A batalha de Tabatô

Há 4500 anos, enquanto tu fazias a tua guerra, criámos a agricultura.

Há 2000 anos, enquanto tu fazias a tua guerra, criámos a boa governação dos reinos.

Há 1000 anos, enquanto tu fazias a tua guerra, criámos o chão do reggae e do jazz.

Hoje, perante a tua guerra, criaremos contigo a tua paz.

 

Para a maior parte das pessoas a Guiné é apenas o terceiro país mais pobre do mundo. 

E, no entanto, passa-se algo de extraordinário em TABATÔ, uma aldeia situada no interior da Guiné: lá, todos os seus habitantes são, desde há 500 anos, músicos djidius. Eles são cantores-poetas hereditários cujas canções narram contos e lendas que representam um papel fundamental na vida musical de África. É ali que vive o djidiu Mutar DjebatÉ, chefe  da aldeia e um dos melhores balafonistas* do mundo.

 

O filme é uma  metáfora da situação presente na Guiné Bissau e localiza-se algures entre o abismo da guerra e a existência desta aldeia musical chamado Tabatô. Conta a história pessoal e dramática de BAIO (Djidiu e ex-soldado mandinga ao serviço dos Portugueses) que regressa à Guiné Bissau, à sua aldeia natal de Tabatô, trinta e sete anos após o fim da guerra colonial, para assistir ao casamento da sua filha FATU com o filho do chefe da aldeia, IDRISSA DJEBATÉ, um músico emergente na Guiné Bissau. 

 

*o balafon é um xilofone de madeira com cabaças por baixo

 

“Sou músico tradicional. Sou eu Djeli Mamadou Kouyate, filho de Bintou Kouyate e de Kendian Kouyate, mestre na arte de falar. Desde tempos imemoriais os Kouyate estão ao serviço dos principes Keita do Mandé: nós somos os sacos de palavras, somos os sacos que guardam segredos várias vezes seculares. A arte de falar não tem segredos para nós; sem nós os nomes dos reis cairiam no esquecimento, nós somos a memória dos homens; através da palavra, nós damos vida aos feitos e aos gestos dos reis perante as novas gerações.”

Para a maior parte das pessoas a Guiné é apenas o terceiro país mais pobre do mundo. 

Coincidência ou não as suas ilhas foram dos primeiros lugares a ser descobertos (e comercializados) pelos portugueses e a escravatura o seu primeiro negócio. Voltar hoje à Guiné é encontrar os rastos deste trauma colectivo, é encontrar a apregoada auto estima da população a “menos que zero”. E no entanto… no centro da Guiné passa-se algo de extraordinário. Encontramos a ideia deste projecto não na Guiné (onde nunca tinha estado) mas em Berlim. Um jovem alemão, violinista, sonhava viajar para a Guiné para aprender Djembé (tambor de bater com as mãos). Isso apanhou-me logo de surpresa, porque quando era pequeno, em África, os nossos pais mandavam os filhos para a Alemanha para aprenderem violino: agora são os jovens alemães que sonham aprender música em África (?!) Ele falou-me de uma aldeia mítica entre os jovens alemães, nos confins de África, onde só viviam músicos, mestres extraordinários (os melhores do mundo) em instrumentos como os Balafons (uma espécie de xilofones de madeira com cabaças por baixo), Djembés, Dundumbás (tambores de bater com ferros), Negalins (tubos de ferro de tocar com os dedos) e Koras (violas de cabaças com 21 cordas). Como português senti-me envergonhado por nunca ter sabido dessa aldeia maravilhosa. Por não conhecer o que estava tão perto de mim. Pensei: tenho de filmar estas pessoas. Viajei, com o apoio do ICA para Baminatau. A primeira coisa que descobri é que na Guiné, com excepção do partido do governo, PAIGC, ninguém conhece esta aldeia, e quando conhecem, é só de nome. 

Depois de contactos vários e de viajar centenas de Kms, cheguei finalmente a TABATÔ. Encontrei também uma outra vila BOLAMA, uma espécie de negativo da aldeia dos músicos. Esta completamente silenciosa. Fiquei convencido de que havia filme. Fui apresentado ao Djidiu Mutar Djebaté, neto do Djidiu Bundunka Djebaté. A citação eloquente acima descrita dá-nos uma imagem do que são os djidius de TABATO e deste em particular: é o chefe da aldeia. Uma espécie de primeiro ministro. E exímio tocador de balafon. Acompanhou várias vezes os sucessivos governos da Guiné-Bissau em visitas oficiais. Não é de estranhar, por isso, ouvi-lo falar da China ou da Coreia. É ele que nos conta o mais extraordinário: durante o primeiro terço do sec XIII, o rei Sundjate Keita conduz a civilização mandinga às suas horas de glória com a edificação do império do Mali, que sucedeu o do Gana no controlo com o mercado do ouro com o Magrebe. A expansão da sua zona de influência estender-se-á até ao Atlântico e, na zona leste do actual território da Guiné-Bissau, penetrando no Senegal pelo sudeste até ao rio Gambia, virá a ser fundado o reino Kaabu, que manterá a sua influência até ao fim do sec. XIX, antes de ceder à expansão fula do Futa Djalon. É desta forma que, no início deste século, o seu avô e alguns membros da sua família, de passagem para a Gâmbia, vieram fixar-se na Guiné-Bissau, a pedido do rei fula local. Hoje, a totalidade dos habitantes da aldeia (300) são djidius – homens e mulheres – descendentes ou parentes de Bundunka Djebaté. Os djidius sempre tiveram um estatuto especial, mesmo entre os nyakamala. Sendo músicos, depositários do saber e transmissores do saber, não produzem nada de especial (a não ser os seus próprios instrumentos musicais) e estão totalmente dependentes da sociedade, sobretudo da nobreza (no passado), no que respeita ao seu sustento. A sua dependência material e o seu comportamento de desviados não deixam de suscitar um certo desprezo por parte dos guineenses. Mas enquanto guardas e depositários da tradição oral, único meio de transmissão do saber mandinga no seu conjunto, e como músicos, instrumentistas, cantores e mestres da palavra, impõem respeito. Em Tabatô vivem os seguintes grandes músicos: “Super Camarimba”, “Balafon de Tabato”, Yáyá (Gâmbia), Umarou Djebate (Canadá), Fillii (Ballet Nacional do Senegal). Algo se passa nesta aldeia. Na hora da partida Mutar disse-me: Faz o teu filme que nós construímos aqui a tua casa. Há um dom que veio ficar em Tabatô”. 

Eu respondi-lhe “Abarca” (obrigado em mandinga) e voltei a pensar que o cinema é a última forma de arte oral. Este filme, uma vez feito, contribuirá para questionar não só a maneira como o mundo vê a Guiné mas sobretudo como os Guineenses se vêem a si próprios: Escravos ou Reis?

 

Com: Mutar Djebaté, Fatu Djebaté e Mamadu Baio

Realização: João Viana; Direcção de Fotografia: Mário Miranda; Som: António Pedro Figueiredo, Mário Dias, Joaquim Pinto, Branco Nescov; Montagem: Edgar Feldman; Música Original: Pedro Carneiro; Produção: João Pedro Bénard; Produtor: João Viana; Produção: Papaveronoir Filmes

 

Ficção * 78 min * 2012 * Portugal / Guiné Bissau * Cor e P/B

 

A música original do filme foi composta pelo compositor e percussionista Pedro Carneiro.

Pedro Carneiro é reconhecido mundialmente como um dos mais importantes percussionistas da actualidade, sublinhando-se a originalidade de ter escolhido um instrumento pouco comum, a marimba. Oiça a música do filme aqui:

 

Festivais e Prémios

 

Estreia Mundial

Menção Honrosa na Secção Forum, Berlinale - Berlin International Film Festival, Alemanha, Fevereiro de 2013.

 

Estreia Nacional

Competição Nacional e Internacional no Indie Lisboa – Festival Internacional de Cinema Independente, Portugal, Abril de 2013.

Estreia comercial dia 11 de Julho

 

Outros festivais:

Festival de Cinema Africano de Milão, Itália, Maio 2013.

Festival Internacional de Curitiba, Brasil, Junho 2013.

Olhar de Cinema, Itália, Junho 2013.

FIDMarseille, França, Junho 2013.

Moscow IFF, Rússia, Junho 2013.

Guanajuato Film Festival, México, Julho 2013

 

ler sobre o filme 

DN

PÚBLICO

HOLLYWOOD REPORTER

VISÃO

por João Viana
Afroscreen | 17 Junho 2013 | Guiné Bissau, João Viana