Não nos encostem à parede

O que aconteceu na rua do Benformoso a centenas de imigrantes, com pessoas encostadas à parede pela polícia, tornou óbvia a necessidade de não deixarmos que isso volte a acontecer. As centenas de pessoas que se mobilizaram para protestar contra o sucedido sabem que a repressão aos imigrantes e aos trabalhadores mais desfavorecidos implica a criação de uma sociedade menos livre e mais injusta.

Quando, no dia 19 de dezembro, uma operação policial encomendada pelo governo encostou dezenas de imigrantes à parede, tendo sido previamente notificada a comunicação social, para, segundo o primeiro-ministro, dar visibilidade ao combate ao crime e à percepção de insegurança, o que se fez foi humilhar pessoas que vivem e trabalham nessa rua, obrigando-as a estar encostadas à parede longas dezenas de minutos.

Depois da indignação que se seguiu, a direcção da PSP tentou justificar a ação, enquadrando-a numa legislação de controlo de armas e afirmando que na zona tinha havido 52 assaltos com arma branca nos últimos dois anos.

A montanha pariu um rato. O resultado de tão espectacular acto de humilhação colectiva dirigida a trabalhadores e comerciantes imigrantes foi a apreensão de uma faca de 17 centímetros e duas detenções. Numa anterior operação que o governo reputou de necessária para combater a imigração ilegal, foi encontrada uma pessoa “sem papéis”.

Toda a gente percebe que não são os comerciantes e imigrantes que trabalham nessa rua que estão envolvidos nos alegados assaltos. O objectivo desta operação não é tornar a zona mais segura, coisa que se consegue com mais iluminação pública, polícia de proximidade e, sobretudo, com políticas sociais que combatam o alastramento de drogas, como o crack, na zona, mas mostrar que o Estado reprime os trabalhadores imigrantes com mão pesada.

Nos dias anteriores e seguintes, o governo repetidamente afirmou que esta e outras operações respondiam à sua nova orientação para controlar os imigrantes e combater a criminalidade, e que apesar do país ser dos mais seguros do mundo, não podia viver “à sombra da bananeira”.

O executivo de Luís Montenegro repetiu a várias vozes e de várias maneiras a ideia que era preciso combater a “imigração ilegal”, a criminalidade e as percepções.

Na realidade, estas operações são feitas para agradar ao eleitorado da extrema-direita e aumentar os discursos que associam imigração a crime. Mesmo que todas as estatísticas demonstrem que não existe essa relação e que a criminalidade em Portugal tem descido ao longo das últimas décadas de uma forma sustentada.

A operação policial não foi feita para combater qualquer delito, mas para criminalizar, aos olhos da opinião pública, os imigrantes que trabalham em Portugal. Tornar essas pessoas os bodes expiatórios da ausência de políticas sociais, da falta de construção pública de habitação e do atual insucesso na gestão do Serviço Nacional de Saúde.

Nesses mesmos dias, o governo aprovou, com a extrema-direita, um pacote que corta o acesso aos cuidados de saúde a muitos milhares de imigrantes. Numa decisão de uma enorme gravidade, os imigrantes com a situação não regularizada podem, como fazem, contribuir para a Segurança Social e pagar impostos, mas estão proibidos de aceder ao Serviço Nacional de Saúde nas condições dos demais trabalhadores. Uma medida injusta e desastrosa do ponto de vista da saúde pública.

O que aconteceu a 19 de Dezembro, na rua do Benformoso não é um caso isolado, mas não é por isso que não deixa de ser inadmissível. As centenas de pessoas que se mobilizaram para protestar contra o sucedido, sabem que a repressão aos imigrantes e aos trabalhadores mais desfavorecidos implica a criação de uma sociedade menos livre e mais injusta.

Por isso centenas de pessoas e dezenas de organizações apelam para que no próximo sábado, dia 11 de janeiro, milhares de pessoas se manifestem em Lisboa. As suas palavras são claras.

O que aconteceu na rua do Benformoso a centenas de imigrantes, com pessoas encostadas à parede pela polícia, tornou óbvia a necessidade de não deixarmos que isso volte a acontecer. Sabemos que o que ali se tornou visível não foi um ato isolado, é algo que acontece regularmente em outras periferias de Lisboa e do país.

Todas as pessoas que vivem e trabalham em Portugal têm de ser tratadas com dignidade, como consagram as leis da democracia, nomeadamente a Constituição da República. Nem mais nem menos se espera de um Estado Democrático.

Não podemos aceitar mentiras que tentam normalizar e desculpar o indefensável.

A Segurança não se confunde com instrumentalização da polícia, nem com repressão discriminatória contra populações trabalhadoras, pobres, imigrantes e pessoas racializadas que produzem grande parte da riqueza do país. Portugal é um Estado em que a liberdade e a dignidade têm de ser valores fundamentais.

No dia 11 de Janeiro, às 15 horas, em Lisboa, vamos sair à rua, contra o racismo e a xenofobia, para exigir dignidade, direitos sociais e liberdade para quem vive e trabalha em Portugal. Queremos que as promessas de Abril se cumpram.

Da Alameda D. Afonso Henriques ao Martim Moniz faremos a festa pela diversidade, mostrando que todas as culturas fazem parte da nossa sociedade comum.

  1. Alexandra Mota Torres, funcionária pública
  2. Aly Abouhegazy, construção
  3. Ana Paula Costa, Presidente da Casa do Brasil de Lisboa e Investigadora no IPRI
  4. Ana Suspiro, jurista
  5. Anabela Rodrigues, mediadora cultural e ativista
  6. André Oliveira Carrilho, advogado
  7. Anizabela Amaral, jurista e ativista na Kilombo - Plataforma de Integração Anti-Racista
  8. António Brito Guterres, assistente social, Vida Justa António Garcia Pereira, advogado
  9. Augusto Neves Júnior, empresário de turismo Bernardo Marques Vidal, jurista
  10. Bernardo Mendonça, jornalista
  11. Carla Matos, funcionária pública
  12. Carmen Granja, historiadora
  13. Catarina Morais, advogada
  14. Catarina Silva, autarca (Arroios)
  15. Catarina Soares Barbosa, The Revolution Will Not Happen In Your Screen Cátia Rosas, vereadora CML
  16. Célia Costa, produtora cultural Cláudia Semedo, atriz e jornalista Diogo Espinhal Torres, economista Edna Tavares, psicóloga
  17. Elizabeth Olegário, investigadora do CHAM – NOVA/FCSH Erica Acosta, advogada
  18. Eurico Brilhante Dias, deputado à AR
  19. Fabiana Fernandes, engenheira agrónoma e business analyst Faranaz keshavjee, psicotraumatologista e escritora
  20. Farid Ahmed Patwary, assistente social e jornalista
  21. Francisco Paupério, investigador
  22. Inês Cisneiros, advogada e investigadora
  23. Isabel Mendes Lopes, deputada à AR
  24. Isabel Moreira, deputada à AR
  25. Joana Deus, trabalhadora social na Associação Renovar a Mouraria
  26. Joana Mortágua, deputada à AR
  27. João Costa, professor universitário
  28. João Rosário, jornalista
  29. Jonathan Ferreira Da Costa, serralheiro-soldador / Grupo de Ação Revolucionária Antifascista
  30. Jorge Garcia Pereira, arquitecto e vereador CMPorto Jorge Pinto, deputado à AR
  31. José Falcão, SOS Racismo
  32. José Leitão, advogado
  33. José Rui Rosário, músico
  34. José Soeiro, deputado à AR
  35. Lígia Morais, Observatório de Violência Obstétrica, bancária Luís Lisboa, mediador cultural
  36. Luís Monteiro, museólogo, investigador
  37. Luís Nuno Barbosa, presidente da CIVITAS Braga
  38. Maria Escaja, promotora musical e autarca em Lisboa Mariana Carneiro, socióloga do trabalho
  39. Marta Bulhosa, advogada
  40. Miguel Costa Matos, deputado à AR
  41. Miguel Domingos Garcia, CEO/diretor criativo
  42. Miguel Prata Roque, professor universitário e advogado
  43. Nuno André Silva, jurista
  44. Nuno Ramos de Almeida, jornalista, Vida Justa
  45. Patrícia Gonçalves, professora universitária
  46. Patrícia Mariano, autarca (Arroios)
  47. Patrícia Robalo, arquiteta
  48. Paula Marques, vereadora CML
  49. Pedro Mendonça, assessor político
  50. Pedro Soares, professor universitário
  51. Pedro Vieira, escritor e ilustrador
  52. Ricardo Sá Fernandes, advogado
  53. Rodrigo Alves, estudante/Grupo de Ação Revolucionária Antifascista Rosa Monteiro, professora universitária
  54. Rui Tavares, deputado à AR
  55. Sara Amâncio, professora jubilada
  56. Sara Ferreira, profissional de saúde
  57. Sara Morbey Mesquita, advogada
  58. Sofia Ferro Santos, professora universitária
  59. Sofia Pereira, secretária-geral da JS
  60. Timóteo Macedo, presidente da Solidariedade Imigrante

 

Artigo publicado originalmente no jornal Público

por várias
Mukanda | 8 Janeiro 2025 | imigração, Martim Moniz, repressão policial, Rua do Benformoso