morreu o pai Cabé, grande animador cultural angolano...
Pai Cabé: O artista do Largo da Peça comanda Marítimo da Ilha
Cabé ou Tito, como é carinhosamente tratado pelos parentes e amigos, tem uma longa e rica trajectória de vida. Toda ela, marcada por animações nocturnas. Assistiu e testemunhou o nascimento de várias casas nocturnas em Portugal.
Para além da música e dos espectáculos está ligado ao restaurante Marítimo da Ilha. Pai Cabé tem 68 anos. É um dos maiores ícones na animação musical nocturna de Luanda. É um homem da música e feito para a música, desde criança.
Transmitiu toda a sua vivência musical e artística a Paulo Flores, o seu primeiro filho. Cabé nasceu nas imediações do Largo da Peça, em Benguela, onde viveu parte da infância. A mãe, Maria Fernanda Flores, trabalhava como enfermeira no dispensário do Lobito. O vai e vem todos os dias, atrapalhava o lar. Por essa razão, anos mais tarde, tomou a iniciativa de se transferir para o Lobito.
Filho do piloto aviador José Fragoso, passou a adolescência e fez inúmeros amigos no Lobito. Destes, ainda recorda as correrias e traquinices vividas com Jaime Coco, Marta da Silva, Ferreira Pinto, José Severino e Carapinha.
Futebolista e militar
“Tínhamos uma convivência rica. Não tínhamos TV, telefones, nem mesmo computadores”, disse Cabé. Na juventude começou a destacar-se como um grande futebolista. Decidiu fazer carreira no desporto rei. Participava em quase todos os trumunus da rua. Em 1961, inserido num grupo de jovens, viaja do Lobito para Luanda. O destino final era Lisboa, Portugal, onde pretendia tirar o curso de mecânico de radar na Força Aérea. Mas foi mobilizado para o exército colonial.
A recruta não lhe deu espaço para se apresentar no Sporting de Luanda, clube para o qual vinha recomendado. Desde que entrou para o quartel raras vezes saiu. Um dia, acompanhado do colega Manecas Acácio Simões viu uma carrinha do Ferroviário de Luanda. Ávidos de jogar futebol, foram assistir a um treino. Pai Cabé equipou-se e durante o treino convenceu a equipa técnica do Ferroviário de Luanda.
O treinador decidiu inscrevê-lo como jogador. Em 1962, alinhou pela equipa do Ferroviário num jogo contra o Sporting de Luanda. Dos jogadores de 1962, recorda-se de Calabeto, Cerqueira, Almeida, Rosa, Dias Viana e outros. Mais tarde teve uma efémera passagem pelo Sporting de Luanda até ao abandono definitivo do futebol.
O gosto pela música
Pai Cabé passou a dedicar-se em exclusivo à música. Começou a tocar em festas. Em 1973, por altura do nascimento do seu primeiro filho, Paulo Flores, compra uma aparelhagem de som. A festa de nascimento de Paulo Flores foi um sucesso.
Em todas as cerimónias festivas da rua, os vizinhos passaram a requerer os seus préstimos. Pai Cabé ficou famoso na Cuca e mais tarde no São Paulo. Tocava em todas as festas.
Já como funcionário da Auto Sueco tocou em todas as províncias. E granjeou prestígio e renome. Em 1983, surge oportunidade de viajar para Portugal. Durante a sua permanência em Lisboa, tocava em festas de angolanos.
Em 1985, Pai Cabé começou a revitalizar várias casas nocturnas com estilos angolanos. Em Portugal, testemunhou a abertura do centro recreativo e cultural IFE, Kandando, Kudissanga, Kussambila, Dominó, Sarabanda, Sasassa e várias outras. Carlos Alberto Flores quando tocava era sinónimo de casa cheia. Os lucros deram-lhe a possibilidade de se transformar sócio-gerente dos muitos estabelecimentos onde tocou. Tocava e administrava.
O aniversário da Força Aérea
Carlos Alberto tem como pseudónimo artístico Pai Cabé. Nasceu em Benguela. Guarda como momento marcante na sua carreira artística o ano de 1976, altura em que tocou no primeiro aniversário da Força Aérea Nacional. “Foi no Negage. Na época era o comandante da FAA o general Iko Carreira. Fiz uma montagem sonora que emitia o barulho de um avião a jacto. Todos se assustaram. Foi bonito”.
Pai Cabé responde
PAULO FLORES BEBEU MUITO DE SI?
É verdade e é natural que isso aconteça. Ele saiu muito cedo de Angola. Durante as férias ele vinha para Angola. Levava-o às festas onde eu tocava. Isso ajudou nas suas composições e letras.
AS MENSAGENS MUSICAIS RETRATAM A SUA VIVÊNCIA?
Há pessoas que lhe chamavam mentiroso e diziam que eu é que fazia as letras. Vou explicar o porquê disso. O Paulo apanhou o recolher obrigatório aqui em Luanda. Por isso ouvia as nossas conversas nocturnas de quintal. Quando ele decidiu começar a cantar optou pelas nossas convivências sociais. Ele é que compõe as suas músicas. É um exímio compositor.
QUANDO É QUE REGRESSOU A ANGOLA?
Em 2004. Vim para pegar na gerência do Centro Recreativo Kilamba. Estive no Kilamba durante um ano e alguns meses. Depois, virei-me para outro projecto na Chá de Caxinde. Estive lá durante um ano. Depois senti-me cansado.
HÁ DIFERENÇA ENTRE A VIDA NOCTURNA E DIURNA?
Muita. A vida nocturna é completamente diferente da diurna. A nocturna é a vida do copo e das amizades. Não vemos os problemas como durante o dia. Na minha forma de viver, achei que a noite era o meu mundo.
HÁ QUANTO TEMPO GERE O MARÍTIMO DA ILHA?
Desde Dezembro de 2010. Temos música ao vivo e teatro. Espero que as pessoas não se desiludam. O Marítimo está em pé de igualdade com muitas casas nocturnas de Luanda.
OS SEUS IRMÃOS?
Éramos seis. Três rapazes e três meninas. Um dos rapazes faleceu.
Hoje somos cinco.
É O PRIMEIRO?
Sim. A minha avó era uma exímia tocadora de piano. Talvez seja daí que herdei a veia artística.
É CASADO?
Já fui. Agora sou divorciado e livre como um passarinho.
QUANTOS FILHOS TEM?
Não respondo. Posso dizer que sou pai de uma resma deles. Alguns estão cá, outros no exterior do país. Sou avô de nove netos.
Jornal de Angola fevereiro 2011