GHOST | As pós-vidas do contrato e da escravatura: narrativas sobre trabalho forçado entre Cabo Verde e São Tomé e Príncipe

De forma a documentar a história cultural das práticas de trabalho forçado que, durante o colonialismo português, vigoraram em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, nasce o projeto GHOST. As pós-vidas do contrato e da escravatura: narrativas sobre trabalho forçado entre Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Esta investigação, sediada no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES) e que vai estar em curso até 2027, propõe-se produzir um conhecimento novo e aprofundado sobre o trabalho forçado nestes dois arquipélagos, que ainda hoje impacta as dinâmicas de vida das sociedades cabo-verdiana e santomense. GHOST visa contribuir para a discussão sobre o reconhecimento de passados coloniais negligenciados e dos seus legados, ao traçar caminho para uma abordagem mais crítica e democrática do trabalho forçado. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO Entre 1903 e 1970, cerca de 80 mil cabo-verdianos foram enviados para trabalhar nas plantações de café e de cacau de São Tomé e Príncipe. Em resultado deste afluxo maciço de trabalhadores cabo-verdianos, geralmente designado por contrato (termo velado para servidão e/ou trabalho forçado), houve um impacto profundo em ambas as sociedades, com reflexos na sua cultura e nas suas estruturas sociais. Nesta investigação, o entendimento desta história vai ser feito a partir do estudo das narrativas do contrato, como poesia, prosa, pintura, cinema, música, imprensa e histórias de vida. Ao examinar como e por que razão as narrativas sobre o trabalho forçado evoluíram ao longo do tempo nos dois arquipélagos africanos, este projeto de investigação pretende colmatar uma lacuna nos estudos globais sobre as plantações, que tendem a centrar-se no continente americano. O projeto oferece, para tal, um novo quadro concetual para pensar as plantações coloniais, o trabalho forçado e os processos de memorialização: a fantasmagoria. A fantasmagoria contempla os modos pelos quais um passado colonial mal resolvido — e, neste caso, a violência do trabalho nas plantações — se fazem conhecer no presente. Isto diz respeito, por exemplo, ao regresso dos contratados como espíritos, por possessão ritual ou outros mecanismos, mas também engloba os processos ativos de desumanização, silenciamento e marginalização através dos quais sujeitos (pós)coloniais concretos são transformados em espectros. OBJETIVOS DE INVESTIGAÇÃO Situado nos campos interdisciplinares dos Estudos Pós-coloniais, dos Estudos de Cultura e dos Estudos da Memória, o projeto procura responder a três questões centrais: 1) quais foram as manifestações culturais do trabalho colonial nas plantações produzidas em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe a partir do século XX? 2) como são retratados nestas narrativas o trabalho forçado e o contrato? 3) poderá a fantasmagoria servir como método de descolonização deste passado colonial partilhado? Em resposta a estas questões de investigação, o projeto propõe-se: (a) Fazer uma história cultural comparativa do trabalho forçado, através do levantamento e da análise de narrativas cabo-verdianas e santomenses, e determinar como estas experiências são simultaneamente objeto e sujeito de memórias divergentes; (b) Examinar a memorialização do trabalho forçado em dois arquipélagos africanos, contribuindo para a internacionalização de um aspeto marginalmente representado da história global; (c) Demonstrar como as fantasmagorias (pós)coloniais podem acentuar o poder político e social da memória no reconhecimento de passados coloniais negligenciados e dos seus legados duradouros. IMPACTOS ESPERADOS DO PROJETO Além da divulgação dos avanços e resultados da investigação através de conteúdos científicos — nomeadamente publicações e comunicações académicas — GHOST pretende, igualmente, fazer chegar o conhecimento a outras esferas da sociedade, através, por exemplo, da produção de um podcast, da organização de um ciclo de cinema, e de ações formativas (como oficinas, sessões escolares e cursos de formação avançada). Será ainda elaborado um documento de orientação (policy brief), destinado maioritariamente a decisores políticos e às organizações internacionais portuguesas com trabalho de cooperação com estes países africanos, especialmente nos domínios da cultura e da educação. O objetivo é maximizar a inclusão da história do trabalho forçado como uma dimensão central nas práticas de memória relativas ao passado colonial e reforçar as capacidades das comunidades locais e dos diferentes intervenientes (inter) nacionais envolvidos no que diz respeito ao conhecimento dos legados coloniais nas sociedades pós-coloniais. EQUIPA Inês Nascimento Rodrigues (Investigadora Principal) Miguel Cardina (CES) Crisanto Barros (Uni-CV) Olavo Amado (CACAU) GESTÃO DO PROJETO Jessica Santos (CES) INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra PARCEIROS ASSOCIADOS Universidade de Cabo Verde CACAU — Casa das Artes, Criação, Ambiente e Utopia, São Tomé e Príncipe.

21.06.2024 | by martalanca | cabo verde, São Tomé e Príncipe, trabalho forçado