Sítios e instituições de memória do mundo negro
A história de África subsaariana foi marcada, por volta do fim do primeiro milénio
da nossa era, por um interminável movimento de deportação de uma mão-de-obra
cativa, embarcada ao longo da costa suaheli para o intra ou o além-Oceano Índico.
Este fenómeno de expatriação forçada e de submissão social teria a sua réplica nas
regiões sahelianas ou sub-sahelianas, onde centenas de milhares de homens, de
mulheres e de crianças seriam instalados no setentrião do continente.
Esta prática terá um terceiro eixo, de grande envergadura, e provocará a instalação
de nigers escravizados na Península Ibérica, na Europa Ocidental e num Novo Mundo.
Esta evolução, particularmente violenta, à qual sucederia o domínio colonial,
deixará, naturalmente, traços materiais e intangíveis, constituindo um dos maus
pontos de memória, por excelência, da Humanidade.
Esta sucessão de graves violações contra o homem negro terá como teatro as regiões
de caça e captura de vítimas, os lugares de resistência, os itinerários dos
acorrentados, através do Saará ou em direcção ao litoral do continente, os portos de
embarque, os navios, os mercados de venda em leilão de escravos, as minas de ouro e
de prata, as plantações de cana-de-açúcar, de algodão, de arroz e de tabaco, os
territórios de refúgio, assim como sítios de revolta, de punição, de humilhação, de
tortura, de execução, de massacre, etc.
Esta longa história de opressão será cristalizada na memória colectiva dos povos
agrilhoados através das suas narrações, dos seus cantos, provérbios e outros
registos orais. Diversas realizações serão engajadas a fim de comemorar esses
períodos de brasa esclavagista e colonial.
Assim foram, por exemplo, assentados milhares de estalões e placas de recordação,
erguidos centenas de monumentos, construídos dezenas de cenotáfios e arranjados
museus de escravatura e outras instituições similares em África, na Ásia, na Europa,
nas Américas e Caraíbas.
O conjunto desses sítios e estruturas edificadas deve ser preservado, física e
juridicamente, e o trabalho de memória desempenhado, aí, desenvolvido para uma maior
recolha das tradições orais, uma maior digitalização de documentos de arquivo,
pesquisas mais activas nos domínios da linguística e da antropologia, uma produção
mais significativa de actividades de animação e suportes culturais (publicações, CD
ROM, exposições, filmes, documentais e de ficção, peças musicais e teatrais, artes
plásticas) assim como uma larga inserção na Internet e uma maior exploração desse
extraordinário instrumento de informação e de comunicação.
Esses eixos de preservação e de promoção do património ligados a esta vertente
singular da história dos “Danados da Terra” devem ser alinhados numa política visando,
de um lado, o não-esquecimento da longa tragédia que viveram os melano-africanos, e,
do outro, a educação, a nível mundial, do respeito absoluto pelos Direitos do Homem.
in “Jornal de Angola”
**Resumo de comunicação proferida durante um dos paneis do Colóquio que sera
realizado no âmbito do Terceiro Festival Mundial de Artes Negras – Dakar, Senegal,
de 3 a 18 de Dezembro de 2010