Não nos encostem à parede

Não nos encostem à parede O que aconteceu a 19 de Dezembro, na rua do Benformoso não é um caso isolado, mas não é por isso que não deixa de ser inadmissível. As centenas de pessoas que se mobilizaram para protestar contra o sucedido, sabem que a repressão aos imigrantes e aos trabalhadores mais desfavorecidos implica a criação de uma sociedade menos livre e mais injusta. Por isso centenas de pessoas e dezenas de organizações apelam para que no próximo sábado, dia 11 de janeiro, milhares de pessoas se manifestem em Lisboa. As suas palavras são claras.

08.01.2025 | por várias

A Morte do Meu Pai

A Morte do Meu Pai Lembrei-me dos momentos que passei com o meu pai, de cada segundo que fui seu filho. Considerei-os insuficientes. Culpei-me por não ter feito tudo que estava ao meu alcance, culpei-o por não ter feito o seu papel de pai, um turbilhão de pensamentos atormentadores. Algumas das minhas habilidades estavam adormecidas como um cadáver na gaveta de uma morgue. Não conseguia ouvir quase nada, além de mim mesmo. E quando senti que finalmente apanhei sono, escutei o azan da mesquita da Malhangalene. Allahu Akbar (Deus é grande), gritava, através de um funil para despertar os crentes para a primeira oração do dia.

05.01.2025 | por Jessemusse Cacinda

zona de desinteresse

zona de desinteresse Poderíamos dizer que a zona de interesse hoje em dia tem de abranger uns bons milhares de quilómetros, para nos isolar das atrocidades que se cometem por esse mundo fora. E nem assim. Porque ao mesmo tempo vai-se restringindo a distância a que as coisas acontecem. Tudo nos chega aos olhos e aos ouvidos. E quase no instante em que acontecem, o que mais aumenta o nosso sentimento de desamparo e de impotência diante das monstruosidades que de certo modo presenciamos e que nos questionam instantemente.

29.12.2024 | por José Lima

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 12)

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 12) Reparação é uma cena muita fish! Até a União Europeia fez uma lei de direito à reparação… não, não para os países independentizados, credo!, isso é esperar demais!, mas para os consumidores europeus. Falar de reparação e restituições, fazer filmes sobre algo parecido, aliás qualquer filme feito por brancos sobre pretos, ou feito por pretos sobre pretos ou com palavra colonial pelo meio, é um afrodisíaco de culpa branca, que deixa os descolonizadores bem excitados, naquele masoquismo intelectual e vaivéns masturbatórios de mal-me-quero, bem-me-quero, não-me-quero, já-me-quero, vim-me em premiações, vim-me em museus, vi-me em festivais, vi-me em bienais e vêm-me-comer-à-mão. (FMI, Zé Mário).

28.12.2024 | por Marinho de Pina

Em África é difícil viver sem Deus

Em África é difícil viver sem Deus Ao criar esta frase, Pepetela certamente se inspirou nas manifestações espontâneas das pessoas africanas a que a todo momento se voltam para Deus, mesmo quando estão em protesto e se afirmam ateus. Essa frase lembra-me o meu velho e as pessoas do meu bairro que acompanham com sofrimento, o movimento dos seus filhos para fora da igreja. Tenho a certeza que por estes dias de natal o centro das suas vidas gira em torno do que vai acontecer na missa ou nos cultos de natal das suas paróquias e assembleias. Em África é difícil viver sem Deus.

17.12.2024 | por Zezé Nguellekka,

Descolonizar a descolonização - parte 1

Descolonizar a descolonização - parte 1 Em Portugal, por um lado, os esquerdistas podem usar a descolonização como aquela palmadinha nas costas em jeito de pedido de desculpas, num autoflagelo orgiástico de culpa branca, reiterando sempre como os brancos são horríveis e uns privilegiados do caraças, que só sabem fazer mal ao resto do mundo. Aparentemente esse absurdo e autocentrado mea culpa torna o mundo mais justo e, abracadabramente, esfuma todas as questões da opressão. Por outro lado, até os direitistas podem usá-la para alimentar mais o seu ódio infundado e os seus laivos de grandeza baseados num passado romantizado de conquistas e dominações como mostras de superioridade intelectual e racial.

09.12.2024 | por Marinho de Pina

Dêem-lhes armas que matam-se entre si

Dêem-lhes armas que matam-se entre si  É quase madrugada e Raquelina não chega, a preocupação no coração de sua mãe é ainda maior. Nas primeiras horas do dia, a senhora fez-se à rua e, no seu muro, uma imagem do filho Paito colada à de Raquelina com uma cruz desenhada na testa de ambos. Gritou e os vizinhos saíram para assistir. Todos os traumas voltaram. Pobre mãe, decidiu arrumar suas coisas e regressar a casa que lhe viu nascer, onde durante anos fugiu da guerra civil.

29.11.2024 | por Edna Matavel

Terão os direitos humanos um continente ou nacionalidade?

Terão os direitos humanos um continente ou nacionalidade? Seria o continente africano, e particularmente Moçambique, relegado a uma “periferia” da preocupação dos direitos humanos? Será que, inconscientemente, ainda carregamos o peso de um olhar colonial, em que África e as pessoas africanas são vistas como eternamente em crise, como se os problemas no continente fossem normais e, portanto, indignos de atenção urgente? O filósofo Frantz Fanon abordou a desumanização estrutural que condiciona as perceções dos povos africanos, e aqui vejo um eco dessa verdade: o sofrimento em Moçambique, no Congo, Sudão, Somália, entre outros países africanos, não parece evocar a mesma empatia global que crises em outros locais do mundo.

13.11.2024 | por Paula Machava

Por ti, Portugal, eu juro!

 Por ti, Portugal, eu juro! Este livro foca‐se num universo muito específico deste contexto: os comandos africanos da Guiné que integraram as três companhias criadas por António de Spínola em 1971, homens a quem o então governador da Guiné prometeu a futura liderança do território quando a guerrilha do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) dali saísse derrotada — presciência que, como hoje se sabe, nunca aconteceu.

08.11.2024 | por Sofia da Palma Rodrigues

boa de panela e cabeça - a propósito da leitura que fiz de Lacuna, de Luz Ribeiro

boa de panela e cabeça - a propósito da leitura que fiz de Lacuna, de Luz Ribeiro Trata-se de um texto em fragmentos de que muito gosto - e reivindico aqui a possibilidade de gostar de um texto, gostar de algo, gostar de alguém, não o gosto do “bom gosto" ou do “mau gosto”, mas o gosto de me relacionar afectivamente com algo que admiro, com que sinto cumplicidade, que me interpela, me encanta, me estimula a reimaginar mundos e possibilidades do sensível, algo que abre o entendimento do mundo à sua complexidade. E que o faz de modo generoso e justo.

06.11.2024 | por Ana Bigotte Vieira

Um mapa para configurar mundos

Um mapa para configurar mundos comunidade e coragem por toda ilha por toda terra palavra é pássaro palavra é instrumento político política é retomar a terra

31.10.2024 | por Ellen Lima Wassu e Marta Lança

Entre o desespero, a raiva e a esperança: diário do último ano, por Noura Erakat

Entre o desespero, a raiva e a esperança: diário do último ano, por Noura Erakat    Durante o último ano, em todo o mundo, tiveram lugar as maiores mobilizações das últimas décadas em solidariedade com a luta do povo palestiniano. No contexto português não foi diferente, com a presença popular massiva nas ruas e praças de várias cidades, com a partilha e discussão em vigílias diárias ou semanais e em assembleias populares onde se traçaram estratégias e objetivos, não apenas para que as exigências de um cessar-fogo se materializassem imediatamente, mas como prática descolonizadora que tem a libertação da Palestina e de todos os territórios colonizados como horizonte.

22.10.2024 | por Bruno Costa

Centenário: 1ª Marxa Cabral em Portugal! declaração panafricanista de Lisboa - Cabral sempre!

Centenário: 1ª Marxa Cabral em Portugal! declaração panafricanista  de Lisboa - Cabral sempre! Por Cláudia Simões, Bruno Candé, Daniel Rodrigues, Danijoy Pontes, Giovani Rodrigues, Mumia Abu Jamal e todas as pessoas que ainda hoje enfrentam a brutalidade dos poderes capitalista, fascista, xenófobo, patriarcal, racista, afrofóbico e neocolonial. Pelo direito de existir, resistir, circular e habitar. Pelo trabalho digno, sobretudo das mulheres que trabalham no setor das limpezas.

20.09.2024 | por vários

Revisitações dos tempos da provação e da disseminação africana e diaspórica da pátria do meio do mar (ou pelejas das premonições e das saudades futuras)

Revisitações dos tempos da provação e da disseminação africana e diaspórica da pátria do meio do mar (ou pelejas das premonições e das saudades futuras)           Todos nós éramos todos nós fomos espelhos quebrados alquebrados reflexos falantes das deambulações dos nossos parentes embarcados dos nossos familiares emigrados no vasto mundo dos seus eventuais encontros com o filho mais velho do professor Juvenal Cabral e da costureira Iva Évora desde há muito banido das menções expressas na roda das pessoas comprometidas com o bem da nação valente e imortal por isso tão somente sussurrado na sua omnipresente ausência e cumplicemente apelidado como Aquele Homem ou melhor dito e falado como o Homem Grande

12.09.2024 | por José Luís Hopffer Almada

duas Cartas de Amílcar Cabral a Ana Maria

duas Cartas de Amílcar Cabral a Ana Maria A Conferência foi muito boa, vamos ver a prática. Foi também um grande triunfo para o nosso Partido, para o nosso povo e a luta. No final, falei em nome de todos os ML, e toda a gente gostou imenso do meu discurso. Depois te contarei. Tive contacto com vários chefes de Estado, inclusive com o Imperador. Vou seguir amanhã muito cedo via Roma, e irei certamente a Stockholm por um ou dois dias, a fim de arrumar o problema da ajuda. Conto estar em casa dentro de uma semana, passando por Dakar. Escreve-me, se puderes.

11.09.2024 | por Amílcar Cabral

Violência racista regressa a Guimarães

Violência racista regressa a Guimarães Não podemos permitir que instrumentalizem a cidade de Guimarães e a tornem o centro do ódio para legitimar e normalizar ideologias racistas. Assim, as pessoas de Guimarães, assim como as associações e os coletivos de Guimarães e do país inteiro, estão unidas na realização da Marcha Guimarães pela Liberdade, para assinalar e celebrar a República e assegurar que, quer Guimarães, quer o resto do país não são racistas e não compactuam com a instigação ao ódio e à segregação social.

26.08.2024 | por vários

Imaginar a libertação: três textos de Walid Daqqah

Imaginar a libertação: três textos de Walid Daqqah Apresento a tradução de três cartas/ensaios de Walid Daqqah – que, como todos os seus textos, tiveram de ser libertados da prisão antes de chegarem ao público. Quero, com isso, partilhar um pequeno fragmento da obra do revolucionário palestiniano em português, estando ciente de que o ato de tradução implica transformação. Contudo, como o entendo, essa não é apenas uma transformação do texto, mas também de quem o lê e tem de se libertar das amarras coloniais para o compreender. Se Daqqah imagina e põe em prática a libertação da Palestina nós não podemos apenas ler o texto, mas somos obrigados a imaginar com ele e convidados a agir com ele.

03.08.2024 | por Bruno Costa

O mundo de Amílcar Cabral - introdução

O mundo de Amílcar Cabral - introdução Durante os anos 90, o nosso imaginário da globalização inspirou-se frequentemente na paisagem urbana das grandes capitais ocidentais, mas o mundo de Amílcar Cabral oferece-nos uma visão diferente, onde têm lugar imagens da frente ribeirinha de Xangai, da vista panorâmica de Alger ou das ruas de Moscovo. Uma visão onde as próprias cidades icónicas da globalização celebradas no final dos anos 90 pela cultura política liberal revelam novos sentidos, como é o caso de Nova Iorque, com o seu bairro de Harlem, que uma e outra vez acolheu Fidel Castro e os seus discursos em que citava a palavra de Amílcar Cabral.

28.07.2024 | por José Neves, Victor Barros e Rui Lopes

Manifesto Pan-Africanista, cumprir África! A missão da nossa geração

Manifesto Pan-Africanista, cumprir África! A missão da nossa geração A situação atual de África é ainda marcada pelo neocolonialismo. Na maior parte dos países, as nossas elites governantes, monopolizando todos os privilégios, voltaram as costas às realidades nacionais e fixaram os olhos nas antigas metrópoles em busca dos seus serviços, traindo os princípios de liberdade e da soberania do povo, que oprimem quotidianamente, censurando-o, empobrecendo-o, tribalizando-o.

25.05.2024 | por vários

TXONBON (Chão Bom)

TXONBON (Chão Bom) como outros nacionalistas africanos / tais os muito seviciados os muito aliciados / cem presidiários políticos guineenses / como outros emboscados como outros /rebuscados como outros mortificados / patriotas negros mulatos e brancos / dilacerados em diferendos vários / tais os cento e seis prisioneiros / e condenados políticos angolanos

08.05.2024 | por José Luís Hopffer Almada