Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 10)

15 de janeiro – tugalândia colonial

Escrevi aqui sobre a relação dos tugas com a água e depois com a comida, e, como todos sabemos, a combinação destas duas coisas resulta em merda, não no sentido merdoso do termo, mas de cocó, portanto simpático.

O tio Paulo Bano Bajanca uma vez me disse: “Sobrinho, não tenhas medo dos que fazem cocó; o cocó é bom, até crianças o fazem, mas fica bem atento aos que fazem merda”. 

Quem come caga, não há volta a dar. Onde há muita comida, há muita cagada. E na Tugalândia caga-se muito, em todos os sentidos. Natal foi há pouco tempo, e se alguma coisa se fez em abundância nesse dia foi mesmo merda, não do tipo que esvaziou as estantes de papel higiénico nos primórdios da covid, mas a estrumosa (que infelizmente é desperdiçada depois em sistemas de esgotos). Acho que os tugas podiam sempre fazer uma campanha de Natal, do tipo: “Cagar pela floresta! Nós plantamos, tu cagas e juntos fertilizamos!”, porque parece que os governos tugas estão numa campanha própria de “cagar para a floresta e para o meio ambiente!”, porque assim sempre verão fogos no verão, e podem cavar lítio em muitos sítios, e podem caçar animais em herdades e coisas assim, emulando o governo da Guiné que deita lixo em bolanhas, faz fábricas em zonas húmidas, enterra parques para construir mesquitas, corta dezenas de hectares de floresta para tugas espanhóis plantarem maracujá… ou o nosso governo é que emula o tuga?, não sei.

Este ano fez-se tanta cagada na Tugalândia que nem sei por onde começar. Algumas delas, todavia, não são recentes, mas continuações de outras antigas. Por exemplo, há mais de um ano, a polícia tuga que tinha apanhado um rapaz e o metera na prisão, por mais de onze meses, porque este tinha furtado um telemóvel e largado a correr… o que é engraçado, porque eles têm cá um tal Ricardo Sagrado e um José Berrado, que se diz terem roubado milhões a bancos e prejudicado milhares de pessoas, mas que andam tranquilos e nem põem pé lá na esquadra, os polícias é que correm para a casa deles para os guardar. O amigo deles, o Zé Socrático é que teve uma sorte menos simpática, porque até padres pedófilos levam com pena suspensa. Bem, a justiça na Tugalândia é tão mítica quanto na Guiné, mas melhor, deve-se dizer, pois se na Guiné todos conhecem alguém que já a viu, mas nunca a viram eles mesmos, aqui, na Tugalândia, pelos menos alguns dizem que já a viram… na televisão.

Como estava a contar, apanharam o rapaz, chamado Danijoy Pontes, e meteram-no na prisão. Um tempo depois ele acordou lá morto. Aliás, outros rapazes também acordaram lá da mesma maneira. Os chefes da prisão disseram que lá uma epidemia que mata jovens de ataque cardíaco e que esses rapazes infelizmente sofreram disso. Foi preciso a família sair à rua, as pessoas saírem à rua, para pedirem outra versão dessa história, para que os chefes tugas dissessem que iam fazer um remake. Parece que a história contada pelos chefes da prisão sobre Danijoy não batia boca como perdia a gota, porque era totalmente diferente da versão da família. Até o chefe tuga, o Marmelo Rebelde de Sousa mandou afetos à família, e prometeu ajudas, e deu um número de telefone, para depois a dona do número recusar atender e conversar com a família.

A família falou que podia haver racismo neste caso e isso indignou os chefes tugas. “Racismo?! Não venham prá cá com racismos, pá, racismo praqui, racismo praí, já enjoa, pá. Aqui na Tugalândia somos tudo, mas tudo mesmo, menos racistas. Somos nepotistas e somos corruptos, pá, apalpamos gajas no autocarro e mandamos polícias porque duas mulheres estão a beijar-se, pá, somos homofóbicos e somos transfóbicos, pá, roubamos bancos para contas offshores e fazemos ajustes diretos com amigos, pá, dificilmente prendemos os ricos ou eles fogem para África de Sul, pá, deixamos bebés morrer porque fechamos as urgências obstétricas e deixamos crianças morrer se não podem pagar por tratamentos caros, pá, violamos crianças e pedofilamos na igreja (mas em número reduzido, é certo, como atesta o Marmelo, pá), somos aceleras e os nossos ministros fazem acidentes na autoestrada, pá, despimos o povo para dar dinheiro aos bancos e a TAP pá, pá, não temos dinheiro para pagar à empregada e matamos as nossas mulheres à pancada quando o Benfica perde um jogo, pá, podemos ser uns filhos-da-mãe e odiamos os ciganos, pá, mas, porra, pá, racista, racista é que não somos, pá, não nos chamem racistas, pá, seus cabrões pret… neg… afric… afroport… pá, porra, pá, seus cabrões pretos ingratos do caralho, pá. Maaaaas… por que não voltam mesmo para a vossa terra e acabamos com essa história, pá?”

Tirando os tugas pretos e os tugas ciganos, todas as outras pessoas da etnia tuga geralmente concordam com isto: a Tugalândia é tudo menos racista. Até o chefe dos polícias tugas, o Manel Vagina da Silva, concorda com isso, ele diz que se há polícias racistas é só um poucochinho e nem sequer são extremistas. Convém que as pessoas não se deixem enganar pelos milhares de mensagens nas contas do facegram dos polícias ou pela forma como tratam os pretos, são só formas exageradas de carinho, é só BDSM… se calhar. E a outra senhora também, a Inês de Castro Maneiros, aquela que já resolveu os problemas coloniais na Tugalândia, garante, com atitude da dona da bola, que aqui não há problemas de colonialidade e “quem não concorda comigo não joga ou eu faço logo uma birra”. Provavelmente ela garantiria que não há racismo também na Almada Negreiros Colonial. Mas eu não entendo a raiva dela, se Almada até tem Negreiros no nome como é que não é colonial? Ou estarei a misturar coisas? Almada, Armada. Se calhar acham que a Almada não pode ser colonial, porque já há muito tempo que correram com os colonialistas árabes de lá, pois, como se vê, só o nome árabe ficou.

A cena é sempre esta, os tugas fazem muitas cagadas, mas quando querem limpar não percebem que limpam mal. Estou a falar mesmo a sério, os tugas não lavam o rabo. Apesar de terem muita água aqui, quando cagam, limpam-se com uma carta e atiram a carta para a sanita, e, é claro, a sujidade não sai. Já alguma vez tentaste limpar a papa de criança com uma carta? Vais sujar mais do que limpas. E mesmo que a maioria da papa desapareça ficam rastos percetíveis. É isso que fazem cá, tentam limpar cagadas, mas só a escondem, espalham-nas pelo rabo e fica sempre aquele odor perfumoso a cu que incomoda, principalmente, num elevador fechado, e depois deixa aquela marca amarela no fundo das cuecas. Escatologismo à parte, mas deviam lavar o rabo com água, como fazemos na Guiné. A Guiné pode estar suja e cheia de lixo em todos os sítios, até em ministérios, hospitais e centros de saúde, mas temos sempre o rabo limpo, ou encontramos sempre alguém que vai jurar na rádio que o temos limpo, dizendo que tirou um mestrado em “culambismo” na Europa, por isso estamos sempre à vontade para falar de tudo. 

Os tugas não gostam de falar de colonialismo e de colonialidades, porque já a ultrapassaram, mas passam a vida a glorificar os seus chamados “heróis do mar” e conquistadores, que até o cartão de transporte nas suas cidades se chama “navegante”. Eis por que quando um tuga preto, o Dino de Santo Largo, observou que se devia mudar o hino por ser violento, caiu o cravo e a maternidade, os tugas tugas revoltaram-se: “volta para a Quarteira, pá, maldita a hora em que vos colonizamos, pá, agora vêm para cá mandar bitaites, pá! Nós somos um jardim plantado à beira-mar, pá.” Os tugas não gostam que se mexam com os seus símbolos, até parece que todos eles foram entregues ao D. Sebastião em dois tablets num nevoeiro pelo próprio menino Jesus, e até parece que esse tal hino hoje sagrado não era só uma canção de uns dois fulanos que depois foi atirado sobre todo o povo tuga, que o venera agora como se tivesse consentido na sua escolha ou participado na sua escrita. Eu até acho que a “Grândola Viúva Moderna” é que devia ser o hino, porque não é violenta e é a música mais importante depois do golpe de estado de 1974, e fala da fraternidade e de gajas em cada esquina, mostrando bem como o país está cheio de putas e vinho verde. O tio Paulo Bano tinha-me ensinado o hino da Tugalândia, mas afinal ele não sabia bem a letra, mas ainda assim o hino era violento.

Os tugas estão tão entranhados nisso do mar que agora se voltam também para o ar. E tal como jogaram muito dinheiro no mar, nas suas invasões, agora jogam dinheiro no ar, numa coisa chamada TAP, que em vez de carcavelos tem aviões. Os chefes tugas brincam com a TAP, tomam o dinheiro dos tugas e metem nela, para torná-la bonita e depois vendem-na, muito barata, e depois quem a compra destrói-a e os chefes tugas tomam outra vez o dinheiro dos tugas e compram a TAP de volta, desta vez mais cara, e metem mais dinheiro nela, para poder vendê-la, de novo mais barata, e eu fico a pensar, sim, vocês estão a navegar, mas na maionese. Os chefes tugas dizem que a TAP é fundamental para serem invadidos pelos tugas de outras europas com mais dinheiro, turismo, dizem eles. Assim os tugas ricos ficam mais ricos e os tugas pobres são expulsos das cidades que se tornam gentificadas… é a mania colonial de dividir as pessoas entre gentios e civilizados, acho eu. Gentificar significa que só os ricos são gente, e só gente fica, os pobres que se vão embora.

Os chefes tugas ainda andam com o complexo de colonizar, apesar de não gostarem da falar da colonização, e como hoje já não se aceita muito bem invadir outros povos para os colonizar (os tugas russos que o digam), então adoram vender a Tugalândia para criar colónias de tugas ricos reformados de outras europas, dão aquela coisa que eles chamam de “visto gordo”, porque só quem tem bolsos gordos o pode obter. E para se vingarem do Dino Santo Largo, deixaram os tugas ingleses colonizar a Quarteira (tadinho!, o gajo já nem pode voltar para a sua terra). Os tugas ricos das outras europas chegam, gentificam as cidades, e os tugas pobres da Tugalândia fogem para as outras europas mais ricas, como emigrantes, trabalhar nas obras, nas limpezas ou como porteiros, e vivem nos guetos; ou então vão para a Guiné, como despatriados, trabalhar nas oenigês e viver como senhores, e gentificam a Guiné, por seu turno.

Como tudo é feito através da TAP, um dos sítios mais nepotistas da Tugalândia, no último ano deram um prémio chorudo à sua chefe, por esta ter feito cagadas, como já deram prémios chorudos a vários outros chefes de bancos, que fizeram cagadas, ou a chefes de empresas públicas que também cagaram e depois disseram que não sabiam o que se estava a passar na sua empresa. Mas os chefes tugas gostam de dar prémios e condecorações, sendo bastante comum que muitos dos seus condecorados e premiados tenham históricos complicados com os direitos humanos ou acabam a cagar na justiça. Da última vez, o Marmelo Rebelde até condecorou Amílcar Cabral, um grande pensador que os chefes tugas mandaram matar porque era uma pedra no seu caminho e que agora querem usar para construir um castelo. Assassinaram-no e depois condecoram-no, “mas não querem abrir os arquivos para vermos quem o mandou assassinar”, disse o tio Paulo Bano quando lhe contei. Nem sei se isso se configura como cagada ou como hipocrisia ou só aproveitamento mediático para brincar à decolonialidade na Tugalândia Colonial. Ainda ontem os tugas fizeram ao Amílcar Cabral uma festa no parlamento, para o lamento provavelmente do André Tontura e dos seus amigos que gostam mais do Marcelinho Mata, que também já foi homenageado pelo mesmo Marmelo. Que contraditório, Marmelo quer agradar tanto à Greta quanto ao Tatiano. Não admira que os tugas fujam da Tugalândia. 

Os tugas vão para as outras europas e dizem que são mais desenvolvidas que a Tugalândia, será que é porque se caga menos nessas europas? Por exemplo, os tugas da Alemanha não cagam muito. Vais a um colombo na Hitlerland e eles só têm uma casa de banho, mas na Tugalândia o que não falta nos colombos são casas de banho. Cada piso tem várias, e estão sempre a ser usadas, o que me faz concluir que se caga muito na Tugalândia. Por isso os colombos têm de funcionar mesmo aos domingos enquanto na Hitlerland não. Talvez como cagam menos lá é que são mais ricos, gastam menos em papel higiênico. Isso explica por que se diz que a Tugalândia é o cu das europas.

imagem de DW, manifestação solidariedade para com Danijoy Pontes, 6/11/2021.imagem de DW, manifestação solidariedade para com Danijoy Pontes, 6/11/2021.

Conclusão, o desenvolvimento tem tudo a ver com merda. Se comparados com a Guiné, nós nem temos colombos, nem casas de banho públicas, então qualquer valeta, qualquer árvore, qualquer passeio, qualquer contentor, qualquer muro num espaço público serve de urinol, e às vezes de caganol, principalmente à noite.  Logo, os tugas vão à Guiné, pois tirando o saudosismo colonial, lá nós veneramos os brancos, e como dá até para cagar na rua, por isso têm vantagens. Os hitlerlandianos são rígidos e tensos, não cagam, logo são mais ricos. Os tugas da Tugalândia cagam muito, são mais descontraídos, mas não cagam na rua, logo são o segundo mais rico. E nós na Guiné mijamos e cagamos em tudo e em todos os sítios, mesmo em paredes dos hospitais e no parlamento, por isso até um tuga pobre consegue ser mais rico do que nós lá. Acho que é por essa razão que alguns tugas europeus vão com as suas oenigês às nossas tabancas na Guiné para fazer dinheiro a ensinar as pessoas a não cagar no mato, porque isso atrasa o desenvolvimento e faz com que não tenhamos necessidades de colombos.

Na Guiné fazemos merda à vontade e à grande. Três jovens encontrados mortos na prisão, na mesma altura, da mesma maneira, seria supernormal se fosse na Guiné, seriam apenas mais um “caso isolado”, uma falta de paracetamol no hospital, ou uma mandjidura. Mas sabemos que não há futseros na Tugalândia, e os futseros guineenses que vêm para cá, como têm que acordar bem de madrugada para ir trabalhar não têm tempo para andar a voar à noite à procura de alguém para comer. O Tio Paulo Bano disse-me uma vez: “Os tugas usam a sua futserundade não para matar uns aos outros, mas para desenvolver a sua terra”.

Na Guiné, jovens a morrerem é normal, é o nosso dia-a-dia, pois temos régulos que são os únicos a mandar, mas ainda assim isso é suspeito. Agora, esse tipo de merda na Tugalândia é para lá da cagação ou deita-fora, é para lá da negligência, é criminoso. Por essa razão as pessoas continuam a pedir justiça para Danijoy Pontes e para muitos outros jovens mortos na prisão de “ataque cardíaco”, mortos pela força policial (que o Vagina insiste em dizer não ser racista) ou jovens, como o Alcindo Monteiro, mortos por racistas declarados.

Nem só a força policial portuguesa é racista, como também a força judicial parece ser, vamos só ver. No grupo que assassinou o Alcindo Monteiro, estava um tal Mário Manchado, um gajo tão nazista, tão nazista que até os nazistas da Ucrânia o rejeitaram, e que até o tonto do André Tontura chama de bandido. Mas a justiça portuguesa, que mandou prender Danijoy por roubar telemóvel, levantou a medida cautelar do Manchado que tem armas de fogo e incentiva ódio, para que fosse dar “ajuda humanitária” aos ucranianos, como se os pretos ameaçados por esse criminoso não fossem humanos, e como se um declarado criminoso nazista pudesse ser humanitário. Nada de extraordinário, pois a coisa até tinha sido convidada à televisão, por um tal Manel Luís Brocha, que tinha uma rubrica: “os bichos também são boas pessoas e devem ser ouvidos e acarinhados”. Quando o juiz Carlos Alexandre Frota resolveu pornear com a Dona Justiça e levar o tuga preto Mamade ao tribunal por este alegadamente ter ofendido a honra nazista do Mário Manchado, viu-se que o rei vai nu e ficou claro que a força judicial tuga também brinca ao racismo em nome da proteção da Tugalândia não-racista, aproveitando chances para atacar quem chama à Tugalândia de racista. A Tugalândia que usa a sua estrutura judicial para asseverar que o nazismo é honroso e pode sofrer difamação, tadinhos dos nazistas.

Justiça colonial. Almada colonial. Tugalândia colonial. Europa colonial. Só não falo do meu patrão colonial para não ser despedido. Ele diz que adora os guineenses, pois trabalhamos até fora de horas, aos feriados e aos domingos e nunca reclamamos (não lhe posso dizer que estamos habituados a chefes únicos, para não lhe dar mais força), e diz que até ficamos comovidos quando só nos paga metade do que nos deve (também não lhe posso dizer que na Guiné nem sequer somos pagos pelos nossos governos e que é por isso as oenigês tugas nos pagam, para fazer o trabalho todo, um décimo do que pagam aos tugas despatriados, e nós ficamos bastante agradecidos e oferecemos panos-de-pente), e o meu patrão ainda diz que nos adora, porque mesmo quando nos atrevemos a reclamar, não entende nada do que dizemos por causa do nosso pretuguês.

Falando nisso, a Tugalândia passou por um ano cheio de cagadas, o que me distraiu bastante que nem comemorei o DIA DO PRETUGUÊS no último 15 DE DEZEMBRO, e nem falei dos tugas pretos premiuns, os novos representantes do lusotropicalismo… mas, também, desses já não falo mais, pois como o tio Paulo Bano me disse uma vez: “Sobrinho, sobrinho, cuidado, aconselhar demais parece inveja. Aprende a falar pouco e só o bastante, pois quem fala muito tem muita chance de dizer merdas”.

P.S.: Peço desculpas aos bichos por tê-los comparado com os nazistas.

 

por Marinho de Pina
A ler | 15 Janeiro 2023 | Alcindo Monteiro, Danijoy Pontes, Diário de um etnólogo guineense na Europa, Guiné Bissau, Marcelino da Mata, Portugal, Racismo