Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 12)

18 de dezembro – portuguize repareishen sa.

“oh abreu, dá cá o meu, seu palhaço,

eu sou um pobre zé e tu és um ricaço,

a natureza dá igual para todos,

mas tu levas sempre todos os louros.

merda!, faço tudo para vida ser bela,

mas há sempre um animal 

com a palavra final

e lá vai um gajo para o ponto inicial”.

(Black Company) 

Ufa, há muito tempo que não escrevo aqui. Já nem tinha a certeza de saber mais o alfabeto. Não queria, contudo, que o ano acabasse sem escrever umas linhas neste diário. Aconteceram tantas mas tantas coisas na Tugalândia, que nem saberia por onde começar e em que me concentrar. Também andei em outras andanças a tentar estudar as manias dos tugas europas e em descobertamento de outros tugas fora da Tugalândia, por isso acabei por nem comemorar o Dia do Pretuguês, epá! E este ano havia mesmo motivos para fazer isso. Sabem, os tugas têm vários eventos que só acontecem de quatro em quatro anos: jogos de futebol, jogos límpocus, eleições legislativas, sporting a ganhar o campeonato, e tudo isso se alinhou. Pera, o de sporting não está certo, acho que a cena deles é de vinte em vinte anos. Então, resumindo, foi um ano de festas, festivais, festividades, farras e folias. E ainda se comemorou os 50 anos da Revolução d’Escravos, numa cena muito pop que encheu as ruas, onde tugas brancos e tugas pretos, homopípoles e homofóbicos, machistas e mulheres, racistas e os volta-pra-tua-terra se tornaram amigos, abraçaram-se e cantaram juntos a “Grândola Viúva Moderna”. Se não fosse preconceituoso eu teria dito que enterraram o machado da guerra e fumaram o cachimbo da paz… maresia, sente a maresia, uhhh, uhhh! Então comemorar o dia do Pretuguês era mais que necessário.

Neste ano os tugas até comemoraram os 100 anos de Amílcar Cabral. Vejam lá só, primeiro foram lá para a Guiné matar Amílcar Cabral, o qual chamavam de terrorista, e agora estão a comemorá-lo e a financiar descolonização à moda tuga. Epá, é como Israel depois de gazacidar os palestinos, financiar mais tarde movimentos para comemorar o Checo Ahomedo. É assim, o fundador de hamas. Mas enfim, novos tempos, velhos hábitos. 

Voltando à Tugalândia, o chefe dos tugas, o Marmelo Rebelde de Sousa, disse que Portugal devia fazer reparação e… pera! Vou contar como tudo isto aconteceu. O chefe dos tugas franceses, o Manel Magrão, esteve uma vez a ouvir uma música de uns pretos da Margem Sul chamados Black Company, que diziam: “Oh, Abreu, dá cá o meu, eh. Oh, Abreu, dá cá o meu, eh”. O Manel Magrão percebeu mal, achou que eles estavam a falar de restituição e que estavam a dizer “Oh, Manel, dá ao Dahomey”. Então o Magrão foi logo mandar fazer uns pacotes com algumas estátuas que os seus ancestrais tinham rapinado daquilo que era Dahomey, e que agora é Benin, para mandar de volta. Disse que era para fazer reparação. E pronto, não venham cantar nunca mais o “ó manel” praqui. 

Então, o nosso Marmelo Rebelde de Sousa viu isso e aproveitou a deixa e disse que também devia fazer reparação, não sei o que ele nos queria mandar de volta, talvez os nossos chefes que estavam de visita na altura, mas os seus brodas foram todos: “Ahhhhhhhh, Marmelo, o que é isso, pá?”, e ele deve ter pensado: “Epá, calma aí, pá, calma aí, mô brodas, não é para dar dinheiro, pá, é só para ficar bonito na foto e entrar nos ânus da história como o presidente que quis reparar. É só concurso de popularidade com o Manel Magrão, pá, como o que faço com o Papá Francisco. Atão, não tão a ver que já tamos a reparar, pá, com a cooperação, pá? Temos de nos antecipar a esses gajos, pá, se não decidirmos nós como se repara e em que se repara, eles vão dar-nos muito trabalho, pá, temos de fazê-los pensar que lhes estamos a descolonoscopiar, pá… descolonizar. Descolonizar. Metam a cabeça nisso, pá!” E foi assim, tão rápido o Marmelo falou que ia reparar, como tão rápido disse já estava a reparar, a bater o recorde de ejaculação precoce reparacional. O Marmelo disse: “Epá, isto é uma ideia antiga minha, pá. Uma ideia que está a cuiar bué há cinquenta anos, pá, e tem dado frutos, pá.” De colónias percebe ele bem, filho de peixe… Afinal, mesmo antes desses pretos e crioulos tugas todos terem começado a falar de reparação na Tugalândia, mal a revolução d’escravos ter acontecido, o Marmelo colocou logo uma oficina a bumbar: portuguize repareishen sa., em inglês para atrair turistas, coopereishen and manutenshein of domineishen! 

Mas reparação é fogo bravo. Quando o Marmelo falou sobre isso assustou logo os chefes do bloco de países CAGAMOS-TE… CAGAMOS-TE?… Oras,  CA(bo verde) G(uiné) A(ngola) MO(çambique) S(ão) T(omÉ) – e/ou T(imor) (E)ste(?)… CAGAMOS-TE. Sim! Os nosso chefes retiraram-se da conversa, alguns talvez porque entenderam o jogo do Marmelo e não quiseram cair nele, outros porque não comentam opinião alheia, mas se calhar também porque talvez não tinham cintura para essa dança, pois apesar de alguns terem dito que era conversa para outro fórum, nunca mais voltaram a tocar no assunto, afinal, reparação é coisa dos A3: artistas, ativistas e académicos. 

Marmelo Rebelde também largou a história porque o André Tontura e os acólitos levantaram-se logo e gritaram à la Camones: “Dizei-lhe que também dos Portugueses / alguns traidores houve algumas vezes”. Sabem, todos os políticos têm medo do ultranacionalismo do Tontura, então foram todos ali ao Parlatório parlar sobre a reparação, para o lamento dos que querem ser reparados. 

Quando falei disso ao tio Paulo Bano ele me disse: “Cum caraças, os que devem reparar já começaram a discutir a reparação sem ouvir os que devem ser reparados.”, e disse mais: 

“Olha, sobrinho, fica bem atento, quando eles disseram que vão mandar estátuas de pau para cá, diz não e pede vistos, diz-lhe para só facilitarem os vistos, podem ficar com as estátuas. Diz ao chefe dos tugas que a reparação que queremos é do sait da Embaixada de Portugal na Guiné para que as pessoas consigam fazer marcações, diz-lhe que aquilo já não funciona há anos”. Coitado do tio Paulo Bano, ele acha que o Marmelo Rebelde de Sousa não sabe que aquele sait não funciona e que não vai reparar a marcação. Também penso que confundiu restituição com reparação. Ou será que as duas coisas são a mesma e eu é que estou confuso? Quem percebe bem disso é o Manel Magrão. 

Reparação é uma cena muita fish! Até a União Europeia fez uma lei de direito à reparação… não, não para os países independentizados, credo!, isso é esperar demais!,  mas para os consumidores europeus. Falar de reparação e restituições, fazer filmes sobre algo parecido, aliás qualquer filme feito por brancos sobre pretos, ou feito por pretos sobre pretos ou com palavra colonial pelo meio, é um afrodisíaco de culpa branca, que deixa os descolonizadores bem excitados, naquele masoquismo intelectual e vaivéns masturbatórios de mal-me-quero, bem-me-quero, não-me-quero, já-me-quero, vim-me em premiações, vim-me em museus, vi-me em festivais, vi-me em bienais e vêm-me-comer-à-mão. (FMI, Zé Mário). Quando é assim, os tugas europeus aplaudem e dão prémios: “Ebá pá, olhem como somos justos, pá!”, mas mal deixas a sala, são capazes de te encostar à parede junto aos outros reparados a mendigar bilhetes à porta do cinema para um filme que não foi feito para eles.

Bolas, vou ter que parar aqui porque vem aí a Pessipê.

por Marinho de Pina
Mukanda | 28 Dezembro 2024 | Diário de um etnólogo guineense na Europa