritores portugueses, estamos face a uma estratégia anacrónica.
Se a lógica com que foram criados este instrumentos era a de difusão das culturas nacionalistas, hoje isso é anacrónico e contrário a qualquer lógica de cooperação baseada no reconhecimento da cultura do outro.
Os bons exemplos
No terreno a situação é constrangedora: aos conselheiros culturais portugueses nos países africanos falta formação e actualização, estão numa situação de abandono, sem estratégia, sem orçamento (10 mil euros anuais é o que os centros culturais portugueses têm para actividades).
Quando se sabe que em África os centros culturais dos países europeus são, por vezes, os únicos equipamentos de produção e difusão cultural, esta estratégia nacionalista é um erro e um impedimento à própria solidariedade e cooperação europeia em moldes pós-coloniais.
Nos antípodas, temos outros centros culturais - os escandinavos em particular - e os modelos exemplares do centro Cultural Franco-Moçambicano ou Francês, em Antananarive. Em qualquer um destes centros é possível um dia ver BD de vários
autores africanos, outro dia dança de coreógrafos europeus e/ou africanos, cinema documental americano ou africano, música de vanguarda belga ou um concerto de marimbas. A cooperação cultural só é possível se houver entendimento e reconhecimento do outro e disposição deste outro para cooperar também segundo os seus interesses.”