Dia municipal do Poetry Slam é comemorado pela primeira vez no Rio de Janeiro

No último sábado, 26 de outubro, foi celebrado pela primeira vez o Dia Municipal das Batalhas de Poesia Falada (SLAM) do Rio de Janeiro. A Casa do Nando, um quilombo urbano, foi o ponto de encontro para as comemorações: “A Casa do Nando tem uma construção a partir da cultura preta. É uma forma da gente se mostrar resistência ocupando o centro do Rio de Janeiro” – declarou Daises Santos ao nos apresentar a casa – “Pra gente é um grande prazer tá recebendo este evento hoje”.

Card de divulgação do Dia Municipal das Batalhas de Poesia Falada (SLAM) do Rio de Janeiro.Card de divulgação do Dia Municipal das Batalhas de Poesia Falada (SLAM) do Rio de Janeiro.

O Projeto de Lei N. 2528/2023 que deu origem a Lei N.8.297, aprovada no dia 24 de abril deste ano, foi elaborado em interlocução e parceria com a Rede de Slams do Rio de Janeiro e submetido a Câmara Municipal pela vereadora Luciana Boiteux (PSOL). O projeto de inclusão do poetry slam no calendário oficial da cidade começou a tramitar na Câmara dos Vereadores do Rio em 2023, ano que marcou os 10 anos da primeira competição registrada no estado, o Slam Poetas Compulsivos realizado em 23 de agosto de 2013 no Morro Agudo, região metropolitana do Rio, seguida pelo surgimento do Slam Tagarela, no centro da cidade. 

Slammer e assessora parlamentar de Luciana Boiteux (PSOL), Brenda Marques nos contou como a ideia do dia municipal surgiu: “Fiquei pensando em como a ferramenta parlamentar poderia contribuir para fortalecer o slam enquanto um espaço que é produção de saúde mental, que é identidade, que é fortalecimento de juventude, que é economia criativa” e “começo a pesquisar na Câmara Municipal se existia alguma iniciativa parecida com essa e aí eu não encontrei nada a nível de dia municipal de slam”. 

Brenda pesquisou também se tal iniciativa ocorreu em outros estados brasileiros e afirmou que só achou uma proposta do poetry slam no calendário oficial de uma cidade do interior de São Paulo: “Eu, pelo menos, não achei outro [PL]. Tem alguns que são batalhas de rima e poesia, mas de slam especificamente não. Este de São Paulo não estava escrito que era slam, mas eu entendi que era slam pela justificativa, pela estrutura da PL mesmo. Geralmente, poesia falada, quando se expressa deste jeito, é slam. Quando é pra falar de batalha é batalha de rima. Agora batalha de poesia falada é meio como a forma de dizer SLAM que, de fato, não é uma palavra comum, não é uma palavra de fácil associação. Sempre tem essa coisa de ´Ah, o que significa slam? É slam de islâmico?´. Então, quando vi este de São Paulo, tinha isso, batalha da poesia falada”.

Brenda e Capa Versa, slammer da Baixada Fluminense, apresentaram a ideia para a Rede de Slams RJ: “Nesse processo de construir o dia municipal é onde entra a importância da Rede, que é uma rede que reúne os slammasteres de todo Estado e organiza o campeonato estadual que vai acontecer agora em novembro. Então, quando a gente pensa isso, a gente entra em contato com a Rede e a Rede tem nomes muito importantes, né?” – disse Brenda Marques –  “Então, a gente fez um grupo com essas cabeças que impulsionam o slam há muito tempo [no Rio]. Aí, com este grupo, a gente puxa uma plenária e aí esta plenária é maior do que este grupo, e é aberta para os slammasters. É com esta plenária que a gente começa a decidir as coisas como, por exemplo, qual seria o dia.”

Com a plenária estabelecida, Brenda lembra que foram propostas mais de uma opção de datas para fazer o Dia Municipal: “Aí teve uma discussão, né? Se ia fazer o Dia Municipal ser o dia do primeiro slam ou se ia fazer o dia municipal ser um dia simbólico para a cena. E aí chegamos a conclusão de que o melhor era fazer um dia simbólico para a cena.” – continua Brenda – “Qual foi o dia que marcou a expansão da cena? E o que ficou na memória de todos os poetas? Foi o dia 26 de outubro de 2017, que foi o dia do primeiro campeonato estadual do Rio de Janeiro. O bom da justificativa que a gente construiu da PL é que ela conta a história, né?”.

Desta forma, o texto de justificativa do Projeto de Lei N. 2528/2023 também se tornou uma fonte histórica com informações valiosas sobre as origens da cena slam do Rio de Janeiro, elencando os nomes das pessoas pioneiras do Rio, seja na organização de eventos, seja os nomes vencedores da primeira grande edição realizada na cidade, e pode ser consultado na página da Câmara Municipal.

A poeta e slammaster do Slam Negritude, Josi de Paula, também destaca a importância do levantamento de dados no processo de elaboração do PL: “Na pesquisa da justificativa do projeto do Dia Municipal, a gente também foi trazendo outras memórias, a gente foi organizando uns dados e a gente viu que o primeiro slam do Rio foi o Slam Poetas Compulsivos, organizado pela galera do Enraizados, Morro Agudo, Nova Iguaçu. Mas o primeiro campeonato estadual é em 2017, 26 de outubro, na UERJ [Maracanã]. Por isso a data. Porque neste dia os slams do Rio de Janeiro estiveram juntos em um único evento [pela primeira vez].” – destacou Josi de Paula.

Card de divulgação do 1º Campeonato Estadual do Rio de Janeiro, o Slam RJ, realizado em 26 de outubro de 2017 na UERJ como parte das atividades do Seminário dos alunos da Pós-Graduação em Letras da universidade.Card de divulgação do 1º Campeonato Estadual do Rio de Janeiro, o Slam RJ, realizado em 26 de outubro de 2017 na UERJ como parte das atividades do Seminário dos alunos da Pós-Graduação em Letras da universidade.

 

Preta Poética, que faz parte da coordenação da Rede de Slams do Rio de Janeiro, conta que a Rede recebeu com entusiasmo a ideia de inserir o poetry slam no calendário oficial da cidade: “Quando o Capa [Versa] e a Brenda [Marques] vieram conversar com a gente, a gente topou de cara! A gente tinha algumas datas em mente, mas a gente não queria bater com datas que já existem. Já tem o Dia do Poeta, o Dia da Poesia, o Dia do Escritor e a gente começou a pensar em datas importantes pra gente da cena do slam. ´Ah, o primeiro slam´, e a gente foi buscar qual foi o primeiro slam e a gente descobriu que o primeiro slam do Rio foi feito em Nova Iguaçu”.

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) reúne 22 municípios, incluindo a própria capital, sendo Nova Iguaçu um dos mais populosos. Estudos e indicadores socioeconômicos sobre a RMRJ afirmam que “entre 6 horas da manhã e 6 da noite, a capital recebe mais de 2 milhões de pessoas”1 que se deslocam diariamente para vender sua força de trabalho no centro da cidade do Rio. Neste cotidiano tão interligado, um evento poético frequente é o “bater vagão” fazendo poesia, fazendo slam, também no transporte público durante o deslocamento diário dentro da RMRJ, com novos sujeitos de enunciação cerzindo centro e periferias.

O slammaster das comemorações do primeiro aniversário foi Capa Versa. Na cena do poetry slam do Rio de Janeiro desde 2015 e o morador de Nova Iguaçu, o poeta afirmou em entrevista: “Tô na luta para sobreviver da arte. A gente conseguiu botar [o slam] na história, conseguiu mostrar que a gente não é só um barulho de praça”.

Efêmero, morador do bairro de Guadalupe e slammaster do Slam Afroafeto e Slam Granito, afirmou: “Tá aqui celebrando é uma construção enorme” – e continua – “Registrar [este dia] como primeiro marco de Rede mesmo, é o mais importante. Esta rede que a gente tem construído tanto pros editais mas também de acolhimento. Não é só o slam batalha de poesia, mas e também o slam onde a gente se acolhe, a gente se escuta, a gente se apoia” e o “movimento acontece independente da data, independente do estado. É a arte independente independentemente. Eu acho que a data, ela tá pra gente ter também esse lugar de reconhecimento porque a gente precisa viver, se alimentar, precisa de dinheiro pra fazer os rolês. Eu acho que essa data se tornar também uma data estadual significará mais uma conquista”.

A slammer Rainha do Verso compartilhou conosco sua alegria por estar na Casa do Nando celebrando a data: “Eu fico muito feliz de tá aqui”. E destacou a importância do Dia Municipal do Slam: “Acho que é fundamental [ter este dia]. É você valorizar a poesia marginal dentro de um município onde toda cultura é pautada pela margem. A gente tem funk, a gente tem samba, a gente tem pagode e a gente também tem o slam, que é também uma forma poética que precisa ser valorizada da mesma forma que outras modalidades poéticas também são. Então, é muito importante você realmente valorizar a cultura literária que não necessariamente vem de dentro da academia e tem um papel fundamental na sociedade”.

Sheila Martins afirmou: “A minha presença na cena dos slams é como interprete de libras”. Pedagoga e doutoranda em Educação, Sheila Martins compartilhou conosco sua satisfação com a entrada do poetry slam no calendário oficial da cidade: “Pra mim é uma data muito simbólica porque é o dia da gente comemorar uma coisa que é tão significativa pra gente. O slam pra mim tem uma potência de vida e é onde eu sinto meu corpo vibrar de existência mesmo e ter um dia que a gente possa comemorar e falar sobre, pra mim é importante, mas ainda sinto falta das pessoas surdas estarem aqui presentes. Para eles esse caminho é muito complexo, porque esse caminho foi negado pra eles por muito tempo. Acredito que isso vai mudar, é um movimento”.

Slammaster do Slam da Lapa e um dos poetas que concorrerá no campeonato estadual deste ano, Monrá nos contou que seu encontro com o poetry slam foi em 2018 quando participou do projeto “Poesia Preta” da FLUP: “Eu fui mais conhecer, entender o que era poesia falada. Eu fazia freestyle que era uma outra coisa, que é você rimar de improviso. O freestyle é um pouco mais cadenciado. Eu sabia que a minha parada não era muito próxima a batalha de rima na questão do flow, mas eu sabia que ideia eu tinha muita pra botar [pra fora]. E aí o slam me mostrou esse meio termo, ali, entre a parada escrita mas que também pode ser improvisada, uma certa performance meio falada sem o beat. E aí eu comecei em 2018. O primeiro slam que eu fui, eu ganhei”.

Monrá também destacou a importância da Rede de Slams do RJ: “Faço parte da Rede enquanto uma peça de um slam que movimenta o estado, não tô na organização diretamente, mas eu tento o máximo que posso colaborar, fazendo trabalhos com a Rede, em paralelo. Pô, a Rede me levou pra fazer poesia no Museu de Arte do Rio. Pensei que eu nunca fosse pisar lá e, talvez, sozinho eu não pisasse, porque é um degrau de conhecer pessoas”. 

Para Monrá o slam deve operar como uma comunidade, reconhecendo a importância de cada pessoa que a compõe: “Eu acho que o slam só vai evoluir enquanto movimento no dia em que ele entender que ele tem que ser coletivo, que não importa a personalidade que eu seja dentro do movimento, eu sou só um e que somos todos o mesmo. Porque se eu acho que eu me destaco mais do que o movimento, eu tô fazendo errado”. 

Em entrevista, o slammer destacou ainda a influência do Hip Hop na cena do slam brasileiro, lembrando as premissas do movimento: “O hip hop fala que a primeira coisa importante para pregar o hip hop é tá em coletivo. O hip hop não é singular, é uma cultura, precisa de outros braços. Todo mundo é braço. Hoje não tem aqui um representante da cena de slam. Cada poeta, cada público, cada plateia, cada pessoa que tá aqui é o slam”. 

Na intenção de fortalecer esta comunidade, Preta Poética destacou a necessidade de se pensar também a comemoração e o reconhecimento da data no âmbito do calendário estadual do Rio de Janeiro: “A gente tem o municipal, a expectativa é a gente conseguir o estadual. Se a gente conseguir o estadual, a gente vai dar visibilidade a todos os slams do Estado [do Rio] e aí a gente consegue alcançar todo mundo, movimentar secretarias de cultura, secretarias de educação porque elas tem as pessoas do nosso público”. 

Após abertura das celebrações, Capa Versa passou o microfone para Josi de Paula, que fez parte da primeira coordenação da Rede de Slams do Rio de Janeiro e compartilhou com a plateia a história da Rede e a pesquisa para o projeto de lei que instituiu o Dia Municipal do Slam. 

“Hoje eu tô tendo a honra de tá aqui fazendo essa introdução sobre a Rede de Slams” – declarou Josi de Paula  -“Esse dia, na verdade, é uma confluência das nossas potencialidades, é um marco pra gente pensar em rumos e a gente seguir.”

Comemorando o Dia Municipal, mas também já em conexão com num projeto de lei que reconheça o Slam no âmbito Estadual, Josi de Paula passou o microfone para Daises Santos que atua na área de cultura no mandato da Deputada Estadual Dani Monteiro (PSOL). Daises lembrou que, por enquanto, ainda não há nenhum projeto de lei em curso sobre, mas há a intenção de somar forças na conquista de mais este reconhecimento.  

Em entrevista, Josi de Paula também já tinha destacado a relação do slam com a juventude: “A estética do slam chama a atenção da juventude para a literatura porque ela fala a língua da juventude. Então, essa data eu espero que seja um marco para cada vez mais a gente conseguir visibilizar essa arte porque quanto mais a gente visibiliza, mais a gente amplia a nossa capacidade de tá transformando os territórios em que a gente atua”.

Preta Poética que coordena a Rede de Slams do Rio de Janeiro com Sabrina Azevedo, Dorgô e 4-Ó, afirmou que o Estado do Rio conta com cerca de 100 slams entre ativos e inativos: “Hoje no Rio, ativos somos 39 slams no total. Destes 39, 19 são novos” – e continua – “O Estadual deste ano será feito com 23 slams e desses 23, seis são novos. Pra entrar no [campeonato] estadual tem que ter um mínino de edição e teve slam que não fez. [O mínimo] são quatro edições mais a final. Este limite quem faz não é a gente, esse limite vem do [Slam] BR [campeonato brasileiro]. É o BR que estipula quantas edições a gente faz, mediante uma conversa com a gente [antes]. Antigamente, a edição mínima acordada era de cinco edições mais uma, então, era mais puxado e agora são quatro mais a final”.

Vale registrar aqui que o Slam RJ – Campeonato Estadual de Poesia Falada do Rio de Janeiro é esperado com grande expectativa e será realizado nos dias 1º, 2 e 9 de novembro no Espaço Cultural Calouste. 

A noite de comemoração do primeiro Dia Municipal das Batalhas de Poesia Falada (SLAM) do Rio de Janeiro seguiu na Casa do Nando com muita performance poética e o desejo de tornar esta celebração também estadual. A inclusão desta data no calendário oficial do Rio de Janeiro é uma iniciativa ímpar e já nasce como uma das pioneiras do Brasil e do mundo, abrindo caminho para outras ações de reconhecimento do poetry slam através da ferramenta parlamentar e, com certeza, fortalecendo a cena slam na nossa sociedade e no âmbito das políticas públicas de cultura.  

As entrevistas aqui citadas foram realizadas no dia 26 de outubro de 2024, presencialmente na Casa do Nando. Agradecemos a colaboração e as informações concedidas por Brenda Marques, Capa Versa, Daises Santos, Efêmero, Josi de Paula, Monrá, Preta Poética, Rainha do Verso e Sheila Martins.

 

 

  • 1. MODESTO; FRIEDE; CAVALCANTI; MIRANDA. Transporte Público na Região Metropolitana do Rio de Janeiro: Caos Urbano e Insustentabilidade Ambiental. Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v.08, n.57, 2020, p. 128-146.

por Miriane Peregrino
Cidade | 30 Outubro 2024 | poetry slam, Rio de Janeiro, slam