A "Maison Tropicale" de Ângela Ferreira
Ângela Ferreira nasceu em Maputo em 1958, mas vive e trabalha actualmente em Portugal. A sua experiência artística, caracterizada pela interdisciplinaridade, questiona sempre de modo pertinente as relações geopolíticas entre a África e a Europa. Desenvolve, desde os seus inícios, uma obra sensível às problemáticas relacionadas com a globalização e as consequências da guerra colonial. Consequências no que diz respeito, nomeadamente, à arquitectura, cujas obras coloniais, sempre presentes em África, reflectem uma presença fantasmagórica. O projecto “Maison Tropicale” (Casa Tropical) foi executado inicialmente em 2007 no âmbito do pavilhão português da Bienal de Veneza. Um trabalho de detective/ antropólogo/arqueólogo acerca destas casas de alumínio concebidas por Jean Prouvé nos anos de 1950 e destinadas às colónias francesas. Entre 1949 e 1951, o estudo e criação destas casas inscreviam-se num programa de alojamento social destinado aos países colonizados. Foram executadas três casas e transportadas para Niamey, no Níger e para Brazaville, no Congo. No início, estas casas assustavam os autóctones pouco habituados a este tipo de arquitectura. No entanto, foram habitadas e, a pouco e pouco, foram-se fundindo na cidade. No entanto, nos anos de 1990, uma vez que o design e a história do design estavam na moda, as casas foram desmanteladas e repatriadas para a Europa. A seguir, foram vendidas por montantes colossais no mercado de arte internacional. Ângela Ferreira afeiçoou-se, de facto, à história da Maison tropicale de Prouvé: Antes, durante e depois. A instalação foi exposta novamente em La Criée, centro de arte contemporâneo de Rennes, de 28 de Novembro de 2008 a 1 de Fevereiro de 2009. Tratava-se da primeira exposição individual da artista em França. Uma instalação concebida a partir de fotografias e uma enorme estrutura de madeira e metal que o visitante podia atravessar. A estrutura não era, rigorosamente falando, uma reconstituição fiel da casa de Jean Prouvé. Ferreira inspirou-se na sua forma e nos seus elementos originais para criar uma nova casa tropical. Uma casa em que o visitante pudesse experimentar sensações e impressões próximas das dos seus antigos habitantes. Por isso, a artista recriou a casa de Jean-Prouvé num “contentor de memória” (Jürgen Bock). As fotografias tiradas pela artista mostram as marcas que ficaram no lugar das casas. As fotografias parecem ser fontes arqueológicas da sua existência e da sua passagem pelo continente africano. Para acompanhar a instalação em Veneza em 2007, foi realizado um filme documentário de 28 minutos, intitulado “Maison tropicale” de Manthia Diawara1 em colaboração com Ângela Ferreira. A artista e o realizador voltam às marcas da Maison tropicale do arquitecto francês Jean-Prouvé. As marcas físicas, mas também marcas de memória. Trata-se, como sublinhou o antropólogo e historiador Eloi Ficquet, de uma “arqueologia do contemporâneo”, de uma luta contra o esquecimento e o processo de apagamento2 Diawara e Ferreira, para compreenderem melhor a existência desta presença europeia, entrevistaram e conversaram com os antigos habitantes destas casas em alumínio situadas no Congo Brazaville (em Brazaville) e no Niger (em Niamey). Estas conversas permitiram não apenas questionar a história destas casas, mas também a história colonial no seu conjunto. Ângela Ferreira conta a origem das casas, aquilo que lhes aconteceu, levantando a questão subjacente da fuga (da pilhagem)) do património africano. Exposta em Nova Iorque e à venda no mercado da arte por montantes astronómicos. Uma das antigas habitantes da casa de Brazaville, pensa que, de qualquer forma, a casa está bem melhor nos Estados Unidos, nas mãos Americanos, que, segundo ela, revelarão por ela mais respeito e terão meios para a conservar. A casa estava num avançado estado de degradação quando ainda se encontrava em Brazaville. Os habitantes da capital congolesa não se sentiriam orgulhosos por recuperarem a casa de Prouvé enquanto património nacional e colonial? Uma casa inscrita na história do país e da vida quotidiana dos seus habitantes. Quando estava no Congo, os congoleses tinham medo desta estranha casa de alumínio, com formas que não eram habituais. Tinham medo porque não a conheciam: chegou e depois partiu sem qualquer explicação. Eles não conheciam a sua história e as suas ambições. Se soubessem, teriam impedido o seu desmantelamento e o regresso para a Europa e Estados Unidos? Manthia Diawara não esconde o que pensa sobre este assunto e é de opinião que estas casas devem, por direito, voltar a África, seja qual for o seu estado de conservação e o seu futuro. Os Ocidentais terão o direito de implantar as suas casas nas “suas colónias”, para, a seguir, decidirem desmantelá-las e vendê-las sem perguntar aos habitantes locais?
“Maison tropicale” é um projecto pluri- e transdisciplinar, que tem a ver com a arte plástica, o cinema, a arquitectura, a antropologia, a etnologia, a História, a sociologia, a política, etc. Ângela Ferreira põe em acção uma restituição de palavras, de memórias, histórias pessoais e colectivas e interesses pessoais e colectivos.
- 1. Manthia Diawara (que nasceu em 1953, em Bamako, no Mali) é Cineasta, Professora de Literatura comparada e de Cinema, Directora dos Etudes Africaines e do Institut afro-américain da Universidade de Nova Iorque.
- 2. Associado à exposição Hard Rain Show apresentada no espaço La Criée em Rennes, foi realizado um colóquio intitulado « Ex-Tensions : Créations Africaines et Postcolonialismes » (Ex-tensões: Criações Africanas e Pós-colonialismos), que teve lugar no espaço Champs Libres de Rennes nos dias l15 e 16 de Janeiro de 2009. Este colóquio propunha uma reflexão múltipla e extremamente rica de conteúdo sobre o que são os estudos pós-coloniais e o seu âmbito nos campos de investigação relacionados com a arte contemporânea e a crítica de arte.