Em Pérola sem rapariga, os tais largos minutos mudos são, pois, o tempo de uma desfaçatez em que se esborrata a pintura. Recusa-se, primeiro, num frémito, a fixação do rosto, e logo se reencenam as obras-primas do costume: Meisje met de parel, Vermeer; Les demoiselles d’Avignon, Picasso; Las meninas, Velásquez. Os nomes que lembramos são os deles, delas nada sabemos, ficaram-nos os títulos. Talvez por isso, imagino, Filipa e Sara desmancham a pose. Dizem-lhes para não mostrarem os dentes, e elas riem muito. Virá a libertação de um riso nu, despudorado? Urge, afinal, esconjurar o gesto venatório de quem mira, e entreabrir intervalos na ordem dos dias.
Palcos
20.05.2024 | por Inês Galvão