Em busca do espaço verde - poemas da Guiné
fotografias de Catarina Laranjeiro
PRESENÇA COLONIAL
Ainda o galo
não cantava na madrugada
da nossa razão
ainda não éramos acordados
do sono profundo
da nossa agonia
acordados
pelos chilreares dos pássaros
acordados ainda
pelo pesadelo na noite
da insônia.
ainda que a vida fosse ingrata
alimentando-nos pela fadiga,
reconhecíamos a nossa dor
o nosso direito
e o nosso dever
pabia bagera na si kumbu
i ka medi lion
ainda o silêncio das ondas do mar
favoreciam a outra banda…
de dia a fartura
à noite teremos a fome,
nunca esqueceremos
que somos homens
e filhos
di un padida
temos direitos
a nossa liberdade.
Kil ku kosan el ku nkosa…
1998
1998
na cidade de Bissau
as águas transformaram-se em sangue
a lua não iluminou
o sol não tinha quem aquecer…
os mares engoliram
as almas inocentes,
a cidade tornou-se deserto sem rosto
as mulheres nas ruas gritando
com os embrulhos às costas
1998
a cidade de Bissau
transformou-se em deserto
cuspiu ódio, vingança, e indolência…
os Homens sem consciência, e paciência.
credo
1998
os irmãos mataram irmãos
irmão castiga irmão…
por quê?
1998
a cidade de Bissau
gritou sem socorro
enquanto os homens lhe batiam,
Bissau continuou gritando
a sua dor e maldizer…
os filhos refugiaram-se
no regaço da morte
nos destinos incertos
esperanças frustradas
1998
prasa di Bisau dingui
mamá torna urdimunhu
son matchus ku fika.
ESPERANÇA RENOVADA
Guiné!
a minha esperança
floresce nos teus campos
os meus sonhos são estendidos
no manto da tua manhã
Guiné!
tenho sede
tenho fome…
os meus olhos
desejam ver os teus vestidos
de linhos…
e a tua costa perfeita de mãe
Guiné!
lá no teu fundo
onde há pobreza
e o sofrimento
que cada gota
de chuva
seja a esperança renovada
dos teus filhos
pabia kil ku no sumia
i ka el ku no na kebra
LEMBRANÇAS
Badjuda
nessa tarde do inverno
na nublada desse tempo
o teu rosto é o espelho
da minha recordação
o último aperto da tua mão fria
deixou marcas
e faz arder amor
e o teu perfume
que fazia diferença entre milhares
a tua voz que ainda escuto
dizendo: “te amo”
são lembranças que sinto
como gorjeio dos pássaros
e zumbidos das abelhas
a ti entrego o convívio
da minha alma triste
que merece repouso
da tanta mágoa