Diário de um etnólogo guineense na europa (dia 8)
15 de dezembro – dia do pretuguês
Ai, minha mãe de mim que me pariu! A Tugalândia é complicada. Por mais que tente não consigo acompanhar as coisas, é tudo tão rápido e tão sacalatado. Antes de acabar de pensar numa coisa para a entender, já está a acontecer outra.
Tivemos uma coisa aqui chamada Web Summit Con, uma mistura de Sumo e Kumite, onde pessoas pagam muito dinheiro para entrar num ringue ou fazer apostas para conseguir o número de telefone de algum alguém endinheirado. A Camarada Municipal de Lisboa diz que é para ajudar os pobres, só que “con”, na língua dos tugas de américa, que são os donos desta Web Summit Con significa trapacear e intrujar pessoas. Eu pensava que tinha a ver com homem-aranha, mas afinal, nada disso. Mas vou… hei de pensar sobre isso com mais calma… algum dia… eventualmente.
Bem, antes de mais (ou ‘depois’ de mais, considerando que já escrevi dois parágrafos), nos últimos tempos não escrevi nada e desta vez é por preguiça mesmo… Quer dizer, não é preguiça preguiça propriamente, mas vontade de inação. Acordar de madrugada para voltar à casa à noite não deixa tempo para pensamentos e reflexões, principalmente quando tudo parece acontecer tão rápido, a cabeça fica tão cansada que só se quer ver um filme de Vandam e dormir. Por isso digo que não é preguiça, porque preguiça é um luxo hoje que na Tugalândia é destinado só a alguns. O tio Paulo Bano sempre me disse que a preguiça é uma escolha, mas eu não o entendia. Mas não é só a preguiça que é destinado a alguns, tem outras coisas também.
Muitas coisas têm acontecido por cá que eu deixo passar, não por serem pouco relevantes, mas porque são bastante recorrentes que muitos até pensam que fazem parte da normalidade. Não estou a falar da PSP, nem dos banqueiros tugas que roubam milhões e lesadores tugas que fogem da justiça, e são bem guardados na sua casa, com segurança à porta, enquanto miúdos que roubam telemóveis aparecem mortos na prisão, aparentemente pelos próprios guardas, menos ainda do gajo multado porque filmou um polícia a abusar da sua autoridade sobre pretos. Estou a falar da tugaliose… aquela doença que imbeciliza nacionalistas.
O orgulho tuga é manifestado em quatro elementos: os descobrimentos, o Santo António Salazar, o 25 de Abril e o Cristão Ronaldo e todos eles parecem contraditórios, e todos eles têm estátuas…
… Quê!!!!!? Salazar não tem? Então e aquela da Santa Comba Dão? E aquela dos Descobrimentos, que é tão venerada hoje, não é obra do Santo Salazar? O tio Paulo Bano disse que os tugas quando querem ser conhecidos constroem coisas gigantescas e dizem que é para o povo, mas aquilo fica com o nome deles, por isso andam sempre a inaugurar coisas e a cortar fitas. Parece que ninguém entende que o Santo Salazar não precisa ter a sua cara escarrapachada num jardim qualquer para ser imortalizado? O maior tuga de sempre precisa lá de estátuas quando toda a Tugalândia e os Pão-de-Ló são sua criação… (Errata: não é Pão-de-ló, mas PALOP, só que a maneira como são comidos pela Tugalândia faz deles mesmo pão-de-ló.) A questão das estátuas tem sido uma guerra nos últimos tempos.
Há dias um tal Mário Lúcido Sousa escreveu que Lisboa não era africana o suficiente e que o Marquês de Pombal não sabe falar caboverdiano e só ficava ali na praça, no Tarrafal, sem fazer nada, enquanto miúdos pulavam sobre a sua cabeça, e falou mal das estátuas. Alguns tugas leram e não gostaram e um deles que sofre de tugaliose crónica, um tal Miguel Ventura… não, Miguel Sousa Dav’ares (acho que já não dá mais ares… sabem é aquele gajo que chamou o ex-presidente tuga, o Babaco, de palhaço), sentiu-se ofendido e, num furor agalmatófilo, todo cavaleiro em defesa da honra das estátuas, escreveu uma rabulice contra esse Mário Lúcido de Sousa, onde vomitou tanta besteira e tanto racismo encardido de meter orgulho ao André Tontura.
Eu primeiro pensei, ahhhhh, são todos primos, Mário Sousa, Miguel Sousa, Marmelo Rebelde de Sousa… entre primo e primo não se mete a… o… (como é que rimo?)… eles que são primos que se entendam. Mas depois não entendi nada do que o Miguel Dav’ares dizia, porque… Então Miguel, decida-se, omé. Portugal é colonialista ou não é? Percebo que se deve ter baldado a algumas aulas de história (na verdade, mesmo que tivesse ido às aulas, não lhe iriam ensinar isso), mas os portugueses não morreram em Cabo Verde a lutar contra o fascismo e o colonialismo, ná, ná, menino, eles levaram-nos lá. Os portugueses não morreram em nenhuma das áfricas a lutar contra o fascismo e o colonialismo, eles iam para lá matar uns pretos para evitarem ser presos aqui. Entende, Miguel, entende? Que o menino se tenha baldado às aulas de história até que se compreende, além do mais deixou o liceu há já não sei quantas décadas e na altura era fascismo declarado, por isso, compreende-se que a sua memória possa estar obnubilada, mas, Miguel, como um comentador de atualidades, dizer que Lisboa tem um monumento em homenagem às vitimas da escravatura portuguesa não é estar desinformado? Qual monumento? O Colombo? Olha, os miúdos pretos gostam do Colombo, mas não acho que eles pensam que é um monumento, talvez seja porque foram os seus pais e irmãos que bumbaram duro para o ereger e são as suas mães e irmãs que o mantêm limpo, logo sentem-se no direito de apropriar.
O Miguel Sousa ainda diz que o Lúcido Sousa não sabe usar o pretuguês, a “extraordinária língua que lhe deixámos em herança” (palavras do primeiro), e depois o mesmo diz “não há chicotes nem correntes em minha casa e não oiço uivos de dor vindos da sanzala dos meus escravos”. O Miguel não se decide, quer estar com o pé nos dois lados: faz parte dos que deixaram a língua como herança, mas não tem escravos. Sou dos colonialistas… Mas não sou… Estou lá… Não estou… Estou lá… Não estou… Miguel olha para esquerda e pisca-pisca, Miguel olha para a direita e pisca-pisca.
E o Miguel ainda acha que o português da Tugalândia é que é o tal, quando por todo o mundo há mais gente a falar o pretuguês. Miguel, toda a língua tem as suas variantes e todas as variantes são válidas, mas se quisermos ser democráticos, vamos fazer aritmética básica. Há 10 milhões na Tugalândia a falar português, e desses há um grande número vindo dos Pão-de-Ló e muitos pretos nascidos cá; nos Pão-de-Ló há cerca de 50 milhões (na verdade, boa parte desses não fala a língua), no Brazil são mais de 250 milhões. Por isso, hoje, pela graça que me foi concedida como herdeiro da língua, tal e qual foi concedido ao Miguel, eu, de acordo com a proposta do Apolo do Caralho e do Marinho que Pina, rebatizo a língua como PRETUGUÊS. Podia ser brasileiro, mas considerando que maioria dos brasileiros é preta, então PRETUGUÊS faz mais sentido. E para dar mais solenidade, o dia 15 DE DEZEMBRO passa oficialmente a ser o DIA DO PRETUGUÊS, o que se justifica pelo seguinte:
Quando o Mário Lúcido escreveu que Lisboa não era africana o suficiente, a Camarada Municipal de Lisboa disse: “Não, credo! Nós não somos racistas! Com que então já vos prometemos uma estátua em memória das vossas vítimas e ainda andam com essa boca por aí?”
O que a Camarada Muncipal de Lisboa parece não ter percebido é que um agressor fazer um monumento em memória da vítima é como um gajo entrar na casa de alguém violar a filha desse alguém e depois fazer um monumento à violação no seu próprio quintal e dizer ao pai que é para apaziguar (onde anda a filha no meio disso?). Contudo, acho que não é só a Camarada que não percebe isso, mas muitos dos pretugueses também…
Continuando, a Camarada Municipal, para mostrar como Lisboa é bem africana, resolve fazer no dia 13 de dezembro uma festa para premiar os 100 pretos mais cool da PRETUGALÂNDIA, os pretos com mais seguidores no facegram, os mais influentes … Ahhhhh…
Pera, pera, disseram-me que a iniciativa não foi da Camarada Municipal mas de uns pretos que andam a brincar a individualismo em nome de uma causa que se pretende comunitária e em nome de todo um grupo mal representado. É tudo um processo de reparação, dizem. Maaaaaas… reparação faz-se a nível individual?
Gostaria que a minha mãe tivesse sido nomeada como a empregada de limpeza mais influente de Lisboa, mas penso que essa classe não se considera. Pois, parece que as pessoas que não podem se dar ao luxo de preguiça não são chamadas para este tipo de evento. Afinal andam apenas naquela velha cerimónia de cultuar o próprio umbigo. O Web Summit Con pretuguês. O capitalismo a colonizar as mentes e as vontades.
Por isso acho a Tugalândia complicada, o tuga olha muito para o seu próprio umbigo, não importa a sua cor da pele, defende sempre a tugalidade.
E falando nisso da defesa da tugalidade do tuguismo, há outra batalha para além da dos Sousas, é entre uma tal Grada Kizomba e um tal Nuno Crepes, que é sobre quem é o tuga mais apto para representar a Tugalândia num bi-anal qualquer em Veneza. A Kizomba disse que a melhor maneira de mostrar a Tugalândia é mostrar como é racista, o Crepes disse que a proposta da Kizomba não mostra suficientemente o quão a Tugalândia é racista, e então a Kizomba disse que o Crepes é racista e exige reparação. Maaaaaaaaas… reparação faz-se a nível individual?
De qualquer forma, o que é para reter aqui é que a língua agora é chamada de PRETUGUÊS, e o dia 15 DE DEZEMBRO é o dia. Sabem, é para termos mais feriados: 1 de dezembro, feriado. 8 de dezembro, feriado. 15 de dezembro, toooooma! É o culminar e o balanço da festa dos melhores pretugueses da pretugalândia e para manter o ritmo de sete dias. E uma pena que não dá para antecipar o natal para 22, seria bem cool.
Santo Salazar, ó meu maroto, o teu lusotropicalismo está a bater bué.
A Tugalândia é tão complicada que não consigo pensar bem, são tugas brancos a serem racistas, são tugas pretos a serem classicistas, são tugas assim-assim a serem assado-assado, e eu aqui apanhado em pensamentos confusos e contraditórios, querendo deixar esta tarefa inglória de estudar os tugas e voltar para Guiné, mas a Guiné estar numa situação ainda mais merdosa.
PS: Como não quero cometer um suicídio social, por isso fiz essa conclusão com a Guiné-Bissau, a ver se o pessoal se distrai de tudo o que disse mais acima.