Durante o último ano, em todo o mundo, tiveram lugar as maiores mobilizações das últimas décadas em solidariedade com a luta do povo palestiniano. No contexto português não foi diferente, com a presença popular massiva nas ruas e praças de várias cidades, com a partilha e discussão em vigílias diárias ou semanais e em assembleias populares onde se traçaram estratégias e objetivos, não apenas para que as exigências de um cessar-fogo se materializassem imediatamente, mas como prática descolonizadora que tem a libertação da Palestina e de todos os territórios colonizados como horizonte.
Mukanda
22.10.2024 | por Bruno Costa
Apresento a tradução de três cartas/ensaios de Walid Daqqah – que, como todos os seus textos, tiveram de ser libertados da prisão antes de chegarem ao público. Quero, com isso, partilhar um pequeno fragmento da obra do revolucionário palestiniano em português, estando ciente de que o ato de tradução implica transformação. Contudo, como o entendo, essa não é apenas uma transformação do texto, mas também de quem o lê e tem de se libertar das amarras coloniais para o compreender. Se Daqqah imagina e põe em prática a libertação da Palestina nós não podemos apenas ler o texto, mas somos obrigados a imaginar com ele e convidados a agir com ele.
Mukanda
03.08.2024 | por Bruno Costa
Decidi traduzir o discurso do Mohammed (Maomé, não David) numa sessão do Palestine Festival of Literature –que decorreu no dia 13 de dezembro de 2023, em Londres– porque este é atravessado pelo pessoal e pelo político que marcam a experiência do poeta palestiniano neste presente de genocídio, um presente que se repete e que se acumula desde antes de 1948 e que é partilhado, de alguma forma, com todos/as os/as palestinianos/as nos seus diferentes exílios.
A ler
05.03.2024 | por Bruno Costa
Talvez o esforço de reconciliação entre vítimas e agressores - dois lugares por vezes ocupados simultaneamente pelos mesmos sujeitos - não sirva para curar as feridas de quem viveu a fractura do conflito em si, mas sim para criar um espaço de possibilidade de re-invenção e reparação nas gerações futuras. Assim, o irreparável e o reparável podem coexistir no tempo dos vivos, com a condição inegociável de não deixar que o esquecimento apague aquilo que aconteceu, por mais insuportável que seja lembrar.
Mukanda
29.11.2023 | por Aline Frazão
Com o intuito de evidenciar o caráter também epistolar e material destas fotografias, partilhamos, além de uma digitalização da imagem nelas contida, o outro lado destes objectos fotográficos e organizamo-los cronologicamente pela data de envio. Propomos assim um debruçar sobre a sucessão de imagens e palavras que José Joaquim Rubira remeteu, ao longo de quase três anos, aos seus pais, aos seus tios e primos, à sua esposa e à sua filha Clara, que tinha apenas 6 meses quando José partiu de Montemor-o-Novo. José Rubira aparece retratado em todas as imagens.
Afroscreen
07.04.2023 | por Daniela Rodrigues
Começou por me dar um banho no qual flutuavam raízes fétidas, deixando a água escorrer ao longo dos meus membros. Em seguida, fez-me beber uma poção da sua lavra e atou-me à volta do pescoço um colar feito de pedrinhas vermelhas.
— Hás-de sofrer durante a tua vida. Muito. Muito.
Estas palavras, que me mergulharam no terror, pronunciou-as com calma, quase a sorrir.
— Mas vais sobreviver.
Isso não me consolava! Ainda assim, emanava uma tal autoridade da pessoa curvada e enrugada de Man Yaya, que eu não ousava protestar. Man Yaya ensinou-me as plantas.
Aquelas que dão o sono. Aquelas que curam as chagas e as úlceras.
Aquelas que fazem confessar os ladrões.
Aquelas que acalmam os epilépticos e os mergulham num bendito repouso. Aquelas que metem nos lábios dos furiosos, dos desesperados e dos suicidas palavras de esperança.
Man Yaya ensinou-me a escutar o vento quando ele se levanta e mede as suas forças por cima das cubatas que se prepara para esmigalhar.
Man Yaya ensinou-me o mar. As montanhas e os montes. Ensinou-me que todas as coisas vivem, têm uma alma, um sopro. Que todas as coisas devem ser respeitadas. Que o homem não é um soberano percorrendo o seu reino a cavalo.
Mukanda
27.08.2022 | por Maryse Condé
Salman Rushdie não inventou os versículos satânicos. O título da obra que maior alvoroço causou na história recente refere-se a um episódio problemático nas próprias fontes do islão. Na origem da controvérsia está uma passagem do Alcorão (o versículo 53:21,22), que em parte terá sido corrigida depois de o profeta Maomé ser tentado por Satanás, proferindo palavras que admitiam a existência de outras entidades divinas além de Alá.
A ler
18.08.2022 | por Diogo Vaz Pinto
Um refugiado costuma ser uma pessoa obrigada a procurar refúgio devido a algum acto cometido ou por tomar alguma opinião política. Bom, é verdade que tivemos que procurar refúgio; mas não cometemos nenhum acto e a maioria de nós nunca sonhou em ter qualquer opinião política radical. O sentido do termo “refugiado” mudou connosco. Agora “refugiados” são aqueles de nós que chegaram à infelicidade de chegar a um novo país sem meios e tiveram que ser ajudados por comités de refugiados.
Jogos Sem Fronteiras
15.06.2022 | por Hannah Arendt
Não existe, se é que alguma vez tenha existido, uma nação sem diferentes comunidades e diferentes pessoas. Significando que convivências multiétnicas são uma realidade antiga em vários cantos do mundo. Então, porquê e para quê discriminar? Vários foram os relatos que me foram chegando nas redes sociais sobre a discriminação racial que tem estado a ocorrer na Ucrânia nos últimos dias aos estudantes negros, ou africanos, ou afrodescendentes que tentavam sair do país para escaparem da guerra, cruzando a fronteira da Ucrânia com a Polónia. Uns a pé, outros de comboio, outros ainda de autocarros. O problema agrava-se quando a passagem lhes é negada. Porquê?
A ler
14.03.2022 | por Arimilde Soares
Querendo pensar de modo global, afasto a minha lupa como uma criança que, simplificando a visão do mundo, nos transporta para as questões essenciais que, por vezes, deixamos de ter presentes. O mundo depende em larga medida da eventualidade de um confronto ou da possibilidade da manutenção da paz. Paz! Esta palavra! Pouco em voga depois de Schopenhauer que tanto fez para glamorizar o pessimismo, a inevitabilidade do conflito. A paz pessimista, agregada à teoria realista das Relações Internacionais, é a paz episódica. A paz que só é paz para o vencedor. A paz que é neste sentido uma expressão de poder. Os realistas, desde Tucídides, aperceberam-se do perigo que representam estados em rápido crescimento económico em momento de declínio de estados protagonistas, onde um estado aspira ao status de hegemónico e outro pretende mantê-lo. A própria obtenção de prestígio durante as maiores guerras esteve sempre relacionada com destrutivos conflitos armados.
Jogos Sem Fronteiras
11.11.2021 | por Sara F. Costa
Quando me falavam em genocídio, eu perguntava-lhes porque utilizavam essa palavra, já que não estavam a ser mortos. Uma senhora olhou para mim e perguntou-me se há pior morte do que estar vivo e não poder viver onde se quer. “Era melhor que nos dessem um tiro, porque aí não sofríamos tanto. As árvores onde eu ia fazer os meus ritos e as minhas orações estão lá. Os sítios onde enterrei as placentas quando os meus filhos nasceram ficaram ali. Os meus mortos, os meus ancestrais ficaram lá”, dizia-me.
Cara a cara
30.05.2021 | por Mariana Carneiro
Nas águas quentes das Venezuela, lançaram âncora navios de guerra norte-americanos. Prontos para desmantelar a rota de cocaína que sai deste país para os EUA, via ilhas caribenhas. Os piratas ou cowboys do século XXI, como lhes chamou Nicolás Maduro, cercam de mansinho o regime venezuelano. Distraído, confinado e monotemático, o mundo quase nem deu por isso.
Mukanda
11.04.2020 | por Pedro Cardoso
É uma abertura instrutiva na qual podemos rever questões substanciais sobre como a produção capitalista se relaciona com o mundo não-humano num nível mais fundamental — como, em suma, o mundo natural, incluindo o substrato microbiológico, não pode ser compreendido sem referência a como a sociedade organiza a produção (porque os dois não estão, de fato, separados). Ao mesmo tempo, é um lembrete de que o único comunismo que vale o nome é aquele que inclui o potencial de um naturalismo totalmente politizado.
Jogos Sem Fronteiras
29.03.2020 | por COLETIVO CHUǍNG
Os desenhos de Manoel Barbosa e o cinema de invenção brasileiro - são “altas” respostas a tempos “baixos”. Por isso, revisitar os anos quentes da contracultura através destas produções deve arrastar um sentido crítico. Na verdade, o AI-5 “ainda não terminou de acabar” no Brasil; a guerra colonial só recentemente é um tema de estudo e debate em Portugal; a contracultura estetizou-se; e a despolitização das subjetividades acomodou-se dentro da economia neoliberal e do mundo globalizado.
Mukanda
28.03.2020 | por Marta Mestre
Nas obras literárias da pós-memória, a figura do pai ausente é recorrente quando se quer abordar a questão da persistência do trauma pós-colonial nas gerações seguintes. Em Portugal, o romance Estranha Guerra de Uso Comum, de Paulo Faria, constitui talvez o exemplo mais significativo deste diálogo post-mortem à volta de um inquérito sobre a transmissão da experiência da guerra do pai para o filho. Contudo, neste conjunto de obras, há alguns casos em que o filho decide, através da escrita, reviver o passado traumático do pai desde o interior, num enredo que descreve com pormenores o tempo dos combates do progenitor. Nestes casos, o narrador privilegia os cenários do passado bélico para contar a guerra do pai como se ele estivesse no seu lugar.
A ler
19.02.2020 | por Felipe Cammaert
A suprema fantasia seria pensar, ingenuamente, que o reconhecimento do sangue negro na base de nações-imperiais e pós-imperiais pudesse cumprir-se deixando no mesmo lugar as pedras que sustentam e adornam a ideia de nação.
A ler
18.01.2020 | por Bruno Sena Martins
RDC buscou desfazer a confusão comum entre a ética e a política, colocando-se contra a verdade oficial e a razão do Estado ao narrar os sofrimentos impostos à população no contexto da crise. A crise se instalou pela guerra, igualmente pelos diversos modelos ocidentalizantes que se tentaram aplicar, levando a uma permanente desestruturação, instabilidade e incerteza que forneciam argumentos aos dirigentes para manterem um estado de exceção que justificava a penúria dos angolanos.
Ruy Duarte de Carvalho
22.06.2019 | por Kelly Araújo
a difícil assunção de uma guerra politicamente derrotada e o fecho traumático do ciclo imperial tenderam a produzir uma memória sobre a guerra colonial na qual – ainda que acentuando frequentemente a dimensão «trágica» ou «inútil» do acontecimento – sobressai uma leitura da participação no conflito como um gesto de dever e da figura do ex-combatente como alguém que fora vítima, ora dos «ventos da História», ora de uma guerra que fora obrigado a combater.
A ler
16.06.2019 | por Miguel Cardina
Cerca de um milhão (dados em constante mutação) de angolanos morreram na guerra civil. Como convivem os que sobreviveram a esta guerra fatídica com estas memórias traumáticas? Para onde foram estes militares pós guerra? Terão tido o acompanhamento necessário. E as famílias? O que foi feito à volta da humanização dos antigos combatentes? Para quando um investimento sério em «psicólogos da paz» ou mesmo academias e clínicas de especialidade?
Cidade
24.02.2019 | por Indira Grandê
Na obra Soliloquios en Inglaterra e Soliloquios Posteriores, escrita entre 1914 e 1921, o filósofo espanhol George Santayana disse: “Apenas os mortos viram o fim da guerra”. De facto, quando as guerras terminam, nem tudo aquilo que elas destruíram, criaram, violentaram e profanaram parece ter fim. Contudo, entre os muitos restos, destroços e heranças que as guerras vão deixando, e que inevitavelmente contaminam várias gerações, por vezes nem sequer os mortos parecem ver o seu fim.
A ler
17.11.2018 | por Fátima da Cruz Rodrigues