Feminismo e tradução cultural: sobre a colonialidade do gênero e a descolonização do saber

1As teorias pós-coloniais vêm exercendo uma influência significativa na reconfiguração da crítica cultural. Provocando um deslocamento de abordagens dicotômicas dos conflitos sócio-políticos a favor de um pensamento do interstício – o qual enfatiza redes de relacionalidades entre forças hegemônicas e subalternas, e a proliferação de temporalidades e histórias – essas teorias constituem hoje um campo transdisciplinar ubíquo e profuso. Nas páginas que se seguem, analiso as relações entre a crítica pós-colonial e as teorias feministas da diferença (latino-americana) a partir do processo de tradução cultural.  As teorias feministas latino-americanas, articuladas por sujeitos subalternos/racializados, operam dentro de uma referência epistemológica distinta do modelo que estrutura as relações entre centro e periferia, tradição e modernidade. Produto da transculturação e da diasporização que criam disjunturas entre tempo e espaço, o cronotopo desses feminismos é o interstício e sua prática, a tradução buscando abertura para outras formas de conhecimento e humanidade.

'F de Femmes' de Ana Gandum, Tunisia, Festival Voix de Femmes, ElTeatro 2010'F de Femmes' de Ana Gandum, Tunisia, Festival Voix de Femmes, ElTeatro 2010

De que forma as teorias feministas no contexto latino-americano “traduzem” e descolonizam a crítica pós-colonial? Que tipos de mediação são necessários nessas traduções feministas e latino-americanas do pós-colonial?  Quais são seus limites? Estas são algumas indagações a respeito das tendências teóricas contemporâneas dentro do feminismo que explorarei a seguir na tentativa de mapear – necessariamente de forma abreviada – possíveis rumos para os estudos de gênero e feminismo no contexto latino-americano/brasileiro.

O uso que faço do termo tradução é o mesmo da acepção dada por Niranjana (47-86), isto é, ele não se refere exclusivamente às discussões sobre estratégias dos processos semióticos na área dos estudos da tradução, mas também aos debates sobre tradução cultural. A noção de tradução cultural (esboçada, em um primeiro momento, nas discussões sobre teoria e prática etnográficas2 e, posteriormente, exploradas pelas teorias pós-coloniais)3 se baseia na visão de que qualquer processo de descrição, interpretação e disseminação de ideias e visões de mundo está sempre preso a relações de poder e assimetrias entre linguagens, regiões e povos. Não é de se estranhar, então, que a teoria e prática da tradução hegemônicas tenham surgido da necessidade de disseminação do Evangelho, quando um dos sentidos de traduzir significou converter.

Tradução cultural na virada “pós-colonial”4 

Diante das profundas mudanças ocasionadas pelos processos cada vez mais intensificados da globalização, as categorias tradicionais de análise da modernidade (incluindo as marxistas)5 já não conseguem mais dar conta das transformações identitárias, espaciais, econômicas, culturais e políticas de nossa contemporaneidade.  Como nos mostrou Appadurai, os fluxos tecnológicos, financeiros, imagéticos, ideológicos e diaspóricos, entre outros, que caracterizam o mundo globalizado estabelecem interconexões e fraturas tão complexas – e em níveis tão diversos – entre o local e o global que tornam obsoletos os protocolos disciplinares convencionais utilizados na descrição do mundo sociocultural. A crítica pós-colonial surge, então, como uma tentativa teórica e metodológica de preencher o vácuo analítico causado pela proliferação de novas temporalidades disjuntivas e instabilidades do capitalismo contemporâneo, bem como pela complexificação das relações e assimetrias de poder.  O pós-colonial busca visibilizar os mecanismos constitutivos dessa realidade global (produto da convergência entre capitalismo, modernidade europeia e colonialismo) e, em seu projeto maior de transformação radical, iluminar o caminho para além do moderno e do ocidental. Nas palavras de Venn, ecoando Young, postcolonial critique therefore cannot but connect with a history of emancipatory struggles, encompassing anti-colonial struggles as well as the struggles that contest economic, religious, ethnic, and gender forms of oppression […], on the principle that it is possible and imperative to create more equal, convivial and just societies. It follows that the construction of an analytical apparatus that enables the necessary interdisciplinary work to be done is a central part of the task. (35)

À luz do remapeamento de todos os tipos de fronteiras e em um contexto de viagens, migrações e deslocamentos sempre interconectados, incluindo o trânsito transnacional de teorias e conceitos, a questão da tradução se torna premente, constituindo, de um lado, um espaço único para a análise dos pontos de intersecção (ou transculturação) entre o local/global na produção de cosmopolitismos vernaculares (Hall, “Thinking the Diaspora 11) e, de outro, uma perspectiva privilegiada para a análise da representação, do poder e das assimetrias entre linguagens na formação de imaginários sociais. Na crítica pós-colonial, a lógica da tradução cultural se refere ao processo de deslocamento da noção de diferença para o conceito derridiano de différance que, segundo Hall, aponta para “um processo que nunca se completa, mas que permanece em sua indecibilidade” (“Quando foi o Pós-colonial?” 74). Trata-se da noção de tradução como relacionamento com a diferença radical, inassimilável, do/a outro/a. Nas palavras de Venn, agora ressoando as ideias de Bhabha (The Location of Culture),

translations across heterolingual and culturally heterogeneous and polyglot borders allow for the feints, the camouflages, the displacements, ambivalences, mimicries, the appropriations, that is to say, the complex stratagems of disidentification that leave the subaltern and the subjugated with the space for resistance. (115)

A partir do reconhecimento da incompletude e incomensurabilidade de qualquer perspectiva analítica ou experiencial, Santos propõe para a crítica pós-colonial uma teoria da tradução como negociação dialógica, articuladora de uma inteligibilidade mútua e não hierárquica do mundo. A virada tradutória, por assim dizer, mostra que a tradução excede o processo linguístico de transferências de significados de uma linguagem para outra e busca abarcar o próprio ato de enunciação – quando falamos estamos sempre já engajadas na tradução, tanto para nós mesmas/os quanto para a/o outra/o. Se falar já implica traduzir e se a tradução é um processo de abertura à/ao outra/o, nele a identidade e a alteridade se misturam, tornando o ato tradutório um processo de des-locamento.  Na tradução, há a obrigação moral e política de nos desenraizarmos, de vivermos, mesmo que temporariamente, sem teto para que a/o outra/o possa habitar, também provisoriamente, nossos lugares. Traduzir significa ir e vir (‘world’-traveling para Lugones [“Playfulness, ‘World’-Traveling”]), estar no entrelugar (Santiago), na zona de contato (Pratt), ou na fronteira (Anzaldúa Borderlands/La Frontera). Significa, enfim, existir sempre des-locada/o.6

'F de Femmes' de Ana Gandum, Tunisia, 2010'F de Femmes' de Ana Gandum, Tunisia, 2010

É aqui – no tropo da tradução – que gostaria de traçar uma estreita relação entre feminismos e pós-colonialismos, relação essa que tem sido historicamente silenciada e, portanto, invisibilizada nos debates latino-americanos (provenientes do norte e do sul das Américas) sobre a crítica pós-colonial. Quando mencionadas, tanto feministas quanto teorias feministas são apropriadas apenas como significantes de resistência e não como produtoras de conhecimentos outros. Elas figuram, para lembrar Richard (“Feminismo, experiencia” 738), como um espaço vazio (corpo concreto) para ser preenchido com o conhecimento (mente abstrata) daqueles intelectuais situados em instituições acadêmicas de elite. Contudo, como saliento acima, se o conceito de tradução está alojado no cerne da crítica pós-colonial, e tendo em vista que o feminismo é uma prática teórica e política invariavelmente tradutória, engajada em um constante ir e vir (‘world’-traveling), então urge trazer as contribuições feministas para a mesa da ceia pós-colonial e, num gesto de traição (presente em todo ato de tradução), subverter sua gastronomia patriarcal e descolonizá-la. A invisibilidade, não somente da crítica feminista, mas de outros sujeitos indígenas e afro-latino-americanos na configuração de novos saberes subalternos já se tornou busisness as usual nas antologias sobre o pós-colonial publicadas em universidades de elite nas Américas.

Cabe, então, perguntar: qual o lugar das teorias feministas nos debates sobre o pós-colonialismo latino-americano? Quais as implicações dessas questões para geopolíticas do conhecimento e estratégias de tradução cultural? Para melhor entender como a teorização feminista sobre o pós-colonial representa uma forma de descolonização do saber, aludirei ao conceito de colonialidade do poder, abordando uma contenda significativa entre dois intelectuais: o peruano Anibal Quijano, quem (a partir do sul) cunhou o conceito de colonialidade do poder, e a crítica deste a partir da noção de colonialidade do gênero articulada pela emigré argentina Maria Lugones.

Feminismo e pós-colonialismo: as colonialidades do poder e do gênero

Colonialidade do poder, na acepção de Quijano, é um conceito que dá conta de um dos elementos fundantes do atual padrão de poder, a classificação social básica e universal da população do planeta em torno da ideia de “raça”. Essa ideia e a classificação social baseada nela (ou “racista”) foram originadas há 500 anos junto com América, Europa e o capitalismo. São a mais profunda e perdurável expressão da dominação colonial e foram impostas sobre toda a população do planeta no curso da expansão do colonialismo europeu. Desde então, no atual padrão mundial de poder, impregnam todas e cada uma das áreas de existência social e constituem a mais profunda e eficaz forma de dominação social, material e intersubjetiva, e são, por isso mesmo, a base intersubjetiva mais universal de dominação política dentro do atual padrão de poder. (“Colonialidade, poder” 4)

Na América, a ideia de raça, Quijano (“Colonialidad del poder, eurocentrismo”) continua, foi uma forma de dar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista. O estabelecimento subsequente da Europa como uma nova id-entidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu pelo resto do mundo conduziram ao desenvolvimento da perspectiva eurocêntrica do conhecimento … Desde então [a ideia de raça] provou ser o instrumento mais eficaz, duradouro e universal de dominação social, dependendo inclusive de outro, igualmente universal porém mais antigo, o interssexual ou de gênero. (203, minha tradução)

         Vale ressaltar dois pontos sobre as citações acima. Primeiro, para Quijano (‘Colonialidad del poder, eurocentrismo’), colonialidade e colonialismo se referem a fenômenos diferentes, porém interrelacionados. Colonialismo representa a dominação político-econômica de alguns povos sobre outros e é (analiticamente falando) anterior à colonialidade que, por sua vez, se refere ao sistema de classificação universal existente no mundo há mais de 500 anos. Colonialidade do poder, portanto, não pode existir sem o evento do colonialismo. Segundo, e mais significativo para o propósito deste ensaio, a colonialidade do gênero ficou subordinada à colonialidade do poder quando, no século XVI, o princípio da classificação racial se tornou uma forma de dominação social. De acordo com Quijano (“Colonialidad del poder, eurocentrismo”), a dominação do gênero se subordina, então, à hierarquia superior-inferior da classificação racial.

         A produtividade do conceito de colonialidade do poder está na articulação da ideia de raça como o elemento sine qua non do colonialismo e de suas manifestações neocoloniais. Quando trazemos a categoria de gênero para o centro do projeto colonial, podemos então traçar uma genealogia de sua formação e utilização como um mecanismo fundamental pelo qual o capitalismo colonial global estruturou as assimetrias de poder no mundo contemporâneo. Ver o gênero como categoria colonial também nos permite historicizar o patriarcado, salientando as maneiras pelas quais a heteronormatividade, o capitalismo e a classificação racial se encontram sempre já imbricados. Segundo Lugones (“Heterosexualisms”),

Intersectionality reveals what is not seen when categories such as gender and race are conceptualized as separate from each other. The move to intersect the categories has been motivated by the difficulties in making visible those who are dominated and victimized in terms of both categories. Though everyone in capitalist Eurocentered modernity is both raced and gendered, not everyone is dominated or victimized in terms of their race or gender. Kimberlé Crenshaw and other women of color feminists have argued that the categories have been understood as homogenous and as picking out the dominant in the group as the norm; thus women  picks out white bourgeois women, men  picks out white bourgeois men, black  picks out  black heterosexual men, and so on. It becomes logically clear then that the logic of categorical separation distorts what exists at the intersection, such as violence against women of color. Given the construction of the categories, the intersection misconstrues women of color. So, once intersectionality shows us what is missing, we have ahead of us the task of reconceptualizing the logic of the intersection so as to avoid separability. It is only when we perceive gender and race as intermeshed or fused that we actually see women of color. (192-3)

         Para esta autora, o conceito de colonialidade do poder, introduzido por Quijano (“Colonialidad del poder, eurocentrismo”), ainda se apoia em uma noção biológica (e binária) de sexo e em uma concepção heterossexual/patriarcal do poder para explicar a forma pela qual o gênero figura nas disputas de poder para o “control of sex, its resources, and products” (190). No colonialismo e no capitalismo global eurocêntrico, “the naturalizing of sexual differences is another product of the modern use of science that Quijano points out in the case of ‘race’.” (195). Portanto, delimitar o conceito de gênero ao controle do sexo, seus recursos e produtos constitui a própria colonialidade do gênero. Ou seja – e esta é uma crítica fundamental à visão que Quijano tem do gênero – a imposição de um sistema de gênero binário foi tão constitutiva da colonialidade do poder quanto esta última foi constitutiva de um sistema moderno de gênero. Assim sendo, tanto a raça quanto o gênero são ficções poderosas e interdependentes. Ao trazer a colonialidade do gênero como elemento recalcitrante na teorização sobre a colonialidade do poder, abre-se um importante espaço para a articulação entre feminismo e pós-colonialismo cujas metas são, entre outras, lutar por um projeto de descolonização do saber eurocêntrico-colonial através do poder interpretativo das teorias feministas, visando o que Walsh irá chamar de pensamiento própio latino-americano. Segundo a autora,

[i]n this sense ‘pensamiento propio’ is suggestive of a different critical thought,     one that seeks to mark a divergence with dominant ‘universal’ thought (including in its ‘critical’, progressive, and leftist formations). Such divergence is not meant to simplify indigenous or black thought or to relegate it to the category or status of localized, situated, and culturally specific and concrete thinking; that is to say, as nothing more than ‘local knowledge’ understood as mere experience. Rather it is to put forward its political and decolonial character, permitting a connection then among various ‘pensamientos propios’ as part of a broader project of ‘other’ critical thought and knowledge. (231)

         Apesar de Walsh não fazer nenhuma menção em seu artigo às teorias feministas que surgem na América Latina como parte integrante do movimento de descolonização do saber, de construção de “oppositional politics of knowledge in terms of the gendered bodies who suffer racism, discrimination, rejection and violence” (Prada), gostaria aqui de apropriar sua discussão – sobre a geopolítica do conhecimento e a necessidade de construção de novas cosmologias e epistemologias a partir de outros lugares de enunciação – para incluir a intervenção política feminista de tradução translocal dentre esses outros espaços de teorização, interpretação e intervenção na América Latina.  

Feminismo e tradução: rumo à descolonização do saber

No cenário contemporâneo que marca o desaparecimento de vias de mão única e o surgimento de ‘zonas (cada vez mais voláteis) de tradução,’[6] e epistemologias de fronteira, cabe à crítica feminista examinar com atenção o processo de tradução cultural das teorias e dos conceitos feministas de modo a desenvolver uma habilidade transnacional para ler e escrever (Spivak, “Politics of Translation” 187-95). Esta tarefa requer o mapeamento dos deslocamentos e da tradução contínua das teorias e dos conceitos feministas, das dinâmicas de leitura, bem como das limitações impostas por mecanismos de mediação e tecnologias de controle sobre o tráfego das teorias.

Corajosamente traficando teorias feministas pelas zonas de contato, feministas latino-americanas e latinas residindo nos Estados Unidos, por exemplo, desenvolvem uma política de tradução que se utiliza de conhecimentos produzidos pelos feminismos latinos, de cor, pós-coloniais no norte das Américas para iluminar análises de teorias, práticas, culturas e políticas no sul e vice-versa. A prática do “world”-traveling evidencia como a tradução é indispensável, em termos políticos e teóricos, para a formação de alianças feministas pós-coloniais/pós-ocidentais, já que, conforme argumenta Alvarez, a América Latina – entendida “enquanto formação cultural transfronteiriça e não territorialmente delimitada” (744)  – deve ser vista como translocal. A noção de translocalidade possibilita, por sua vez, a articulação da colonialidade do poder/gênero “em várias escalas (locais, nacionais, regionais, globais) a posições de sujeito (gênero/sexual, étnico-racial, classe etc.) que constituem o self” (Laó-Montes 122, minha tradução).

         Em um artigo introdutório a um debate sobre mestiçagem, publicado na Revista Estudos Feministas, Costa e Ávila discorrem sobre a importância dos escritos de Anzaldúa (Borderlands/La Frontera) em relação à nova mestiça como exemplo do que seria um sujeito pós-colonial feminino no espaço latino-americano. Marcado por uma subjetividade nomádica moldada a partir de exclusões materiais e históricas, o sujeito pós-colonial de Anzaldúa articula uma identidade mestiça que já antecipava a crítica descolonial ao pensamento binário e a modelos de hibridismo cultural ancorados em noções de assimilação e cooptação. Enfatizando que os terrenos da diferença são mais que nunca espaços de poder, a autora complica radicalmente o discurso feminista da diferença, inclusive da diferença colonial. Migrando pelos entrelugares da diferença, mostra como esta é constituída na história e adquire forma a partir das intersecções sempre locais – suas mestiçagens múltiplas revelam simultaneamente mecanismos de sujeição e ocasiões para o exercício da liberdade. Em um dos trechos canônicos e de grande força retórica de La conciencia de la mestiza, Anzaldúa conclama:

Como mestiza, eu não tenho país, minha terra natal me despejou; no entanto, todos os países são meus porque eu sou a irmã ou a amante em potencial de todas as mulheres. (Como lésbica não tenho raça, meu próprio povo me rejeita; mas sou de todas as raças porque a queer em mim existe em todas as raças.). Sou sem cultura porque, como uma feminista, desafio as crenças culturais/religiosas coletivas de origem masculina dos indo-hispânicos e anglos; entretanto, tenho cultura porque estou participando da criação de uma outra cultura, uma nova história para explicar o mundo e a nossa participação nele, um novo sistema de valores com imagens e símbolos que nos conectam um/a ao/à outro/a e ao planeta. Soy um amasamiento, sou um ato de juntar e unir que não apenas produz uma criatura tanto da luz como da escuridão, mas também uma criatura que questiona as definições de luz e de escuro e dá-lhes novos significados. (707-8)

          A mediação tradutória que Anzaldúa aborda neste artigo, cruzando mundo e identidades, tem sido vista como uma prática de questionamento de nossas certezas epistemológicas em busca de abertura para outras formas de conhecimento e de humanidade. Como enfatiza Butler, Anzaldúa nos mostra que “it is only through existing in the mode of translation, constant translation, that we stand a chance of producing a multicultural understanding of women or, indeed, of society” (Undoing Gender 228).

'F de Femmes' de Ana Gandum, Tunisia, 2010'F de Femmes' de Ana Gandum, Tunisia, 2010

         Outros lugares no contexto latino-americano desses sujeitos subalternos femininos e pós-coloniais podem ser encontrados nos testemunhos da guatemalteca Rigoberta Menchú (Me llamo Rigoberta Menchú) e da boliviana Domitila Barrios de Chungara (Let me Speak!), nos diários da catadora de lixo brasileira Carolina Maria de Jesus (Quarto de despejo), nos escritos da feminista afro-brasileira Lélia Gonzalez (Lugar de negro), nas poesias, grafite e performances de rua do grupo boliviano anarco-feminista Mujeres Creando (La Virgen de los Deseos), e nos romances autobiográficos da escritora afro-brasileira Conceição Evaristo (Ponciá Vicêncio), entre tantas outras, bem como nos escritos e relatos que jamais chegarão aos cânones homogeneizadores da academia,7 principalmente na fase atual de curioso desencanto, por parte dos intelectuais latino-americanos e latino-americanistas, com as promessas do testemunho como gênero literário ex-cêntrico dos anos de lutas pela democracia na América Latina.8 Lembrando a famosa crítica de Nancy Miller (103-7) aos teóricos estruturalistas e pós-estruturalistas – ao dizer que a morte do autor declarada por Foucault (101-20) e Barthes (142-8) coincidiu ironicamente com a ascensão da mulher de objeto à condição de autora /sujeito – acredito também não ser acaso que, por exemplo, quando mulheres racializadas e subalternas reivindicam no testemunho um lugar de enunciação contra hegemônico, este imediatamente perde sua aura, como diria Benjamin (19-57).9

         Norma Klahn, em lúcida análise sobre o lugar da escrita das mulheres na época do latinoamericanismo10 e da globalização, mostra como o testemunho (bem como ficções autobiográficas, romances, ensaios e poesias) de autoria feminina e ligados a lutas e mobilizações políticas e sociais foram fundamentais na construção de uma prática feminista sui generis. A autora argumenta que, a partir da tradução cultural, Latin American and Latina feminists readapted feminist liberation discourses from the West, resignifying them in relation to self-generated practices and theorizations of gender empowerment that have emerged from their lived experiences, particular histories and contestatory politics (Klahn).

         Tomando o exemplo do testemunho, Klahn mostra como esse gênero literário foi mobilizado por sujeitos subalternos como Menchú e Chungara para, a partir da interseção entre gênero, etnia e classe social, desestabilizar um feminismo ocidental ainda centrado na noção de mulher essencializada. Ao desconstruir o discurso feminista dominante, os testemunhos não apenas configuram outros lugares de enunciação e se apropriam da representação, mas rompem também com o paradigma surrealista latino-americano (realismo mágico) a favor de uma estética realista que traz o referente de volta ao centro das lutas simbólicas e políticas, documentando as violências da representação e da opressão: a vida não é fição. Esses textos, “traduzindo/translocando teorias e práticas”, imaginam formas de descolonização da colonialidade do poder. Leio Menchú e Chungara – através de Klahn – como traduções feministas e latino-americanas do pós-colonial que oferecem novas propostas epistemológicas a partir do sul.

         Ana Rebeca Prada, discorrendo sobre a circulação de escritos de Anzaldúa no contexto plurinacional boliviano, explica que qualquer tradução, sem uma adequada mediação, corre o risco de se tornar uma dupla traição: primeiro, traição que qualquer tradução já necessariamente implica em relação ao dito original e, segundo, traição diante da apropriação do texto traduzido como parte de um sofisticado aparato teórico proveniente do norte. O trabalho de mediação se faz necessário para que a tradução desses textos, provenientes de outras latitudes no norte, possam dialogar com textos e práticas locais, assim contestando as formas pelas quais o sul é consumido e conformado pelo norte – integrando a crítica pós-colonial em diálogos não apenas norte-sul, mas também sul-sul. Prada analisa de forma instigante como o grupo de feministas anarquistas bolivianas, Mujeres Creando – que se autodescrevem como cholas, chotas e birlochas (termos racistas usados em referência a mulheres indígenas imigrantes nas cidades) e que também adotam outras designações de subjetividades abjetas (tais como puta, rechazada, desclasada, extranjera) –, dialogaram com Anzaldúa ao transportar Borderlands/La Frontera para um contexto de política feminista além dos muros da academia (onde esta autora havia sido inicialmente lida), estabelecendo afinidades entre os dois projetos políticos.  Assim sendo, a linguagem de Anzaldúa, enunciada ao sul do norte, foi apropriada pelo sul do sul e “incorporated de facto in a transnational feminism which (as Mujeres Creando since its beginnings stipulated) has no frontiers but the ones which patriarchy, racism and homophobia insist on” (Prada).11 Conforme explica Prada

Translating, then, becomes much more complex. It has to do with linguistic translation, yes, but also with making a work available (with all the consequences this might have, all the “betrayals” and “erasures” it might include) to other audiences and letting it travel. It also has to do with opening scenarios of conversation and proposing new horizons for dialogue. It also means opening your choices, your tastes, your affinities to others – which in politics (as in Mujeres Creando’s) can compromise (or strengthen) your principles. Translation in those terms becomes rigorously “strategic and selective”.

Entretanto, segundo Prada, sabemos que nas viagens das teorias feministas pelas Américas, principalmente em suas rotas contra hegemônicas, existem vários postos de controle (por exemplo, publicações e instituições acadêmicas) e mediadores (intelectuais, ativistas, acadêmicos/as) que regulamentam seus movimentos através das fronteiras, facilitando ou dificultando acesso a textos, autoras e a debates. Para exemplificar como este controle opera, gostaria de citar aqui um exemplo que a teórica pós-colonial aymara Silvia Rivera Cusicanqui nos dá a respeito de tais barreiras – e que nos remete particularmente à questão da descolonização do saber.

Falando em prol de uma economia política – ao invés de uma geopolítica – do conhecimento, Cusicanqui (60-6) examina os mecanismos materiais que operam atrás dos discursos, argumentando que o discurso pós-colonial do norte não é apenas uma economia de ideias, mas também de salários, comodidades, privilégios e valores. Universidades no norte se aliam com centros de estudos no sul, através de redes de trocas intelectuais, e se tornam verdadeiros impérios de conhecimentos apropriados dos sujeitos subalternos e resignificados sob o signo da Teoria. Cria-se um cânone que invisibiliza certos temas e fontes, ocultando outros.12

As ideias fluem, tais como os rios, de sul para norte e tornam-se afluentes do grandes fluxos de pensamento. Mas, como no mercado mundial de bens materiais, as ideias também saem do país convertidas em matéria prima, que retorna misturada e regurgitada na forma de produto acabado. Assim se constitui o cânone de uma nova área do discurso científico social: o pensamento “pós-colonial.” (68, minha tradução)

A menção que Cusicanqui faz acima é a sua discussão sobre colonialismo interno, formulada nos anos 1980 a partir da obra pioneira de Fausto Reinaga dos anos 1960 e que, nos anos 1990 foi (re)formulada por Quijano (“Colonialidad del poder, eurocentrismo” 201-246) na ideia de “colonialidade do poder” e, subsequentemente, por Mignolo (3-28) na noção (com novos matizes) de “diferença colonial.” Cusicanqui explica,

Minhas ideias sobre colonialismo interno no plano do saber-poder surgiram de uma trajetória totalmente própria, iluminada por outras leituras - como a de Maurice Halbwachs sobre a memória coletiva, a de Franz Fanon sobre a internalização do inimigo e a de Franco Ferraroti sobre as histórias de vida – e, sobretudo, a partir da experiência de ter vivido e participado da reorganização do movimento aymara e da revolta indígena nos anos setenta e oitenta. (67, minha tradução)

Com grande força retórica, a teórica aymara nos mostra que para a descolonização do saber não basta articular um discurso descolonial, mas é preciso, sobretudo, desenvolver práticas descolonizadoras.

Dando seguimento ao gesto dessa teórica aymara, gostaria de argumentar que o feminismo brasileiro, em sua articulação pós-colonial, precisa trazer para o centro de suas traduções figuras tradutoras e traidoras de qualquer noção de original, de tradição, de pureza, de unicidade e de binarismos. Porém, para tal seria necessário também confrontarmos radicalmente as práticas racistas, sexistas e homofóbicas que insistem em emudecer nossas mestiças, índias, negras, lésbicas e queers nos seus vários lugares de enunciação, porém particularmente na academia.  Um dos espaços cruciais para tais intervenções/mediações é, obviamente, o das publicações feministas, que abordarei a seguir.

Publicações feministas e mediações culturais: des/locando o signo da teoria

          Como evadir as economias epistemológicas que institucionalizaram os centros acadêmicos anglófonos como grades de inteligibilidade para as teorias e, mais especificamente, para as teorias feministas?

Rosi Braidotti (715-28), falando sobre a importação-exportação de ideias ao longo da divisa transatlântica, argumenta, de forma deleuziana, que uma percepção crítica de como nossos conceitos estão histórica e empiricamente encrustados, requer tanto alianças transversais entre diferentes intelectuais, bem como um exercício constante de tornarmo-nos poliglotas, transdisciplinárias, enfim, nômadas. Como podemos, nos vários espaços feministas, desenvolver uma prática de tradução que responda, simultaneamente, às contingências locais e aos fluxos globais dos discursos sobre gênero e feminismo? Ou, colocado de outra forma, como expor as lógicas perversas da hegemonia?

'F de Femmes' de Ana Gandum, Tunisia, 2010'F de Femmes' de Ana Gandum, Tunisia, 2010

No papel de coeditoras de uma sessão de debates numa das principais revistas feministas acadêmicas brasileiras, Revista Estudos Feministas, eu e minhas colegas temos traduzido e publicado artigos teóricos de vanguarda e convidado contribuições de feministas brasileiras e de outros países latino-americanos na tentativa de proporcionar uma recepção crítica destes textos. No entanto, infelizmente as respostas não viajam de volta aos seus lugares de partida devido à falta de recursos para sua versão à língua franca acadêmica (o inglês), revelando, portanto, um dos muitos fatores ocultos que interferem nas práticas de tradução cultural e na articulação de feminismos transnacionais, pós-coloniais. Como Emily Apter (“On Translation” 10) salienta com acerto, essas camadas de intervenções invisíveis são, de forma muito óbvia, cruciais para que o texto tenha acesso à tradução. É nesse terreno que devemos lutar contínua e incansavelmente para deslocar teoricamente o signo do ocidente rumo a novas linguagens e geografias pós-coloniais (Chow 303-4). Um outro fator mais evidentemente oculto da colonialidade do poder que impede o deslocamento do signo teórico, aludido por Chow, se refere às práticas de citação dos periódicos na construção de um mercado transnacional de citações.

É sabido que as práticas de citação são em grande parte responsáveis não só pela formação de cânones acadêmicos, mas são também vistas como a medida mais objetiva do mérito acadêmico (Lutz 261-2). Como nos lembra Cusicanqui,

Através do jogo de quem cita quem, as hierarquias são estruturadas e acabamos tendo que comer, regurgitado, o pensamento descolonizador que os povos e intelectuais indígenas de Bolívia, Peru e Equador haviam produzido de forma independente. (66, minha tradução)

Há um número significativo de estudos, na sua maioria provenientes das áreas de linguística aplicada /análise do discurso e da bibliometria, sobre os usos de citações como uma atividade central na produção do conhecimento (Lillis et al. 110-35). Quem é citado, aonde e por quem, ou seja, a geolinguística das citações expõe as rotas através das quais as teorias viajam e as maneiras pelas quais linhagens intelectuais (masculinas) são construídas no contexto global. Temos aqui uma ligação nem tão tênue entre essas micropráticas e práticas sociais mais amplas de produção e circulação do conhecimento.

Uma das conclusões relevantes – e não surpreendentes – do estudo de Lillis para a minha discussão (cuja pesquisa abrangeu 240 artigos da área de psicologia publicados em revistas em inglês), é que

the global status of English is impacting not only on the linguistic medium of publications but on the linguistic medium of works that are considered citable – and hence on which/whose knowledge is being allowed to circulate. (121)

À luz dessa discussão, quais são as práticas de citação na Revista Estudos Feministas? Tendo em vista que se trata de uma publicação em português, um levantamento que realizei dos artigos que foram veiculados no periódico em um período de 10 anos (1992-2002) evidencia um equilíbrio razoável de citações de autoras brasileiras e estrangeiras. Entre as autoras estrangeiras, há uma clara predominância de referências a textos em inglês, seguido pelos franceses. Citações de autoras que escrevem em espanhol são muito escassas no período estudado, ganhando maior visibilidade nas edições mais recentes da revista. Esse aumento coincidiu com maior publicação de artigos em espanhol por autoras residentes na América Latina, consequência de uma clara intervenção editorial da Revista Estudos Feministas buscando intensificar o diálogo com feministas congéneres latino-americanas. No entanto, é interessante observar que em um número especial do periódico sobre raça (1994), nenhum dos textos na área de epistemologias e/ou metodologias feministas tinha sequer qualquer citação a artigos em português ou espanhol. 

Algumas conclusões preliminares podem ser extraídas dessa análise inicial. Primeiro, é razoável esperar que para uma publicação acadêmica brasileira com foco no desenvolvimento e fortalecimento do campo dos estudos feministas e de gênero a nível nacional, a referência a autoras brasileiras nos artigos esteja diretamente ligada às especificidades contextuais. Entretanto, em uma tentativa de legitimar e consolidar o feminismo como campo disciplinar na academia, nota-se uma tendência muito clara das autoras na Revista Estudos Feministas de citar mais frequentemente pensadores eurocêntricos (como Foucault, Giddens, Bourdieu e Lyotard, entre outros) sempre que questões teóricas são abordadas. Este achado corrobora apenas um ponto que já havia sido feito por Christian (51-63) e Lutz (249-66), as quais eloquentemente destacaram o colonialismo dos paradigmas teóricos na supressão de vozes subalternas. De acordo com Lutz,

[t]heory has acquired a gender insofar as it is more frequently associated with male writing, with women’s writing more often seen as description, data, case, personal, or, in the case of feminism, ‘merely’ setting the record straight. (251)13

Em segundo lugar, sempre que a balança se inclinava para citações de trabalhos em inglês, o tema dos artigos tinha um foco mais transnacional, principalmente aqueles cujas discussões eram sobre teorias e metodologias na construção de um saber feminista, bem como sobre a intersecção de gênero e raça. Em terceiro lugar, com a chegada e crescente influência do pós-estruturalismo e da teoria queer no feminismo brasileiro na década de 2000 (particularmente por meio da tradução para o português de Gender Trouble, de Butler), e diante do lento declínio das abordagens estruturalistas, até então predominantes na sociologia e antropologia feministas, a tradução ao português de textos em inglês em grande parte suplantou a tradução daqueles em francês, fazendo com que o inglês se tornasse a lingua franca teórica nas páginas do periódico.14

Curiosamente, tais mudanças teóricas sísmicas coincidiram, por um lado, com a proliferação na revista de artigos de outros campos disciplinares (tais como história, literatura, educação, filosofia, estudos culturais, estudos de cinema, para citar alguns) e com a diminuição no número de artigos a partir de perspectivas antropológicas e sociológicas, as quais haviam sido até então o locus prevalecente de enunciação para o feminismo brasileiro. Por outro lado, essa diversificação das análises feministas, que se abriram para abordagens mais trans ou pós-disciplinares, também pode ser interpretada, entre outros fatores, como uma resposta à mudança da casa institucional do periódico de uma universidade central (Universidade Federal do Rio de Janeiro, o berço original da revista) para outra (Universidade Federal de Santa Catarina), situada fora do eixo (São Paulo-Rio de Janeiro) do poder acadêmico.  

Por último, a presença das teorias pós-coloniais ainda é exígua nos debates feministas brasileiros, exceto nos estudos literários. Análises interseccionais articulando gênero a outros vetores da identidade (apesar de suas críticas recentes na academia anglófona)15 surgem aos poucos na medida em que a raça e o racismo têm ocupado o centro das atenções nos debates públicos e nas políticas governamentais para corrigir desigualdades sociais e econômicas duradouras.

         À guisa de conclusão, gostaria de argumentar, seguindo o conselho de Nelly Richard (“Globalización” 4-5), que, ao examinar o papel que as revistas feministas desempenham como mediadoras críticas e tradutoras/traidoras no tráfego das teorias, torna-se imperativo a criação de um espaço para textualidades heterogêneas. Isto implica não só “na coexistência de uma diversidade de filiações intelectuais, disciplinares e antidisciplinares, mas também de uma variedade de tons e formas discursivas textuais autorizando vários lugares de enunciação e registros de representação” (Richard, “Globalización”  7-8, minha tradução). Tal heterogeneidade possibilita uma fértil interação entre as reflexões acadêmicas e outros tipos de práticas enunciatórias e tradutórias no projeto feminista da descolonização do saber. Outrossim, mostra que os saberes excedem os limites estreitos da academia e abarcam outros topoi discursivos, como ONGs e os espaços da militância feminista. Somente assim poderemos construir uma tradição de pensamiento própio feminista do pós-colonial (ou descolonial) latino-americano/brasileiro.

 

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publicado originalmente em Portuguese Cultural Studies, nº 4

  • 1. Gostaria de agradecer as recomendações de revisão dos/as areceristas anônimos/as, bem como as inúmeras leituras e sugestões generosas de Sonia E. Alvarez.
  • 2. Veja, por exemplo, as discussões na antologia organizada por Clifford e Marcus.
  • 3. Faço referência aqui aos escritos de Spivak (Critique of Postcolonial Reason) e de Bhabha (The Location of Culture).
  • 4. Para as acirradas disputas sobre a adequação do termo pós-colonial no contexto da América Latina, veja a antologia recente editada por Moraña, Dussel e Jáuregui.
  • 5. Refiro-me às categorias tais como classe, nacão, racionalidade, etc., principalmente quando abordadas fora do marco da interseccionalidade do gênero, raça, etnia e sexualidade, entre outras.
  • 6. Tomo emprestado de Emily Apter (“On Translation in a Global Market” 10) esta expressão. Zona de tradução – uma apropriação do conceito de zona de contato, cunhado por Pratt (7) – significa um lugar intersectado por várias fronteiras linguísticas em constante confronto e disputa. Qualquer zona de contato é sempre já uma zona de tradução (Apter, The Translation Zone).
  • 7. Walsh faz referência a vários intelectuais indígenas (infelizmente, seus exemplos são todos masculinos) que estão redesenhando um pensamento crítico descolonizado a partir da própria América Latina.
  • 8. Ver, por exemplo, os ensaios nos livros organizados por Gugelberger e por Arias.
  • 9. Gostaria de relatar uma anedota pessoal. Quando comecei a lecionar na Universidade Federal de Santa Catarina uma disciplina de teoria literária na graduação (cujo objetivo era o de introduzir o cânone literário ocidental), optei por uma abordagem não ortodoxa. Líamos escritores canônicos ao lado de testemunhos como o de Menchú (Burgos and Menchú Me llamo Rigoberta Menchú) e Chungara, mostrando aos/as alunos/as que esses textos ex-cêntricos solicitavam outras formas de ler. Em reunião departamental sobre mudanças do currículo, um colega, professor titular, expressou sem qualquer tipo de embaraço que textos de “mulheres, indígenas, negros e paraplégicos” deveriam ser ensinados em disciplinas optativas, não nas obrigatórias. Após essa nefasta reunião, continuei desafiando o currículo disciplinar em minhas práticas docentes.
  • 10. Latinoamericanismo se refere à produção de conhecimentos sobre a América Latina, por latino-americanos ou não, a partir das universidades e centros de pesquisa situados no Norte global (Europa e América do Norte).
  • 11. Mujeres Creando é um movimento feminista autônomo criado em 1992, em La Paz, Bolívia, e formado por mulheres de diferentes origens culturais e sociais. Enfoca a criatividade como instrumento de luta e participação social.
  • 12. Cusicanqui se refere aqui ao livro de Javier Sanjinés (El espejismo del mestizaje), discípulo de Mignolo, quem realizou um estudo sobre mestiçagem na Bolívia sem fazer qualquer menção ao debate boliviano, inclusive entre os indígenas, sobre o tema.
  • 13. Christian (51-63) traz para esta discussão a importância do elemento racial, ou seja, como a teoria ganha não apenas um gênero, mas também é sempre já racializada.
  • 14. Para uma reflexão sobre os primeiros 15 anos da Revista Estudos Feministas na Universidade Federal de Santa Catarina, veja seção especial da revista organizada por Minella e Maluf.
  • 15. Para exemplos dessas críticas, ver Jasbir Puar e Kathy Davis.

por Cláudia de Lima Costa
A ler | 8 Outubro 2013 | descolonização, feminismo, pos-colonial, tradução