Apresentação do Livro “Avessamento” de Maria Giulia Pinheiro
“Se você disser que eu desafino amor”
com estas palavras, ouvi pela primeira vez
a Maria Giulia Pinheiro, Magiu,
que em entrevista dizia,
entre as suas várias ocupações que:
atua, dirige, performa,
escreve: poesia, conto,
anda pela dramaturgia
e - pelas palavras da mesma -
“às vezes dorme”.
Pessoa ativa,
geminiana,
“operária da palavra”
descreve-se, citando
“Sou o limite desse corpo e dessa existência,
e está bom!”
Neste livro,
reeditado pela Urutau, Avessamento,
Magiu nos dá um pouco a conhecer
o envelope corporal, emocional e poético
da sua existência,
de forma quase investigativa
e contemplativa.
O livro abre com um poema “manifesto”
num prelúdio para a transformação da palavra
para corpo,
num corpo poético
que se desdobra,
encontra e reencontra,
no avesso da literatura,
para
- pelas palavras da própria -
“abrir as entranhas como um ato político (…)
num processo de revelação de máscaras,
entranhas e eus”,
onde se desenham,
inscrevem e transcrevem
os órgãos transplantados para o papel
num exercício,
para pensarmos a palavra
- tal como dito -
como o osso, a carne,
em que os poemas ensaiam a realidade
na mesma medida em que a realidade é ensaiada
e reorganizada em cada reestruturação e radiografia.
Poemas tossidos pela pneumonia
de existir, de resistir,
na quebra proximal e distal,
do que é o dentro e o fora,
no espaço da alma e da fala,
demorada, encurtada e desabrochada.
Que nos faz questionar:
quem terá quebrado primeiro, as costelas
ou os poemas?
Nas suas releituras,
os poemas
traduzem mais lados destes reversos,
que encontram,
a meio do caminho, vários lugares
do corpo: edificado, conquistado, gozado, sublimado,
numa datilografia do sentir, do agir e da formação
e des-formação do ser despojado.
As letras encapsulam as viagens da palavra:
experimental, preliminar,
que rompem o expectável,
que cobrem o fumo,
onde as palavras em jeito de humor,
sem pudor,
abrem novos caminhos do amar
e do ser amado,
de estabilização e
desestabilização,
numa troca de papéis,
sem papéis,
com um corpo
que vira olhos,
pomba, canto, riso,
um corpo coreografado
com todos os seus lados
e eixos,
que sente, sangra
e ama.
Um corpo, por vezes, erótico,
caótico,
surreal.
Corpo lugar-de-tempo,
lugar sem lugar,
ficcionado, realizado
Corpo lugar por criar.
“Freud disse, não tem lugar que eu fui
que um poeta não tenha passado.”
e Magiu, com as suas palavras,
percorreu as fissuras do corpo,
do seu, do nosso,
do envolvimento e transparência,
do dentro para fora,
do fora para dentro,
em perpétua construção
e transição do Eu e da palavra,
cujas reconfigurações,
citando Marilda Ionta,
conferem a leveza para voar
livremente.
Repescando a citação de Natália Correia,
se este livro falasse provavelmente diria:
“Sou uma impudência a mesa posta,
de um verso onde o possa escrever.
Ó subalimentados do sonho!
A poesia é para comer”
Espero que desfrutem deste avessamento,
em forma de carne e alimento.
Um abraço com poesia à Magiu.
Casa do Comum, Lisboa, 14-dez-2023 (5ªf), 19h - 21h