Banho de espuma
Diferente do que acontecia com indivíduos da sua idade, Nelson nunca dava uma justificação plausível para o fim das suas relações amorosas. Por isso, as pessoas não paravam de questionar:
- Porque razão os namoros do Nelson são tão efémeros? Ele tem boa aparência, é educado, com um salário acima da média mas as moças não duram com ele.
E foi para terminar com esses comentários indesejáveis que Nelson resolveu consultar um médico tradicional.
Protegido pela calada da noite e já no consultório médico, onde de certeza ninguém mais o iria escutar, Nelson confessou:
- Doutor, por favor, peço que me cure, sou impotente!
O médico tradicional lançou os dados e leu o diagnóstico, numa das línguas faladas em Moçambique que Nelson bem entendia:
- Não consigo ver bem mas…há muita espuma à sua volta… um homem próximo ao senhor…
- Um homem? Mas quem é ele? - questionou o Nelson assustado.
- Pegue neste sabonete, está tratado. Sempre que tomar banho misture um bocadinho com outro sabonete normal.
Ouvindo isso Nelson não quis saber de mais nada. Pegou no sabonete e retirou-se, sem se despedir. Ele iria descobrir quem é esse ”homem próximo a si que o quer ver impotente”.
Lembrou-se então da lei da conservação da energia: “nada se perde tudo se transforma”. Analisando segundo a mitologia africana, a sua virilidade não se perdeu mas sim transitou para o tal indivíduo que o seu vidente lhe falara.
- Lógico! O homem mais próximo a mim só pode ser o meu pai! Pois é, o homem tem uma prole de filhos que nunca mais acaba, só pode ser às minhas custas que ele é assim.
E foi com essa bolha de sabão na cabeça que Nelson correu para casa. Ao chegar, a bolha rebentou. Espancou o seu progenitor de uma forma bastante grave. Só os vizinhos é que o interromperam, levando-o para a esquadra. O seu pai, já em coma, foi transportado para o hospital.
O tempo foi passando e o velho recuperou paulatinamente dos danos sofridos. Já consciente, recordou-se de todo o esforço e sacrifício para criar o Nelson. O filho que tanto carinho e amor recebeu de si agora lhe batia, acusando-o de feiticeiro. Mas como todo o pai que se preze, perdoou-o.
Dirigindo-se à prisão, o velho informou o filho que iria falar com o seu advogado para retirar a queixa e libertá-lo da pena que cumpria.
Nelson não aceitou a proposta do pai. Não porque rejeitasse o seu perdão mas por uma outra razão muito forte. Contou ao seu pai que um dia, ao tomar banho na prisão, deixou cair o sabonete tratado, o tal que recebeu na consulta tradicional.
João, um seu companheiro de cela, agachou-se para apanhar o suposto detergente. Nelson viu-o e sentiu um inexplicável arrepio. O seu corpo estremeceu como se fosse um vulcão entrando em erupção. Foi assim que descobriu que estava curado.
Não querendo perder aquele momento único e maravilhoso, comemorou o acontecimento com o seu companheiro de cela. Em seguida, e como por milagre, a casa de banho encheu-se de espuma de várias cores, formando um autêntico arco-íris. Lembrou-se então da frase do profeta: “muita espuma à sua volta e um homem próximo ao senhor”.
Após o banho fizeram um pacto. Só sairiam da cadeia ao mesmo tempo, com planos para prosseguirem uma vida em comum.
- Pois é, meu filho, devias ter falado comigo antes, eu não me espanto com essas coisas. - comentou o velho, explicando que há diversas formas de sabão: sólido, líquido, em pó… Com as pessoas tambem há diferenças. Existem pessoas cuja atracção é para pessoas do sexo oposto. Outras, a atracção está dirigida para pessoas do mesmo sexo. E isso não é coisa de outro mundo!
Mas coloquemos as coisas em pratos limpos. O meu desejo é que tu e o João sejam muito felizes, assim como eu o sou com a tua mãe.
Com essas sábias palavras pai e filho reconciliaram-se. Abraçaram-se e choraram copiosamente. As suas lágrimas lavaram todas as mágoas que por ventura ainda restavam. E porque ambos partilhavam um segredo ficaram muito mais amigos do que antes.