Só China de Yonamine, inaugura 22 Março, às 22h, Galeria Cristina Guerra, LISBOA
No trabalho de Yonamine (Luanda, 1975) a interação de meios de produção, expressos pela forma como constrói as suas obras, reequaciona a hierarquia de referentes culturais e tipologias sociológicas numa prática cumulativa que se expande ao ritmo das experiências do seu quotidiano enquanto homem mundano, ser cosmopolita que reconhece em si mesmo a pulsão de comunhão e pertença ao mundo em qualquer latitude onde se encontre.
Desde Luanda - a sua cidade natal - a Muyehlekete, em Moçambique, a Cali, na Colômbia (2010), onde esteve em residência artística e iniciou a série Tattoo You, até à sua mais recente passagem pelo Oriente a caminho da Austrália, Yonamine apropria-se de imagens, gestos e ações que reconhece como sinais de mestiçagem ou de ambivalência entre o fascínio do colono pelo colonizado e as suas manifestações culturais, ancestrais e contemporâneas, encapsuladas num universo global marcado pela transição colonial.
Esta conjunção de referentes traduz uma atividade artística prolífica e diversificada, como podemos observar nas obras desta exposição. São disso exemplo os desenhos executados a tinta da china sobre papel de jornal editado na China (estes jornais foram uma das suas primeiras impressões visuais ao chegar ao Oriente), e que serviram de matéria base para o artista cruzar desenhos de tatuagens e escarificações corporais (estas últimas são tradição dos povos aborígenes australianos, sendo a sua prática hoje proibida).
Outra obra, CAN (da série Tattoo You, que percorre influências como os Rolling Stones, Jimi Hendrix ou Hélio Oiticica), uma instalação vídeo em que o autor apresenta uma orquestra de percussão cuja composição é marcada pelo ritmo das agulhas a tatuarem latas, indicia um interesse pela incisão sobre um corpo1, seja este um tronco de árvore escarificada da Oceânia, ou folhas de coca tatuadas. Há aqui uma estreita relação ao corpo, como lugar de significação ética, moral e económica, no sentido em que o corpo é o agente da manufatura e simultaneamente o lugar do risco, do mercado, e a matéria dócil e sensorial de qualquer celebração iniciática.
A exposição “SÓ CHINA” é mais uma etapa do seu trabalho de campo, como experiência disseminada por contextos diversos, que aglutina os seus métodos de produção e reflexão, deixando em aberto procedimentos e decisões que são testados no espaço expositivo, no sentido em que este é, a limite, um outro momento de experimentação e confronto.
João Silvério
Rua Santo António à Estrela, 33 . 1350-291 Lisboa I Portugal
Horários da galeria: Terça a Sexta > 11h00 às 20h00. Sábado > 15h00 às 20h00. Encerrado ao Domingo e Segunda
- 1. Como, por exemplo, na obra da artista Catherine Opie, que num autorretrato de 1999 exibe nas costas alguns desenhos infantis feitos com uma lâmina e no braço direito uma tatuagem serpenteante.