É um gesto expressivo, aquele. O de tentar arrancar qualquer coisa cá de dentro, fazê-la brotar (acho que ele preferiria que dissesse rebentar). Enfim, trazê-la e dá-la ao mundo. O Miguel dava e dava-se. Ora, o dar tem uma forma de existir muito própria. De pouco adianta apontar para dentro, reclamar boas intenções escondidas, almas profundas, abismos insondáveis ou ensinamentos escusos que guardamos para nós, cá dentro. Mais do que exprimir algo, trazê-lo das profundezas de nós, o gesto é, diria eu, plenamente exterior. Sem nada dentro, por assim dizer. Só existe entre. Apontar, empurrar, cortar, partir. Assim se move o mundo. Uma corrente de ar não tem mensagem. Sopra.
27.03.2024 | por Miguel Cardoso
Aprendia ensinando-nos, este pássaro, tremendo em plena tormenta. E que nos perguntamos nós, que aqui ficámos? Que vivos somos nós, que andamos construindo cemitérios para as almas livres, sensíveis, pensantes, que rejeitam esta desumanidade e o neo-liberalismo, pornográficos, por onde nos arrastamos, simiescos e sonâmbulos? É legitimo partir para um universo que esteja para além da imaginação humana, insistindo em sustentar, imperioso e nu, o infinito da distância que se introduz na mais extrema proximidade, esse paradoxo de que se faz precisamente o Amor. (Maria João Teles Grilo)
27.03.2024 | por vários
"Minha identidade, qual identidade pergunta o Feiticeiro
Uma esteira
Uma sucessão temporal de sensações
Navegar esta tormenta
Equânime, estoico, desapegado
Atento e amoroso
Para se viver isto em mim
Eu não posso estar presente
Serei mais verdadeiro fora de mim, sem mim,
Sem identidade
Só amor."
25.03.2024 | por Ana Maria Pinto
Regresso aos nossos jardins. Agora feitos menores pelas geografias que nos cresceram, minhas e tuas, doando-nos os lugares que conhecemos juntos, lugares que tantas vezes experimentámos pelos olhos, e pelas mãos, um do outro. Nenhum de nós sabia o que era ter completado uma década de vida, mas entoavámos as palavras de ordem do que já sabias ser o nosso desígnio maior. Fizemos pactos de sangue, e talhámos a canivete troncos e sulcos no chão. Não à liberdade condicional.
25.03.2024 | por Verónica Metello
O que fizemos ao certo, nós que não iniciamos nenhuma revolução industrial, nem explodimos a bomba atómica? Nós que não distribuímos o agente laranja e muito menos o chlordécone? Nós os habitantes de um país cuja única guerra foi exatamente para recuperar um bioma, preservar vidas e o direito à respiração? O que fizemos nós, os resistentes da terra, para que ela nos condenasse? De facto, como dizia alguém, um dos crimes do colonialismo foi alienar-nos de tal modo a ponto de acreditarmos que a nossa simples existência constituía/constitui em si, uma aberração.
21.02.2024 | por Apolo de Carvalho
Queremos dar um sinal inequívoco e público de que atos e organizações sociais, políticas e partidárias racistas e xenófobas são inaceitáveis e queremos demonstrar a nossa solidariedade para com as vítimas de todos os ataques de ódio em Portugal. A negação e inércia sistemáticas são o terreno fértil para a impunidade do racismo e da xenofobia, que têm vindo a escalar e devem ser absolutamente inaceitáveis em qualquer democracia. O silêncio das instituições é cúmplice. Não o acompanharemos nem o legitimaremos.
25.01.2024 | por vários
As letras encapsulam as viagens da palavra:
experimental, preliminar,
que rompem o expectável,
que cobrem o fumo,
onde as palavras em jeito de humor,
sem pudor,
abrem novos caminhos do amar
e do ser amado
19.01.2024 | por Alice Neto de Sousa
Se o cuidado que um rio manifesta ao mundo for retribuído, poderá viver uma vida longa e saudável. Ao longo da sua vida, o rio vê coisas, aprende coisas e transmite o seu conhecimento a quem quiser ouvir. A história de um rio é também a nossa história; a música que canta também é a nossa. Poderíamos dizer que o passado de um rio é uma lente para o nosso futuro e que a morte de um rio prenuncia a nossa própria morte.
23.12.2023 | por Imani Jacqueline Brown
Ai noites de Assomada
dos prantos em Fundura
suplicando pelas almas redivivas
pelas vozes exuberantes nos jardins
da Praça Estrela na Praça Camões
na Praça do Rossio na Praça Figueira
no Largo Martim Moniz no bairro da Mouraria
no bairro da Alfama nas colinas da Graça
no Canecão no Conde Barão no Lontra
no Coquenote no Cave Adão
no Monte-Cara lá na Dedês
na Casa de Cabo Verde...
19.12.2023 | por José Luís Hopffer Almada
A justiça cósmica não existe. É o que me parece, pelo menos. Nunca instância nenhuma alguma vez nos pedirá contas do nosso silêncio, cumplicidade, indiferença, nem tão pouco da nossa indignação, perante tanta desumanidade, tanta crueldade, tanta infâmia a que todos os dias assistimos ou que nos chega pelas notícias. É assim, mais nada.
19.12.2023 | por José Lima
Talvez o esforço de reconciliação entre vítimas e agressores - dois lugares por vezes ocupados simultaneamente pelos mesmos sujeitos - não sirva para curar as feridas de quem viveu a fractura do conflito em si, mas sim para criar um espaço de possibilidade de re-invenção e reparação nas gerações futuras. Assim, o irreparável e o reparável podem coexistir no tempo dos vivos, com a condição inegociável de não deixar que o esquecimento apague aquilo que aconteceu, por mais insuportável que seja lembrar.
29.11.2023 | por Aline Frazão
Assistiu ainda jovem adulto
Nas vastas terras angolanas
À devoração do irmão natural
Pela ferocidade das águas impetuosas
E tempestuosas do rio Kwanza
29.11.2023 | por José Luís Hopffer Almada
A luta de Mamadou Ba não é individual, é coletiva, e é de todas as pessoas e organizações democráticas que resistem ao crescimento dos fascismos e recusam o regresso de regimes monstruosos associados à chamada extrema direita. Deste modo, requeremos revisão da sentença condenatória e da pena imposta. Que a justiça seja restaurada já! Mamadou já fez saber que usará os instrumentos que o Estado de Direito lhe garante para levar a justiça até às últimas instâncias, incluindo o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, se necessário. A luta antirracista continua!
20.11.2023 | por vários
Num momento em que, no país e no mundo, ideias e políticas anti-democráticas e autoritárias crescem e ameaçam direitos e liberdades que há muito temos como garantidos, a repressão feita às estudantes e o silenciamento forçado da comunidade universitária dá passos num sentido particularmente perigoso. À beira do ano em que nos preparamos para celebrar meio século do 25 de Abril, tudo isto é revoltante.
20.11.2023 | por vários
Um país em busca
Do seu verde nome
Ou, melhor, do verde
Lacrado no seu nome
Ou, muito melhor ainda,
Do lugar verde imaginado
Lavrado e ajuramentado
Com o seu inoxidável nome
No sonho do poema de amanhã
10.11.2023 | por José Luís Hopffer Almada
Para as mulheres, a poesia não é, pois, um luxo. É uma necessidade vital da nossa existência. Forma a qualidade da luz pela qual manifestamos as nossas esperanças e sonhos no sentido da sobrevivência e da mudança, tornando‐os primeiro linguagem, depois ideia, e depois acção mais tangível. A poesia é o modo como nomeamos o inominado para que possa ser pensado. Os horizontes mais longínquos das nossas esperanças e medos são calcetados pelos nossos poemas, esculpidos na experiência rochosa do nosso quotidiano.
08.11.2023 | por Audre Lorde
Cumprida a função da poesia que em seu empenhamento político foi um modo de consciencialização, de resistência contra o colonialismo, e de luta pela independência de Marrocos, uma nova expressão poética, com o advento da independência, começa a tomar forma, criando o seu próprio espaço no panorama da poesia árabe. É neste contexto que se inserem as poetas que aqui se dão a ler, em pé de igualdade com a poesia escrita por homens, a qual, desde há séculos, detém uma preponderância incomensuravelmente maior.
08.11.2023 | por Zetho Cunha Gonçalves
Não bastou o Estado ter demorado mais de 40 anos – mais do que a idade da maioria das vítimas – para tentar assegurar às vítimas o direito à identidade?Objetivamente, aquilo a que assistimos foi um exercício de crueldade, em que se reavivaram gratuitamente sentimentos de perda, de dor e de mágoa, com objetivos que nada têm de nobre.E se nenhum dos restos examinados corresponde às pessoas a quem se disse pertencerem, o que se passará com os restos mortais já entregues às famílias e enterrados sem exames prévios?
20.10.2023 | por vários
A gravidade do problema, como a ciência do Sistema Terra há tempos alerta, é de simples entendimento: as atividades predatórias, em vetores múltiplos de atuação na região amazônica – com forte influência do capital em demandas que transcendem as fronteiras – impactam no processo de ruptura deste complexo sistema, levando a uma irreparável destruição da Amazônia, com impactos sentidos à escala planetária.
16.10.2023 | por vários
Exigimos que o Estado português, designadamente, o sistema de justiça, reconheça a motivação racial desta agressão. Exigimos que, de uma vez por todas, abandone um entendimento legal “minimalista” sobre o que se entende por racismo. Exigimos que rompa com o padrão de negação do racismo que tanto prejudica a vida das nossas crianças e jovens e a vida democrática deste país.
04.10.2023 | por vários