Cultura: importa o local de fala?
Fotos de Otávio Raposo
A percepção da condição de “escravo” pressuposta pelo desenvolvimento industrial, demanda uma formação do sujeito que vá além da simples educação. Porém, na nossa época, ainda estamos esperando tal formação, principalmente, para os que vivem na precariedade. Ainda assistimos a imposição de Leis, como a Lei 10.639/2003, por exemplo, que torna obrigatório o ensino da cultura africana no Brasil e presenciamos diferentes incentivos das políticas de ações afirmativas para os diversos segmentos sociais sem dar nenhum preparo aos professores. É somente quando não se tornar obrigatório este tipo de ação (Leis) que podemos vislumbrar uma sociedade com igualdade de direito.
Mas, sem o debate que discuta este tipo de imposição, a escola não passa de um espaço para o aprimoramento dos dispositivos que prolongam o martírio dos sujeitos em favor do processo civilizador que é protagonizado por uma elite “racial”, apesar de ser minoria no país. Sem entrar nos pormenores da discussão de que só existe a raça humana, mas ao ser discriminado, é a cor da minha pele que motiva tal discriminação. Portanto, todos somos, sim, da Raça humana, mas socialmente subdivididos entre “raça” Branca e “raça” Negra sob a qual recai a discriminação. Isso sem falar dos indígenas que também, nesta discriminação, ganharam status de “raça” a ser rechaçada.
Entendemos que o processo de formação subjetiva a partir das manifestações culturais oriundas dos afro-brasileiros deve considerar a dor pela qual os seus atores passaram na constituição deste legado histórico para que não se caia em leituras que as transformem em mais um elemento de massificação. A noção da dor destes povos serviria como algo que nos fizesse lembrar, se é que podemos dizer assim, a realidade outrora vivida. Alertamos, também, para o fato de que, à medida que os afro-brasileiros concebem a sua cultura como ideal e se guetificam, marginalizam-se diante das demandas sociais mais amplas.
Portanto, adjetivar a cultura pode contribuir para a diminuição do alcance de sua intervenção como elemento de crítica frente aos pressupostos sociais da forma como estruturam a sociedade. Cada segmento cultural adjetivado passa a defender com afinco os seus pressupostos, enquanto forças exteriores os dominam no seu conjunto, independentemente do adjetivo de cultura que está em jogo. Essas forças passam a ser o terceiro “inimigo” contra o qual se deve lutar. O segundo são as pessoas dos outros segmentos, pois muitos grupos sociais têm no seu horizonte a busca da hegemonia.
E, finalmente, os primeiros são os companheiros do próprio segmento cultural pois, como se sabe, a convivência em qualquer grupo social nem sempre é pacífica. Mas, poucas vezes os conflitos são produtivos e justificáveis do ponto de vista do bem coletivo.
No mais, a cultura é dinâmica e esperamos o dia em que não seja mais necessário adjetivá-la. Pois é isso que justifica a segregação de qualquer ordem quando não compreendemos o diferente.
outros trabalhos do autor:
MWEWA, Muleka. Adorno, hall e canclini : a formação na constelação das mediações culturais. 204 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação, Florianópolis, 2010.
MWEWA, Muleka. Indústria cultural e educação do corpo no jogo de capoeira : estudos sobre a presença da capoeira na sociedade administrada. Tese (Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação, Florianópolis, 2005. 121 f.