Balanço do Festival de Teatro da Língua Portuguesa
A 3.ª edição do Festival de Teatro da Língua Portuguesa, palco no Rio de Janeiro, Brasil, de 14 a 25 de Julho, acolheu pela primeira vez representações oriundas dos oito países de língua portuguesa. Em conversa on-line, Tânia Pires, directora do FESTLIP, transmitiu ao cenaberta a convicção de que os objectivos do festival foram “bem atingidos”, transformando-o num “grande movimento do teatro lusófono”.
Cumprido o festival, analisando criticamente os resultados, foram cumpridos os objectivos?
Os objectivos foram bem atingidos. Esse ano o Festival se desenhou de forma mais sólida e já mostrando que as três edições o transformaram em um grande movimento do teatro lusófono. Os desdobramentos futuros são diversos. O balanço do FESTLIP 2010 deixa grandes marcas: a grande adesão do público, a rede de relacionamentos entre os artistas, um material humano riquíssimo que foi muito bem aproveitado e base de documentos e registros que poderão cada vez mais mapear o cenário do nosso teatro.
Na edição deste ano do FESTLIP houve uma presença marcante, maioritária mesmo, de companhias portuguesas. Essa é uma aposta para continuar?
Não existe uma regra na curadoria. Tentamos sempre equilibrar as participações quando isso é possível. Trazer Timor-Leste foi um grande esforço. O grupo participante foi formado em decorrência da oficina teatral itinerante que eu ministrei no ano passado em todos os países da CPLP. Sem isso, não seria possível. Cada ano o próprio cenário de desenha. Com a homenagem a actriz portuguesa Maria do Céu Guerra, que muito nos orgulhou, acabamos dando um foco maior aos grupos portugueses em 2010. Isso sem contar no grande volume de óptimos materiais dos grupos portugueses que recebemos. É o maior número de inscrições. Sendo assim, é natural uma quantidade um pouco maior.
Que significado retirar da distinção atribuída pelo FESTLIP a Maria do Céu Guerra e a Miguel Seabra? A homenagem a Maria do Céu Guerra foi pensada, estudada e de forma muito consciente, escolhida. Com total certeza ela é uma imagem muito forte do teatro da nossa língua. A oficina que ela ministrou no FESTLIP foi minuciosamente cuidada e teve enorme receptividade dos participantes. Ela foi magnífica. Com o Miguel, a distinção veio de forma muito espontânea. O voto popular se identificou e reconheceu no seu espectáculo, na sua direcção e linguagem nossa própria imagem. Podemos chamar de imagem universal. Aquela que o próprio Miguel cria com seu talento distinto e muito seguro. Com certeza o Festival 2010 foi muito favorável á Portugal. O que ainda é mais confortável é a grande adesão dos demais países participantes a esse resultado. O Festival é uma quebra constante de paradigmas.
Atingido o pleno dos oito países de língua portuguesa presentes no Festlip, vencido este desafio, qual é a próxima meta? Como chamo o FESTLIP de “movimento”, os desafios são intermináveis. Temos muito trabalho pela frente. Como idealizadora, minha missão cresce a cada ano. Quem define as novas metas são os próprios artistas participantes. Não estou sozinha nessa realização. Tenho artistas de oito países ao meu lado realizando sonhos e desafios. A casa é nossa! Dos palcos o Festlip se começa a insinuar por outras áreas, a transbordar para outros frentes: exposições fotográficas, workshops, culinária. A ideia é incorporar nas próximas edições do FESTLIP mais ingredientes do caldeirão cultural lusófono? O teatro é uma fonte interminável de inspiração. Todas as actividades culturais paralelas derivam da criatividade cénica. Até mesmo a culinária. Claro que os ingredientes ficarão mais fortes a cada ano. O caldeirão vai ferver! Que papel e que importância é dada ao Festival no estreitamento de relações teatrais e culturais no seio da lusofonia e na defesa da língua, património comum? A nossa língua é a nossa riqueza. Nosso ponto de partida e de encontro. É encantador assistir Timor ser reconhecido e conhecido através das artes cénicas pelos demais países irmãos de língua. Ela é nosso elo e a nossa inspiração. Todo ano, cada vez mais, nos damos conta da força que a língua portuguesa tem. É um orgulho podermos nos unir através dela e dessa forma torná-la cada vez mais forte. Não tenho dúvidas que o teatro seja o caminho das artes mais que adequado. Ele é livre, directo no contacto humano e o resultado é imediato. Os apoios por parte das entidades oficiais dos diversos países para a concretização do Festival têm sido substantivos? O Portugal institucional deu uma resposta a altura do papel de relevo que a representação teatral portuguesa teve nesta 3.ª edição do FESTLIP? Foi o primeiro ano que institucionalmente Portugal apoiou o FESTLIP. A consequência de facilitar a participação dos grupos portugueses é imediata. O FESTLIP cresce a cada ano e se não tivermos esses parceiros, ele não se sustentará. Hoje já temos uma forte consciência do Ministério da Cultura brasileiro e das Secretarias de Cultura da grande importância da manutenção e do desenvolvimento do Festival, que representa nossas raízes culturais, a preservação da nossa língua e o forte intercâmbio cultural entre os países da CPLP. Acredito muito no reconhecimento de todos os países da grande vitrina que o FESTLIP é da nossa cultura e também do plano de formação que esse projecto representa para os profissionais das artes. Ele é importante para todos. Como é possível concretizar um festival com entradas gratuitas para o público? Além de actriz, sou formada também em política e gestão cultural. Tenho como princípio popularizar a cultura. É a nossa história que estamos contando através do teatro. Todos devem ter o acesso a esse movimento. A captação para o Festival ainda é árdua para se concretizar a cada ano. Administramos da melhor forma possível a verba arrecadada. Se existe fomento institucional e governamental, não há dúvidas que o dinheiro investido é da população. Já está pago por cada pessoa da plateia. Essa possibilidade vem do esforço de lutar mais por um ideal do que por um projecto financeiro. Todos que tiveram a oportunidade de participar do Festival poderão relatar esse sentimento melhor do que eu.
A Talu Produções, estrutura nodal na organização do FESTLIP e de que és co-fundadora, nasce quanto? A Talu Produções foi fundada no final de 2003. O primeiro projecto produzido por ela foi o espectáculo “O Pequeno Eyolf”, de Henrik Ibsen. A peça ficou em cartaz dois anos e viajou por todo Brasil. Eu além de produzir actuava, pois foi a liberdade de escolher textos e companheiros para actuar que me levou a fundar a produtora. Anteriormente minha experiência de actriz foi em companhias teatrais no período de quase 15 anos. Aproveitei o máximo dessa experiência de grupo para finalmente poder produzir de forma independente meus espectáculos. Quando e como se revela a tua vocação lusófona? Em 2006 fui convidada com meu espectáculo para o “Ibsen Festival” em Oslo, Noruega. Aí sim tive o grande prazer de conhecer a Manuela Soeiro, fundadora do grupo Mutumbela Gogo de Moçambique. Depois desse encontro na Noruega ela me convidou no final do segundo semestre de 2006 para participar de um seminário em Moçambique no período de comemoração de aniversário do Mutumbela, a pedido da Embaixada da Noruega. Esse contacto com o teatro moçambicano foi determinante? Eu já tinha contacto com o teatro português, mas só em 2006 pude descobrir o teatro moçambicano. Fiquei muito aguçada para estudar e conhecer o universo teatral da nossa língua. Ter ido para a Oslo interpretar um texto norueguês em português, já havia despertado em mim um forte orgulho do teatro lusófono. Em Moçambique o círculo se fechou e, a partir de 2006, comecei a focar minha experiência teatral de 20 anos na possibilidade de comungar tantas descobertas com meus irmãos actores dos oito países da CPLP. E é a partir daí que, em 2007, nasce o FESTLIP? O FESTLIP nasceu de surpresa. Não foi um filho programado, mas com certeza um filho amado! A Talu Produções tem um foco directo no movimento do Festival. Já é uma missão! Mas agora mesmo já estamos trabalhando na produção de um novo espectáculo teatral. A produtora possui diversos projectos. No final todos se complementam, afinal estamos trabalhando pelo teatro da língua portuguesa.
FESTLIP EM SÍNTESE
O Festival de Teatro de Língua Portuguesa animou este ano durante 12 dias variados espaços do Rio de Janeiro, de 14 a 25 de Julho, com mostras teatrais do pleno dos países de língua portuguesa, num total de 15 grupos e 40 representações, e um público recorde de 23 mil espectadores. Ponto alto do Festival foi a homenagem à actriz Maria do Céu Guerra, directora de “A Barraca”, distinguida com o prémio FESTLIP 2010, e a distinção conferida através de voto popular ao Teatro Meridional, dirigido por Miguel Seabra: Prémio Revelação pela peça Contos em Viagem-Cabo Verde. Entre todos os participantes no FESTLIP, maioritária foi a representação portuguesa, com a presença das companhias “A Barraca” (Agosto-Contos da Emigração), “Teatro Meridional” (Contos em Viagem-Cabo Verde), “Trigo Limpo” (Chovem Amores na Rua do Matador) e “Binólogos” (Filhas da Mãe-Fantasias Eróticas das Mulheres Portuguesas). O Brasil participou com três companhias: “Os Fofos Encenam” (Ferro em Brasa), “Barracão Cultural” (A Mulher que Ri) e “Cia de Teatro Novo Ato” (Drummond 4 Tempos). Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste participaram respectivamente com as companhias “GTO–Grupo de Teatro do Oprimido” (Maria: Ritual da Parideiras), “Centro Cultural de Mindelo” (Androginia), “Grupo Fôlô Blagui” (O Pagador de Promessas), “Grupo Arte Lorosae” (Saramau). Angola fez-se representar pela “Companhia de Teatro Dadaísmo” (Olímias) e “Miragens Teatro” (4 e 30) e, por fim, de Moçambique vieram “Companhia de Teatro Gungu” (A Demissão de Sô Ministro) e “Kudumba” (Só Cheira Borracha). Além da Mostra Teatral o FESTLIP integrou espectáculos musicais, debates, exposição fotográfica e gastronomia: “O Sabor da Língua Portuguesa”.
Gostaria de acrescentar que o FESTLIP é um Festival aberto para crescer paralelamente com todas as iniciativas que convergirem para o mesmo ideal, ética e respeito em favor da unificação, formação e da preservação da diversidade do teatro da língua portuguesa.
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