Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 4)

17 de outubro – etnólogo dos enólogos 

Os problemas da Covid não me têm ajudado muito em focar-me nos últimos meses. Queria escrever sobre tanta coisa, mas falta tempo, quer dizer, tenho muito tempo de sobra, só não sei o que fazer com ele. É que os tugas, tanto os de Portugal, como os tugas da Europa têm andado a obrigar as pessoas a ficarem fechadas dentro das suas casas, dizendo que é para não apanharem Covid. Não entendo nada, primeiro diziam que os seus velhotes andavam sem-vida, agora por causa da Covid, mandam-nos ficar em casa, sem visitas e sem-vida, e ainda chamam à doença de Covid. Qual com vida!

O tio Paulo Bano Bajanca tinha-me ensinado para ficar desconfiado quando os tugas me mandam ficar em casa, ele disse assim: “Sobrinho!, fica desconfiado quando os tugas te mandam ficar em casa e te dizem para não sair, porque, de repente, quando te mandam sair, já nem a tua casa te pertence. Foi o que fizeram na Guiné.”

Eu, às vezes, pensava que o tio Paulo Bano exagerava, mas descobri que não. Toda a história dos tugas da Europa é desse tipo, tios que matam sobrinhos para tomar o poder, irmão que mata a irmã, irmã que guerreia irmã, primo que mata o sobrinho, tio que casa a sobrinha, uiiiiii.

Dom Afonso HenriquesDom Afonso Henriques

Aqui em Portugal, por exemplo, os tugas têm aquele gajo que eles chamam de Avenida Don Afonso Henriques, aprendi que o rapaz da mãe dele entregou-lhe um castelo, e ele, de repente, disse que o castelo lhe pertencia e mandou bater na mãe e ficou com o castelo e foi lá que ele que inventou Portugal, ou descobriu Portugal, nem estou certo. Os tugas tiveram assim um mau arranque, estás a ver?, mas o pior é que ficaram a copiar o seu inventor, foram à Mouraria, fingiram que foram ver azulejos e tomaram aquilo, foram ao Algarve, fingiram que só tinham ido à praia e ficaram com aquilo (agora os tugas ingleses estão a fazer-lhes a mesma coisa) , chegaram ao Brasil, fingiram que eram amigos e tomaram aquilo, foram à Guiné, fingiram que eram amigos e tomaram aquilo, Angola, Moçambique, Timor, os impostos dos outros tugas coitados. Por isso é que o tipo Paulo Bano diz que os tugas são como macacos, se lhes estenderes a mão, eles sobem-te pelos ombros. Mas também, disse ele: “Toma muito cuidado, conhece primeiro alguém antes de julgar esse alguém. Não é a cor ou a raça de alguém que faz com esse alguém seja bom alguém… por exemplo, olha só para os que mandam na nossa terra.”

Hoje, como os tugas tomadores já não podem tomar de qualquer maneira as coisas dos outros de outras terras, então os chefes dos tugas tomadores começaram a tomar as coisas dos outros tugas mais coitados. Por exemplo, arranjam um amigo tuga, metem-no num banco, esse rouba muito dinheiro às pessoas tugas coitadas e as pessoas tugas coitadas ficam sem dinheiro e choram; então os chefes dos tugas tiram o amigo tuga do banco, metem outro amigo tuga e tiram novamente o dinheiro às pessoas tugas coitadas para pagar o estrago que o primeiro amigo tuga fez, e enquanto isso o novo amigo tuga fica a tirar o dinheiro às pessoas tugas coitadas outra vez e, de repente, às pessoas tugas coitadas ficam sem casas, sem empregos, porque o amigo tuga dos chefes dos tugas tomou-lhes o dinheiro todo. Muitos desses tugas coitados acabam por desesperar e matar a cabeça. Mas achas que os chefes tugas se importam? Nem pliu.

Quando contei isso ao tio Paulo Bano, ele disse: “Olha só para veres!, se eles fazem isso com os seus irmãos tugas, achas que é a ti que vão perdoar?”.

Ontem um dos chefes dos tugas, o Marmelo ou Martelo, não me lembro direito do seu nome, só me lembro que ele gosta de abraçar os tugas coitados. Ele e o Papa Francisco, um tuga que vive na Itália e pensa que fala com Deus (mas ninguém o mete no centro mental), eles parecem estar numa competição de quem abraça mais coitados. E ficam tanto a falar dos coitados e da coitadeza, enquanto comem do bom e do melhor. Ah, quase que me esquecia, sou muito distraído… O tuga Marmelo disse que muitos outros países democráticos obrigam as pessoas a usar máscaras, logo está bem Portugal obrigar as pessoas a usar máscaras. O Marmelo esqueceu-se que muitos países democráticos invadem outros países e fazem merdas em outros países (como a frança e o seu Franco CFA na África Ocidental), sem deixarem de se chamar democráticos, mas não quer dizer que isso é bom ou justo… naaaaaá, acho que ele sabe, porque pelo visto, lê muito quando não está ocupado a abraçar os pobres.

O tio Paulo Bano disse que quando Amílcar Cabral estava a lutar para libertar a Guiné dos tugas maus, ele publicou lá na Inglaterra, com o nome Abel Djassi, um trabalho que mostrava o mal que os tugas faziam na Guiné. Mas… que esses mesmos ingleses que apoiaram a publicação, estavam na África do Sul a castigar os pretos. “Não te fies, sobrinho, os poderosos sempre ficam do lado um do outro e apoiam-se uns aos outros e dão aqueles prémios chamados Prémios Ignóbeis de Paz um ao outro, enquanto o resto do mundo continua em guerras”.

Depois de ter ouvido estas palavras do tio Paulo Bano fiquei muito preocupado com a Guiné-Bissau, a terra que deixei para trás por causa desta minha vontade de etnólogo de estudar a raça tuga. Os chefes dos tugas estão agora a olhar muito para a Guiné-Bissau, a prepararem visitas e tal, e eu fiquei com a pulga atrás da orelha, será que querem é ir atrás da madeira?, pois parece que da última vez perderam para os tugas da China. E agora que os nossos tugas-de-terra começaram a sangria de novo, os tugas de Portugal não querem ficar de fora. Ou será que é por causa do Petróleo que vai ser cavado na Guiné numa zona protegida como Reserva da Biosfera? Ou têm é outra ideia na forja?

Epá, esses chefes tugas são mesmo como a Avenida Don Afonso Henriques, querem tomar tudo para si e para os seus compadres e compadriagens. Agora querem é entrar no nosso telemóvel… entrar é fácil, o problema vai ser tirá-los de lá depois, pois uma vez dentro, vão começar a arranjar outras razões para lá ficarem. Não se deve dar aos ivan dráculas a permissão de entrarem na tua casa, é um mau precedente. Perguntem à mãe da Avenida, ela que vos diga. 

Mas os chefes dos tugas sabem que conseguem fazer o que querem dos tugas, porque os restantes tugas, tanto os coitados como os assim-assim, aqueles chamados de Zé Povinho, são todos uns porreiros: reclamam, escrevem artigos na Internet, dão entrevistas, escrevem livros, mas depois “bebem vinho verde e vão às putas” , disse um tuga europeu qualquer, e ficam todos calmos e vão pagar impostos de novo para salvar algum banco ou alguma TAP. Os tugas são enólogos, sabem tudo sobre vinhos, desde que haja vinho, está tudo bem, bebem até na autoestrada. E se os tugas Zé Povinho deixam os chefes tugas meterem a mão nos seus bolsos, achas que é um aplicativo no telemóvel que os vai preocupar?

Adoro os tugas, pá, são tão calmos e tão passivos com os seus chefes tugas, que até se entalam e morrem num portão lá em Martim Moniz só para deixar os chefes tugas contentes. A única maneira de espevitar os tugas é dizer-lhes que Portugal é racista. Aí, juro, cai o Cravo e a Maternidade…..

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PS: Disseram-me que Covid afinal não significa com-vida, e que não foi o tuga português que o descobriu. Ai, que descobrimento.

por Marinho de Pina
Mukanda | 19 Outubro 2020 | atualidade, opinião, política, Portugal