Fazer poesia – e outros projectos..., entrevista a Ondjaki

A propósito do lançamento de livros em Luanda, na Associação Chá de Caxinde, no dia 23 de Março, em Luanda

 

Como é estar de regresso à poesia?

É uma satisfação. Faz-se poesia porque se precisa dela, ou de a partilhar. Mas sobretudo fazer poesia é uma necessidade. Nem sempre é fácil publicar um livro de poesia…

Porquê?

Porque se pensamos no público, no leitor… Quer dizer, é um género mais complicado, menos acessível, menos fácil. Escreve-se um poema como uma urgência interna, e por vezes há uma estória (mais íntima) por detrás do poema. Mas é preciso aceitar que a poesia é também mistério… Nem tudo é claro, explícito. Faz parte. O que quero dizer é que não sei bem como o leitor vai encarar o que lá está escrito, o que foi dito. Mas de qualquer modo, eu sei, este receio não faz sentido nenhum, cada leitor recebe os materiais de escrita do seu modo e assim funciona a literatura. Escrevo primeiro para mim, sobretudo no caso da poesia, mas tenho receio que os meus poemas por vezes sejam um pouco herméticos ou mesmo chatos…

E a escrita em geral, como vai?

A escrita em geral são os dias. Penso que muitas vezes a luta é essa, ir decidindo que caminhos escolher, prosa, poesia, também os livros infantis. Mas vivendo, observando, estamos sempre a escrever.

Continua com o trabalho dos livros infantis?

Sim, agora mesmo em Luanda apresentámos o livro O leão e o coelho saltitão, que foi uma experiência muito boa, fiz uma adaptação de um conto Luvale, que nem era para crianças. Adaptei o conto, inventei algumas partes, incluí músicas que também inventei, acho que me diverti. E continuo a pensar que é muito importante neste momento, em Angola, trabalharmos este género. reconstruir o país também passa pelo trabalho da nossa literatura.

Reconstruir o país pelos livros, pela cultura…

Claro. Cada um tentando contribuir como pode. Está muita coisa a ser feita, mas é preciso também, além das estradas e pontes, trabalhar com a cultura, com os livros, com os hábitos de leitura.

E falta muito?

Falta sempre muito, num país em reconstrução. Trata-se de uma tarefa gigantesca, que passará pelos esforços da população e do governo também. É preciso retrabalhar as ideias, os ideais, os valores. Retrabalhar constantemente a democracia, habituarmo-nos a expressar a nossa opinião e que os nossos dirigentes nos possam escutar, e não simplesmente fingir que escutam.

fotografia de Michael Hughesfotografia de Michael Hughes

 

Está trabalhando em outros projectos?

Como digo, estamos sempre a escrever. Terminei a adaptação de um “libretto”, para uma ópera juvenil, que vai ser feita em Portugal, isto é, é uma ópera baseada num conto tibetano. Já estou a trabalhar num novo livro infantil e num novo romance.

O que falta fazer?

Filmes, séries. Queria colaborar com a televisão em novos seriados ou filmes. Há projectos em curso, com a Geração 80, com o Mário Bastos e outros interessados em fazer coisas novas e de qualidade.  Há muitas ideias e projectos, mas há pouco dinheiro!

E documentários?

Estou já a trabalhar num novo projecto. Vai ser algo muito interessante, tem a ver obviamente com Angola, com a música e com Luanda. Estamos na fase da dita ‘captação de cumbú’, mas não é fácil.

Vai continuar escrevendo poesia?

Vou continuar a escrever aquilo que fizer sentido para mim: novas ideias, novas abordagens, ainda quero publicar a minha peça de teatro Os vivos, o morto e o peixe-frito… Falta fazer muita coisa, mas estamos prontos. Tenho estado envolvido num trabalho com o Rui Sérgio Afonso (fotógrafo) e cada vez estou mais convencido que esta geração tem muito a dar. Já se vê pela música, pela fotografia e dança, muita coisa nos livros, e falta trabalharmos e desenvolvermos o nosso cinema, de modo criativo, interessante, e nacional, isto é, tratarmos os materiais nossos de um modo moderno, africano mesmo “prá frentéx”! Isso é que vai ser uma festa. E acredito que vai acontecer… Já está a acontecer.

por Paulinho Assunção
Cara a cara | 27 Março 2011 | literatura angolana, Ondjaki, poesia