Apresento a tradução de três cartas/ensaios de Walid Daqqah – que, como todos os seus textos, tiveram de ser libertados da prisão antes de chegarem ao público. Quero, com isso, partilhar um pequeno fragmento da obra do revolucionário palestiniano em português, estando ciente de que o ato de tradução implica transformação. Contudo, como o entendo, essa não é apenas uma transformação do texto, mas também de quem o lê e tem de se libertar das amarras coloniais para o compreender. Se Daqqah imagina e põe em prática a libertação da Palestina nós não podemos apenas ler o texto, mas somos obrigados a imaginar com ele e convidados a agir com ele.
03.08.2024 | por Bruno Costa
Durante os anos 90, o nosso imaginário da globalização inspirou-se frequentemente na paisagem urbana das grandes capitais ocidentais, mas o mundo de Amílcar Cabral oferece-nos uma visão diferente, onde têm lugar imagens da frente ribeirinha de Xangai, da vista panorâmica de Alger ou das ruas de Moscovo. Uma visão onde as próprias cidades icónicas da globalização celebradas no final dos anos 90 pela cultura política liberal revelam novos sentidos, como é o caso de Nova Iorque, com o seu bairro de Harlem, que uma e outra vez acolheu Fidel Castro e os seus discursos em que citava a palavra de Amílcar Cabral.
28.07.2024 | por José Neves, Victor Barros e Rui Lopes
A situação atual de África é ainda marcada pelo neocolonialismo. Na maior parte dos países, as nossas elites governantes, monopolizando todos os privilégios, voltaram as costas às realidades nacionais e fixaram os olhos nas antigas metrópoles em busca dos seus serviços, traindo os princípios de liberdade e da soberania do povo, que oprimem quotidianamente, censurando-o, empobrecendo-o, tribalizando-o.
25.05.2024 | por vários
como outros nacionalistas africanos / tais os muito seviciados os muito aliciados / cem presidiários políticos guineenses / como outros emboscados como outros /rebuscados como outros mortificados / patriotas negros mulatos e brancos / dilacerados em diferendos vários / tais os cento e seis prisioneiros / e condenados políticos angolanos
08.05.2024 | por José Luís Hopffer Almada
A questão das reparações é complexa. Longe de ser um mero tema mediático ou discurso político-académico, é (deveria ser), uma ação que envolve muita gente, lugares, contextos e temporalidades. Não pode ser uma agenda que “Portugal deve liderar”, como diz o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Existem várias dimensões sobretudo geopolíticas que exigem dos “danados” uma agência e protagonismo inegociáveis. Por outras palavras, é preciso poder. O poder de exigir e de obter. Fora disto estaremos apenas a "apelar, ingenuamente, ao coração dos opressores”. No início deste ano, realizou-se uma conferência no Porto sobre a questão das reparações. Do encontro, resultou um documento intitulado “Declaração do Porto: Reparar o Irreparável” com 20 propostas concretas que resumem reivindicações de longa data dos movimentos e pessoas negras em Portugal.
02.05.2024 | por Apolo de Carvalho
Assim, por todo o Soweto, rugiu uma rebelião, durante a qual a juventude paralisou o regime, pagando um preço altíssimo por isso. Sabemos que após a repressão local, esta rebelião se espalhou para os principais centros urbanos do país, sendo que a polícia assassinou perto de 700 pessoas, maioritariamente estudantes, não poupando os seus familiares nem os seus vizinhos. Esta página de luta, é para muitos uma completa inversão no processo de luta contra o apartheid.
13.04.2024 | por António Tonga
É um gesto expressivo, aquele. O de tentar arrancar qualquer coisa cá de dentro, fazê-la brotar (acho que ele preferiria que dissesse rebentar). Enfim, trazê-la e dá-la ao mundo. O Miguel dava e dava-se. Ora, o dar tem uma forma de existir muito própria. De pouco adianta apontar para dentro, reclamar boas intenções escondidas, almas profundas, abismos insondáveis ou ensinamentos escusos que guardamos para nós, cá dentro. Mais do que exprimir algo, trazê-lo das profundezas de nós, o gesto é, diria eu, plenamente exterior. Sem nada dentro, por assim dizer. Só existe entre. Apontar, empurrar, cortar, partir. Assim se move o mundo. Uma corrente de ar não tem mensagem. Sopra.
27.03.2024 | por Miguel Cardoso
Aprendia ensinando-nos, este pássaro, tremendo em plena tormenta. E que nos perguntamos nós, que aqui ficámos? Que vivos somos nós, que andamos construindo cemitérios para as almas livres, sensíveis, pensantes, que rejeitam esta desumanidade e o neo-liberalismo, pornográficos, por onde nos arrastamos, simiescos e sonâmbulos? É legitimo partir para um universo que esteja para além da imaginação humana, insistindo em sustentar, imperioso e nu, o infinito da distância que se introduz na mais extrema proximidade, esse paradoxo de que se faz precisamente o Amor. (Maria João Teles Grilo)
27.03.2024 | por vários
"Minha identidade, qual identidade pergunta o Feiticeiro
Uma esteira
Uma sucessão temporal de sensações
Navegar esta tormenta
Equânime, estoico, desapegado
Atento e amoroso
Para se viver isto em mim
Eu não posso estar presente
Serei mais verdadeiro fora de mim, sem mim,
Sem identidade
Só amor."
25.03.2024 | por Ana Maria Pinto
Regresso aos nossos jardins. Agora feitos menores pelas geografias que nos cresceram, minhas e tuas, doando-nos os lugares que conhecemos juntos, lugares que tantas vezes experimentámos pelos olhos, e pelas mãos, um do outro. Nenhum de nós sabia o que era ter completado uma década de vida, mas entoavámos as palavras de ordem do que já sabias ser o nosso desígnio maior. Fizemos pactos de sangue, e talhámos a canivete troncos e sulcos no chão. Não à liberdade condicional.
25.03.2024 | por Verónica Metello
O que fizemos ao certo, nós que não iniciamos nenhuma revolução industrial, nem explodimos a bomba atómica? Nós que não distribuímos o agente laranja e muito menos o chlordécone? Nós os habitantes de um país cuja única guerra foi exatamente para recuperar um bioma, preservar vidas e o direito à respiração? O que fizemos nós, os resistentes da terra, para que ela nos condenasse? De facto, como dizia alguém, um dos crimes do colonialismo foi alienar-nos de tal modo a ponto de acreditarmos que a nossa simples existência constituía/constitui em si, uma aberração.
21.02.2024 | por Apolo de Carvalho
Queremos dar um sinal inequívoco e público de que atos e organizações sociais, políticas e partidárias racistas e xenófobas são inaceitáveis e queremos demonstrar a nossa solidariedade para com as vítimas de todos os ataques de ódio em Portugal. A negação e inércia sistemáticas são o terreno fértil para a impunidade do racismo e da xenofobia, que têm vindo a escalar e devem ser absolutamente inaceitáveis em qualquer democracia. O silêncio das instituições é cúmplice. Não o acompanharemos nem o legitimaremos.
25.01.2024 | por vários
As letras encapsulam as viagens da palavra:
experimental, preliminar,
que rompem o expectável,
que cobrem o fumo,
onde as palavras em jeito de humor,
sem pudor,
abrem novos caminhos do amar
e do ser amado
19.01.2024 | por Alice Neto de Sousa
Se o cuidado que um rio manifesta ao mundo for retribuído, poderá viver uma vida longa e saudável. Ao longo da sua vida, o rio vê coisas, aprende coisas e transmite o seu conhecimento a quem quiser ouvir. A história de um rio é também a nossa história; a música que canta também é a nossa. Poderíamos dizer que o passado de um rio é uma lente para o nosso futuro e que a morte de um rio prenuncia a nossa própria morte.
23.12.2023 | por Imani Jacqueline Brown
Ai noites de Assomada
dos prantos em Fundura
suplicando pelas almas redivivas
pelas vozes exuberantes nos jardins
da Praça Estrela na Praça Camões
na Praça do Rossio na Praça Figueira
no Largo Martim Moniz no bairro da Mouraria
no bairro da Alfama nas colinas da Graça
no Canecão no Conde Barão no Lontra
no Coquenote no Cave Adão
no Monte-Cara lá na Dedês
na Casa de Cabo Verde...
19.12.2023 | por José Luís Hopffer Almada
A justiça cósmica não existe. É o que me parece, pelo menos. Nunca instância nenhuma alguma vez nos pedirá contas do nosso silêncio, cumplicidade, indiferença, nem tão pouco da nossa indignação, perante tanta desumanidade, tanta crueldade, tanta infâmia a que todos os dias assistimos ou que nos chega pelas notícias. É assim, mais nada.
19.12.2023 | por José Lima
Talvez o esforço de reconciliação entre vítimas e agressores - dois lugares por vezes ocupados simultaneamente pelos mesmos sujeitos - não sirva para curar as feridas de quem viveu a fractura do conflito em si, mas sim para criar um espaço de possibilidade de re-invenção e reparação nas gerações futuras. Assim, o irreparável e o reparável podem coexistir no tempo dos vivos, com a condição inegociável de não deixar que o esquecimento apague aquilo que aconteceu, por mais insuportável que seja lembrar.
29.11.2023 | por Aline Frazão
Assistiu ainda jovem adulto
Nas vastas terras angolanas
À devoração do irmão natural
Pela ferocidade das águas impetuosas
E tempestuosas do rio Kwanza
29.11.2023 | por José Luís Hopffer Almada
A luta de Mamadou Ba não é individual, é coletiva, e é de todas as pessoas e organizações democráticas que resistem ao crescimento dos fascismos e recusam o regresso de regimes monstruosos associados à chamada extrema direita. Deste modo, requeremos revisão da sentença condenatória e da pena imposta. Que a justiça seja restaurada já! Mamadou já fez saber que usará os instrumentos que o Estado de Direito lhe garante para levar a justiça até às últimas instâncias, incluindo o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, se necessário. A luta antirracista continua!
20.11.2023 | por vários
Num momento em que, no país e no mundo, ideias e políticas anti-democráticas e autoritárias crescem e ameaçam direitos e liberdades que há muito temos como garantidos, a repressão feita às estudantes e o silenciamento forçado da comunidade universitária dá passos num sentido particularmente perigoso. À beira do ano em que nos preparamos para celebrar meio século do 25 de Abril, tudo isto é revoltante.
20.11.2023 | por vários