Contact Zone
No dia 8 de Julho 2012, 53 pessoas provenientes de quinze países diferentes foram reunidas numa praia no nordeste de Inglaterra para emprestar os seus corpos a uma recriação silenciosa. Inspirado por uma gravura do século XVIII, representando o navio negreiro Brookes, Contact Zone questiona o que significa viver numa sociedade multi-cultural onde a identidade, cultura e costumes são diariamente negociados. Contact Zone é um termo cunhado pela linguista Mary Louise Pratt para referir “espaços sociais onde culturas se encontram, chocam e lutam umas com as outras, frequentemente em contextos de assimétricas relações de poder, no caso do colonialismo, escravatura ou, consequentemente, em muitas partes do mundo de hoje.”
Este projecto reinterpreta o navio negreiro Brookes como um dos ‘espaços sociais’, apropriando-se dele enquanto símbolo de maneira a explorar os legados transculturais do Comércio Triangular nos nossos tempos. Hoje em dia, na Europa, o apoio aos partidos políticos de extrema-direita tem aumentado; crescem os ataques racistas e a imigração é vista como um fenómeno negativo. Abordando as trocas transculturais desencadeadas pelo passado, este trabalho proporciona uma plataforma para reflexão de como estes eventos moldaram e continuam a dar forma à nossa sociedade multicultural.
Contact Zone explora a contradição entre a teoria pós-colonial e as estruturas que regem a nossa sociedade. Apesar da teoria reivindicar, destacar e fortalecer a voz do ‘outro’, antes ignorada, estas vozes são ainda fortemente controladas, consignadas e restringidas a círculos herméticos (mediados e vetados). Isto é o ‘multiculturalismo’, no modo como é ‘negociado’, traduzido, embalado e distribuído pelos poderes hierárquicos.
Adotando uma estrutura fílmica durante a acção performativa, muito planeada e regulada, Contact Zone emulou o modus operandi da sociedade. Os participantes foram confrontados com um novo contexto cultural, um novo sistema de regras e de costumes; condicionando-os a negociar o seu posicionamento e a aprender a adaptar-se ao novo ambiente. Ao navegar a praia, os indivíduos usaram não só a paisagem como ponto de referência mas também se usaram uns aos outros de maneira a negociar a sua posição no espaço. Rapidamente tiveram que forjar novas relações entre si. Ao longo da filmagem de take para take, esta negociação entre o indivíduo e o grupo, entre o grupo e o espaço, foi evoluindo e alterando-se num contínuo teste de tentativa e erro. A forma do barco permaneceu incompleta; aludindo à construção e reconstrução duma sociedade aberta onde os seus cidadãos se deslocam provocando fronteiras em constante mudança.
O resultado é uma narrativa que lentamente se desenrola. Num processo semelhante à dinâmica do intercâmbio cultural na nossa sociedade, as desigualdades, os desequilíbrios de poder e subjugações não são claramente explícitas. Estas precisam de ser encontradas debaixo de uma superfície de aparente concordância, calma e placidez que, de facto, esconde as políticas de controlo e dissidência.
Artigo originalmente publicado na revista Este Corpo que me Ocupa, Buala 2014.