Sobre o documentário mim'delo
As periferias são locais de transformação constante, que estão no limbo de uma definição. São espaços de constante readaptação à realidade que lhes chega através dos meios de comunicação e à realidade que recebem do centro. Este paradoxo com a sua própria realidade é um potencial gerador de conflitos pessoais e sociais, e por isso mesmo: humanos. No mundo globalizado de hoje, onde vemos um pouco do mesmo repetindo-se em todos os cantos do planeta, escapei para uma pequena ilha no Atlântico Norte, na costa Oeste Africana, na tentativa de capturar a singularidade das suas vidas, das suas vozes periféricas. Quanto à minha tarefa: através do teatro inspirá-los a utilizar a sua singularidade no desenvolvimento da sua sociedade.
Cabo Verde é um arquipélago de 10 ilhas banhadas pelo Atlântico, com a comunidade crioula mais antiga do mundo moderno. Desde o século XV que funciona como um ponto estratégico de encontro entre o continente Americano, Africano e Europeu. Desde o comércio à cultura, Cabo Verde sempre foi encruzilhada de um conhecimento global. Um bom exemplo desta mistura é a capital cultural, Mindelo. Como segunda maior cidade, com cerca de 70 mil habitantes, Mindelo vive de costas voltadas para a sua periferia. Estigmatizadas pelo desemprego crónico, estas recentes comunidades periféricas convivem diariamente com um universo de drogas, violência, carência, exploração laboral e abandono social.
Surpreendentemente, nada parece roubar o sorriso de esperança dos seus rostos, nem a sua vontade de celebrar a vida.
Multipliquei os meus sentidos em busca dos seus desejos e dos seus sonhos. Ouvi lamentos e gritos selvagens de revolta. Maravilhei-me com a alegria que lhes nascia nos olhos. ‘Viciei’ o meu corajoso grupo de actores do Mindelo para me acompanhar nesta viagem: de descoberta da identidade e das estórias desta periferia, da qual fazem parte. Transformamos o nosso palco no seu mundo - libertando estas estórias, marginais e únicas. Foi assim que os conheci, enquanto me desvendavam as estórias de suas vidas, essa inconfundível mistura de imensa alegria e penoso isolamento. Assim Mindelo virou “mim’delo” (mim = eu, quem sou eu que habito em redor do Mindelo, eu também sou Mindelo?).
Este é um emocionante retrato de África narrado por um dos seus povos periféricos. Estas são estórias que não caem na armadilha tendenciosa dos média do Ocidente que espalham uma imagem ubíqua de fome e desencanto num continente sem ideias nem esperança. A missão deste documentário é viajar pelo mundo e aumentar a sensibilização para outras comunidades com uma população de jovens marginalizados, e dar-lhes uma voz. Com este projecto pretendemos criar laços entre as comunidades lusófonas e crioulas que incentivem outras formas de acção social através das artes e da criatividade, buscando assim novas respostas que inspirem o desenvolvimento destas sociedades com base na suas originais características humanas.
À medida que a pós-produção deste filme avançava, uma mesma pergunta se repetia à minha volta: “Mas afinal quem é a personagem principal?”. É talvez esta criatura frágil e festiva, capaz de grandes sacrifícios e de uma misteriosa “morabeza”. Chamam-lhe Mindelo.
Mindelo
A ilha de São Vicente em Cabo Verde, África Ocidental, tem sido ao longo dos anos considerada uma ilha ensolarada e habitada por pessoas descontraídas e festivas. De acordo com Joaquim Vieira Botelho da Costa, Governador da Ilha de São Vicente no século XIX, “Este povo, como o de toda a província, é muito amante de festas e folgares, para o que aproveitam todo e qualquer pretexto.”
Contudo, hoje em dia, devido ao desemprego, ao crescente fosso entre ricos e pobres e à falta de alternativas, o número de jovens marginalizados está a aumentar. São também eles os mais vulneráveis ao abandono social, à entrada no mundo do crime e ao consumo de drogas.
“mim’delo” reflecte a luta dos jovens de todo o mundo, quer em Moscovo, Manila, Manágua, Mombasa - ou Mindelo!Com uma divulgação eficaz e uma multi-plataforma de distribuição, o documentário pode produzir um efeito de ‘bola-de-neve’ nos jovens de todo o mundo, unindo-os com a juventude do Mindelo através das artes performativas, da música e da narração audiovisual. Colectivamente, eles podem ajudar-se mutuamente para enfrentar os estigmas de isolamento, alienação e abandono.”
Mindelo, entre a ficção e a realidade (artigo de Ana Cordeiro)
“Recordo de algum tempo em estudos que me passaram pelas mãos sobre algumas ilhas do Pacífico, ter sido confrontado com realidades semelhantes.”
Alberto Vieira, Director do Centro de Estudos da História do Atlântico (CEHA), sobre “mim’delo”
ver site do projecto aqui