Cena Lusófona: paradoxos e irracionalidades

A Cena Lusófona tem em curso um projecto de promoção da leitura em parceria com a Escola Secundária D. Dinis, em Coimbra. A acção inclui visitas guiadas ao seu Centro de Documentação e Informação (CDI), a disponibilização de parte do seu acervo na biblioteca da escola e leituras de peças de teatro por alunos e actores profissionais.
No passado dia 17 de Novembro tiveram lugar as duas primeiras visitas ao CDI, com quase uma centena de alunos. Durante a visita e em declarações aos jornais, vários deles destacaram a riqueza do Centro (aberto ao público, com atendimento especializado) e a sua importância para o conhecimento da realidade social e cultural dos países de língua portuguesa.
Este projecto acontece numa altura em que está a decorrer, por iniciativa da Câmara Municipal de Coimbra, o concurso para a requalificação da Ala Central do Colégio das Artes, no Pátio da Inquisição, onde se prevê a instalação da Cena Lusófona e do seu CDI a partir de 2013. Sediada em Coimbra desde 1996, a associação passará assim a dispor de melhores condições para desenvolver o seu trabalho, contribuindo para a consolidação de um importante polo cultural no centro da cidade, junto ao Teatro da Cerca de São Bernardo e ao Centro de Artes Visuais.
O CDI é apenas uma das áreas de intervenção da Cena Lusófona. Dedicada ao intercâmbio teatral entre os países de língua portuguesa, a associação trabalha nas áreas da criação artística (promovendo ou apoiando co-produções internacionais), da formação (com destaque para os três estágios internacionais de actores realizados), dos festivais (a “Estação” é o primeiro festival rotativo na CPLP, com edições realizadas em Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Brasil e Portugal) e das edições (uma colecção de dramaturgia, uma revista, um jornal, documentários), entre outras.
No final de 2010, a Cena Lusófona deixou de ter financiamento do governo português. Apesar dos esforços para encontrar soluções alternativas – candidaturas a projectos internacionais; o pedido à autarquia para que comparticipe o custo com as actuais instalações até à conclusão das obras; apoios pontuais como o da Fundação Calouste Gulbenkian ao projecto com a Escola D. Dinis –, este recuo do governo português pode destruir o trabalho feito ao longo de 15 anos. Reconhecendo este risco, mais de cem criadores, produtores, investigadores e representantes de estruturas de criação de todos os países lusófonos dirigiram em Maio um apelo ao governo português. Afirmando-se como “testemunhas directas da importância da acção levada a cabo pela Cena Lusófona” e sentindo-se “directamente lesados com esta situação”, alertaram para as consequências de um eventual desaparecimento da Associação: “significaria o desbaratar do investimento feito e do capital de confiança gerado desde 1995, bem como o desaproveitamento da vasta rede de contactos e de cumplicidades artísticas e institucionais que o projecto permitiu desenvolver ao longo dos anos e que tem sido base sólida de importantes realizações e de múltiplas iniciativas de colaboração entre os oitos países de língua portuguesa”. Vários meses depois da sua tomada de posse, o novo governo continua sem dar resposta a este apelo e a situação de asfixia financeira da associação degrada-se rapidamente.
O paradoxo é evidente. Ao fim de 15 anos, o trabalho realizado é reconhecido local e internacionalmente, foram reunidos meios para construir novas instalações, há projectos e candidaturas em curso. E tudo isto pode acabar, em resultado de uma decisão cega de quem não quis sequer dar-se ao trabalho de conhecer o que está feito.
Em altura de crise, parece-nos, mais necessário é aproveitar os recursos de que se dispõe. Partindo do princípio de que Portugal quer continuar a fomentar as relações culturais com os países lusófonos, desperdiçar a experiência adquirida e o investimento público realizado nesta área é, no mínimo, uma enorme irracionalidade.

 

Tirado de Cena Lusófona

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