Na verdade, não é a qualquer escritor que acontece, como a Uanhenga Xitu, a criação de um personagem literário que extrapola a própria literatura e o seu criador, como é o caso desse Mestre Tamoda, para tomar vida própria e se entranhar na carne e no quotidiano dos seus leitores como um muito velho e bom Amigo, sempre disponível e presente, sem jamais trair ou melindrar, enfim, um desses Amigos que a Vida tão poucos nos dá.
A ler
04.09.2024 | por Zetho Cunha Gonçalves
A partir dos anos ’50, pelo menos, o compromisso dos poetas com a libertação fica mais evidente, marcado. É verdade que os intelectuais, na época, faziam parte de uma elite muito reduzida, mas deram-se a tarefa de mostrar – tanto a nível interno, como no plano internacional – as condições de repressão e opressão que as sociedades coloniais geravam; as injustiças às quais o povo era submetido. Toda a geração de escritores negritudinistas, Pan-africanistas e independentistas que surgem naquela época geraram debates internos, e também levaram as lutas para fora do espaço colonial.
Cara a cara
29.02.2024 | por Noemi Alfieri e Cláudio Fortuna
Eu tinha medo de que o Mateus descobrisse que eu andava a mexer nas coisas dele. Mas, mesmo assim, não recusei o desafio. Despedimo-nos e fomos cada um para o seu caminho. A caminho de casa, dei por mim, mais do que uma vez, a pensar naquela ligação que o Marley tinha feito. Estava dividido. Parte de mim estava desmoralizada com a ideia de que o castelo do texto “As Belezas da Cidade-Baixa” podia não ser aquilo que eu imaginava. E a outra parte preferia acreditar que o castelo descrito na carta não era o mesmo castelo da Cidade-Baixa. Esta última, defendia que não se tratava de nada mais do que a fértil e sempre conspiradora imaginação do meu primo a armar mais uma das suas. Já na minha rua, curvei-me para amarrar os atadores e deparei-me com o Didi. Ergui a cabeça. Cheirava a cigarro, cerveja e não dizia coisa com coisa.
– Tens aí cem kwanza? – chutou, enquanto andava num passo descoordenado.
Mukanda
09.06.2023 | por Israel Campos
Dois relatórios da PIDE, de Março de 1966 e 1967, são bem reveladores do poder da literatura, tal como era protagonizada por Luandino. Apesar de se encontrar preso, ter suscitado uma onda de repressão, violência e censura, em 1965, quando lhe foi concedido o prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores, a obra de Luandino, ao lado da de outros escritores angolanos, continuava a ser um instrumento de poder ao serviço dos que procuravam resistir à dominação colonial.
A ler
19.04.2016 | por Diogo Ramada Curto
A expressão “nacionalismo militante” confunde-se, em conceito, com o termo “resistência” - já pensado e formulado entre os anos 1930 e 50, quando vários intelectuais se engajaram na luta contra o fascismo, nazismo, franquismo, salazarismo e, sobretudo contra o colonialismo. Ao longo desses anos firma-se uma frente de carácter libertador que, nas lutas de guerrilha, procura a libertação do jugo colonial.
A ler
19.03.2013 | por Francisco Kulikolelwa Edmundo
“Eu tinha ido visitar Lídia, alojada no apartamento de Paulete, e já não voltei a sair. Os tiros pareciam partir de todo o lado.”, escreve o narrador de “Estação das Chuvas”. “A televisão mostrava imagens da guerra. Miúdos com fitas vermelhas amarradas na testa, walkmans nos ouvidos, pentes de munições cruzados sobre o peito. (...) Lídia não queria ver televisão. Durante aqueles três dias fechou-se no quarto a escrever. (...) Quando os tiros pararam saí com ela. Fomos a pé até à ponta da Ilha, fingindo que não víamos a cidade arruinada pelos últimos confrontos. A loucura rondava em torno, estendia para nós as suas compridas patas de aranha. O cheiro fez-me lembrar o 27 de Maio. A mesma fúria, a mesma vertigem. (...)
Na praia não estava ninguém. (...) Os caranguejos tinham morrido todos dentro das suas armaduras transparentes. Peixes brancos olhavam para nós com grandes olhos de água. Lídia agarrou-me a mão: “Que país é este?”
A ler
26.09.2012 | por Susana Moreira Marques
Entre 1997 e 1998 desapareceram nos céus de Angola cinco aviões, com um total de 23 tripulantes, originários da Bielorrússia, Rússia, Moldávia e Ucrânia. A 25 de Maio de 2003, um Boeing 727, propriedade da American Airlines, desencaminhou-se do aeroporto de Luanda, e nunca mais foi visto. O aparelho estava há 14 meses sem voar.
Daniel Benchimol colecciona histórias de desaparecimentos em Angola. Todo o tipo de desaparecimentos, embora prefira os aéreos. É sempre mais interessante ser arrebatado pelos céus, como Jesus Cristo ou a sua mãe, do que engolido pela terra. Isto, claro, se não nos estivermos a servir de uma linguagem metafórica. Pessoas ou objectos literalmente engolidos pela terra, como parece ter acontecido com o escritor francês Simon-Pierre Mulamba, são, contudo, casos muitos raros.
Mukanda
08.05.2012 | por José Eduardo Agualusa
É a história, sobretudo, da progressiva exigência e consciência da autonomia dessa literatura para com os padrões culturais da metrópole, do reconhecimento da sua originalidade face aos modelos europeus e das tentativas de a recolocar em esquemas interpretativos próprios: Luanda como expressão duma sociedade crioula contraposta ao resto do país ainda profundamente embebido da original cultura banto, ou como elemento extrínseco na sua realidade de cidade fundada por estrangeiros mas pouco a pouco reconquistada pelos legítimos habitantes da terra e a sua cultura; a Luanda da contraposição Baixa-musseques, o coração pulsante da nação liberta mas precipitada numa guerra civil onde as regras existem só para ser enganadas, ou ainda a capital do “petro-capitalismo” descontrolado.
Cidade
14.04.2012 | por Alice Girotto
Os que se viram implicados nas lutas pelas independências, mesmo os que não se integraram aos movimentos de luta armada, têm que lidar com as relações entre literatura e política, inevitavelmente, como também com uma idéia de nação, que podem querer formar ou questionar. Nesse sentido, a relação com as sociedades tradicionais e suas produções culturais se torna decisiva. As gerações que se viram, como no caso de Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, assoladas por guerras civis se vêem demandadas a lidar com seus escombros. Bem, posso dizer que, pelo que tenho lido, a denúncia da desigualdade social e da corrupção dos governos tem se tornado muito presente nessas literaturas africanas, desde os finais dos anos 1980.
A ler
09.02.2012 | por Cláudio Fortuna
Entrevista à professora Simone Schimidt: "estas literaturas começam a ganhar mais relevância, a se difundir para fora do círculo restrito da academia, e a conquistar um público leitor efetivo. O que mais cativa esse novo público, creio, é a vitalidade, a força, a profunda vinculação com a experiência humana que essas literaturas trazem para seus leitores."
A ler
17.01.2012 | por Cláudio Fortuna
Jéssica Falconi está a fazer um pós-doutoramento em literaturas africanas. A professora italiana apresenta-nos aqui argumentos de força em torno da literatura e crítica literária em Angola, do papel que deve desempenhar as Universidade para o fomento da qualidade literária em Angola
A ler
13.01.2012 | por Cláudio Fortuna
“A minha vida se resume a uma larga e sinuosa curva para o amor”, assim começa a viagem do livro O Planalto e a Estepe de Pepetela. Na infância prodigiosa na Huíla, onde um protagonista angolano de nome Júlio, branco e de olhos azuis, descendente de colonos madeirenses, começa a aperceber-se das estranhas categorias que sustentavam as mentalidades do tempo colonial.
A ler
22.11.2011 | por Marta Lança
Manuel Cerveira Pereira, o conquistador de Benguela, é um filho de puta.
O maior filho de puta que pisou esta miserável terra. Pisou no sentido figurado e no próprio, pisou, esmagou, dilacerou, conspurcou, rasgou, retalhou. O filho de puta admito ser apenas no figurado, pois da mãe dele pouco sei, até dizem ter sido prendada senhora e de bem. Embora quem tal crocodilo deixou crescer no ventre pomba não deveria ser, afirmam os entendidos. Mas mereço eu, desgraçado padre, julgar o ventre de donas bem casadas?
Mukanda
06.09.2011 | por Pepetela
Angola pós-independência, com seus conflitos e contradições, sua conturbada construção de uma identidade, as feridas abertas no período colonial e as dores e violências de uma guerra civil fratricida, os sonhos e pesadelos antagônicos de gerações, é o pano de fundo dos contos de Filhos da Pátria (Editora Record, 2008), do jornalista, poeta e professor universitário João Melo, editor da revista África 21.
A ler
22.07.2011 | por Salim Miguel
Os autores africanos que eu lia, ou pelo menos assim eu os li, iam murmurando verdades suaves: que a literatura se fazia dos lugares, das geografias, das cores e das gentes, mas que os lugares eram, também, coisas internas; que o escritor, africano ou outro, podia falar do seu lugar e partir das suas tradições para se reinventar na sua ficção, mas não esquecendo que no ato sagrado da escrita, as geografias que mais gritam, são as de dentro; as que abordam a sua proveniência, que fazem falar criativamente sobre as verdades do continente com a habilidade de não ferir a dignidade da nossa casa e dos nossos mais-velhos.
Mukanda
28.06.2011 | por Ondjaki
Na minha comunicação parto do princípio de que a literatura está impregnada de ideologia e que a literatura, em particular dos países emergentes, foi e continua a ser o lugar de articulação da imagem da identidade nacional, literária, mas não só. Vários autores, insistem no poder de influência dos intelectuais sobre a construção/renovação e mesmo invenção da identidade nacional.
A ler
24.06.2011 | por Nazaré Torrão
o fogo ganhou labaredas de ser visto em seus amarelos dançantes, bailarinas línguas fogachadas a interromper o corpo da noite, as pontas saltitantes a brilharem no seu rosto de carreiros incontáveis, os pés menos ressequidos absorvendo os óleos pelos dedos da menina, os olhos circundantes na estranha espera do fechar dos seus olhos, o velho respirando devagar para saber dos odores do fogo, os olhos semi-fechados em abertura de fazer espreitamento do fogo,
“ai, meu deus, esta é a minha maior alegria, uma lareira de verdade, assim nós a vermos um fogo sem ser de armas nem bombas, o descanso só... obrigado, meus filhos... obrigado mesmo”
Mukanda
19.05.2011 | por Ondjaki
O que fazer com o seu segredo? Era o primeiro a despertar na Aldeia, e o único que sabia, agora, do segredo deste apagamento proibido. Estaria quebrado o ciclo? Seria perseguido pelos espíritos dos mais-velhos pelo seu descuido de natureza amorosa? E havia sido um descuido de natureza amorosa?
Mukanda
26.04.2011 | por Ondja ki
Reconstruir o país pelos livros, pela cultura...
Claro. Cada um tentando contribuir como pode. Está muita coisa a ser feita, mas é preciso também, além das estradas e pontes, trabalhar com a cultura, com os livros, com os hábitos de leitura.
E falta muito?
Falta sempre muito, num país em reconstrução. Trata-se de uma tarefa gigantesca, que passará pelos esforços da população e do governo também. É preciso retrabalhar as ideias, os ideais, os valores. Retrabalhar constantemente a democracia, habituarmo-nos a expressar a nossa opinião e que os nossos dirigentes nos possam escutar, e não simplesmente fingir que escutam.
Cara a cara
27.03.2011 | por Paulinho Assunção
O LUGAR DO MORTO
Neste espaço escritores já desencarnados reflectem, a partir do além, sobre os dias que correm.
"O Pensamento nunca é totalitário. O pensamento é sempre revolucionário. A estupidez, sim – a estupidez é fascista."
Mukanda
15.03.2011 | por José Eduardo Agualusa