Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 7)
25 de Abril – a revolução d’escravos
Todos os anos, mas todos os anos, no 25 de Abril, os tugas entram na rua para comemorar a Revolução d’Escravos, mas coitados, acho-os tão confusos que nem entendem as suas próprias datas.
É assim, os tugas disseram que o 25 de Abril de 1974 foi o dia da Revolução d’Escravos, que os capitães do Abril foram tomar o poder lá na Grândola da Vila Morena, porque o povo ordena. Na verdade, o povo nada ordena, o povo é ordenado, porque os tugas não conseguem fazer nada por si mesmos, precisam sempre e têm mania de capitães, os quais adoram e até lhes fazem estátuas. Quando chegaram ao Brasil tinham um capitão, à Guiné, outro capitão, ao Moçambique, mais um capitão, e na Madeira é o Cristão Ronaldo o capitão.
Os tugas dizem: 25 de Abril de 1974 é a revolução que trouxe a democracia para o país, e é aí que eu fico confuso… mas então e o PREC?, e o Verão Quente?, e o 25 de Novembro de 1975?
Vou explicar tintins por tintins.
O PREC era um ogroooooo… hmmmm, desculpa, esse era o Shrek.
Quando no 25 de Abril se fez o primeiro golpe de Estado… desculpa, revolução, golpe de Estado é coisa de terceiro mundo… a revolução fez instalar no poder um bando de comunistas que diziam: “o povo é quem mais ordena, portanto vamos tirar dos ricos e distribuir aos pobres”.
Os ricos disseram: “calma aí, que história é esse de PREC pra aqui e PREC praí, o povo que vá ordenar lá no seu quintal e não entrem nas nossas propriedades que herdamos honestamente com a ajuda da ex-monarquia e do Santo António Salazar”. E a Igreja disse: “Os únicos Antónios que reconhecemos como santos é o Santo António Vieira dos meninos índios, o Santo António do menino Jesus, e o Santo António Salazar… quanto ao António Spínola, já vamos ver, se ele se converter santificamo-lo.” Claro que o Spínola se converteu, pois a coisa não fluía como ele queria, e ele intentou um novo golpe contra o primeiro que tinha dado… uma revolução em Março de 1975, que não correu bem.
O tio Paulo Bano Bajanca disse-me que os Capitães de Abril na verdade estavam mais preocupados com a sua própria vida, a sua posição (estava-se a criar demasiados capitães) e o problema de salário, e que foi isso que motivou o golpe (mas avisou-me para que não dissesse isso em voz alta em público, porque hoje os capitães são sagrados e algum jihadista tuga poderá atacar-me).
O tio Paulo Bano ainda disse que os capitães de Abril estavam na Guiné, no Moçambique e em Angola (a sua maior parte na Guiné, onde começou tudo), e os que eles chamam turras estavam a complicar-lhes a vida seriamente e a anular-lhes a vantagem tática militar, e eles começaram a questionar a “sustentabilidade” da Guerra. Se estivessem a ganhar a guerra, continuariam a ser capitães de todos os meses, mas lá nas Áfricas. E enquanto eram apenas os soldados limpa-pias, miúdos brancos pobres e os pretos pobres alistados, que morriam, não havia problema, dava para continuar a ser capitão, mas quando milicianos alegadamente começaram a ser nomeados capitães, a coisa começou a feder, os que viriam a ser os de Abril disseram: “Então, pá, que história é esta, pá, estão a estragar a classe, pá!”, e depois quando não lhes quiseram dar salários mais chorudos eles disseram: “Foda-se, Marmelo Rebel… Marcelo Catana, estás a cortar em tudo, pá, pensas que és o Caço Coelhos ou quê, pá? Mau, mau, menino. Vamos dar-te um golpinho, ai, vamos. Não sabes que não se deve meter com os militares e com os ricos, pá, ou queres levar com uma revoluçãozinha, pá?” O Marcelo Catana, padrinho do nosso Marmelo Rebelde, como não estava atento, foi ele mesmo cortado, pumba, toma, 25 de Abril. Meteram-se com os militares, golpe de estado, queriam o quê?
Mas aí é que está a cena, não era nenhuma Revolução d’ Escravos, mas da burguesia militar, que depois foi sequestrada pela burguesia civil. O Zé Povinho tem lá tempo para revolucionar, ele continua escravo.
Mas é verdade que havia bons capitães, com ideais mais nobres e mais sociais do que a mera questão do salário e da classe. Até havia capitães comunistas que queriam abolir mesmo a classe. E esses juntaram-se lá com os comunistas e começaram a tomar tudo dos ricos e os grandes donos do dinheiro, amigos do Santo Salazar, bazaram para o Brasil, outros converteram-se imediatamente ao comunismo, para escapar à inquisição e começaram a gritar: “Viva a revolução! Viva a revolução!”.
Então os gajos dos PREC disseram-lhes, “ainda bem que concordam, precisamos das vossas terras e dos vossos prédios por causa dos retornados que estão a chegar em catadupa. E queremos criar sindicatos para que possam receber melhores salários e não serem assim tão explorados!”. Os gajos do PREC ainda disseram “ouve lá, a nossa cena é muita cool e muita alternativo, meio hippie, meio yuppie, meio hipster, tipo, sabem, não queremos um socialismo tipo CCCP (Cuidado Com os Camaradas do Partido), nem uma cena tipo capitalista, mas vamos fazer um socialismo tipo democrático tipo o de Bernie Sandes, aliás não se esqueçam que tipo até fizemos eleições já!”.
Então os ricos recém-convertidos, disseram: “Porra, pá, a revolução é bem-vinda, pá, mas que fique longe das nossas posses, pá. Estão a dar as nossas coisas aos retornados, pá, e eles nem são portugueses de verdade, pá! Fechem as fronteiras, pá, eles que voltem para as suas terras, pá. Precisamos de uma nova revolução, pá”.
Então apareceu o Super Mário Suares, como salvador dos ricos (ele mesmo, como o Marmelo Rebelde de Sousa, filho de um antigo ministro das colónias), criou uma fundação que foi financiado pelos americanos da TIA, que tinham vindo cá passar um Verão Quente em 1975, com barcos e tudo (o que inspirou o Paulo Tortas a comprar submarinos e o Sócrático a ir passar o verão em França, financiado pela MÃE), e pumba, toma, 25 de Novembro. Meteram-se com os ricos, revoluçãozinha, queriam o quê?
(Os tugas e o 25, meu!, desde que Jesus começou essa moda em dezembro, pegou seriamente)!
Com o 25 de Novembro de 1975, ano e meio depois do 25 de Abril de 1974, a segunda revolução, correram com os comunistas do poder, estes ficaram nos sindicatos. Disseram que os comunistas estavam a comunistar o país e que iriam torná-lo numa Correia do Norte ou numa Venezuela de Está Ali Né, e que isso não era democrático, pois os comunistas começariam a comer criancinhas (isto já foi a Igreja preocupada com a concorrência). O democrático é deixar os ricos manterem as suas posses e os pobres, o proletariado e os retornados que se fodam, afinal por que não escolheram nascer em bons berços, ou por que fizeram um pé-de-meia em vez de bolsos fundos protegidos pelo Estado? A Igreja, os Espíritos Santos, os Chupalimões, os Souteu Mayor, entre outros, recuperam os seus poderes e a sua influência e continuaram na berra, a lixar o povo desde então.
Eis a razão porque não entendo essa história de que o 25 de Abril foi a revolução que trouxe a democracia, pois pelo visto, ele iria trazer mas sim o comunismo do Está Ali Né, logo foi o 25 de Novembro que trouxe a democracia. O 25 de Abril ainda falou do povo, mas os que ficaram com o poder depois do 25 do novembro, só falaram do dinheiro.
Imaginem que em 2021 chegasse uma massa de portugueses como a quantidade dos retornados que veio depois do 25 de Abril, e sem os comunistas e os esquerdalhas para os acolher, morriam todos afogados no mediterrâneo.
Se a revolução do 25 de Abril foi contrarevolucionada pelo 25 de Novembro, porque se fala ainda do 25 de Abril?
Se o 25 de Abril foi a Revolução d’ Escravos (o que duvido muito), e é representado pelos cravos, o 25 de Novembro é então a Revolução dos Donos d’ Escravos, representado pelo algodão(?). Ahhhhh, agora entendi, o primeiro soa melhor e é mais publicitável. Por isso foi sequestrado pelos contrarevolucionários capitalistas.
Agora andam por aí a dizer que o 25 de Abril foi para libertar as colónias, ui, que nobreza, e para acabar com os escravos e outras cenas de opressão, mas como escreve aí um amigo de um conterrâneo meu, chamado Apolo do Caralho:
“Se por revolução se intende ‘rotura radical’, em que medida um acontecimento pode assim ser chamado se mantém tantas coisas do passado como por exemplo um hino e uma bandeira erguendo inclusive, esses símbolos, à qualidade de ‘dogmas’ constitucionais que ninguém pode contestar sob pena de punição? (…) Se por revolução entendemos momento de acertar as contas e construir novos pactos, porque razão os criminosos de guerra não foram julgados? Se entendemos que uma verdadeira revolução só o povo pode fazer, só ele é autor, porque razão tantos títulos de ‘heróis’ são atribuídos a militares tão só?”
Se Spínola tentou um golpe contra o golpe que lhe deu fama, e se houve outro golpe que golpeu o golpe de Spínola, por que ele é visto com um revolucionário e herói português?
Ai que confusão! Vou colocar a cabeça em gelo e escrever um pedido de desculpa formal aos jihadistas nacionalistas portugueses..