Formiga rouba diamante de uma ourivesaria na Índia - PRÉ-PUBLICAÇÃO de 'Lampreia Alerta'
(A Formiga Soberana)
A formiga-soldada,
Rapinadora voraz,
Amiúde condecorada,
Uma operária capaz!
*
Desde que veio à luz,
Ao serviço da sua grei,
A blocos a vida reduz,
No regimento vê a lei!
*
De sua rainha-mãe
Fidelíssima vassala,
Em grupo faz o bem,
Da fileira não resvala!
*
Num assédio à colmeia
Das vespas suas rivais,
Certo dia floresce a ideia,
“E se a vida fosse mais?”
*
“Levo eu tal existência,
Por um salário infinitesimal,
Na corte, só opulência,
E o povo? Pior que mal!”
*
“Que felicidade existe
Nesta maneira de ser?
Alteza anafada e triste,
Plebe magra e a sofrer!”
*
“Abaixo estes cubículos,
E o frio cálculo do tesão,
P’ra guerrear os vizinhos
E certificar a procriação!”
*
“Dane-se este formigueiro,
O sacrifício e a vida sóbria,
O que eu quero é dinheiro,
Ser rainha de mim própria!”
*
Mas não era sua intenção
Tudo procurar transformar,
No lugar de uma revolução,
Opta por empresa singular.
*
Os seus elevados valores,
De honra, glória e valentia,
E a suspeição de traidores,
Fazem-na eleger outra via.
*
A intrepidez, o grande brio,
Não para servir idealismos,
Mas um intimidante desafio
Com o maior dos egoísmos.
*
E eis que dela se aproximam
Suas antigas correligionárias
De roda gravitam e caluniam
Com ofensas, afrontas várias.
*
Não podendo demovê-la,
Invocam velhas histórias,
Assim tentando comovê-la,
Com afectuosas memórias.
*
A tão asfixiante pretérito,
A obstinada diz que não,
Tudo caiu em descrédito
Perante a nova resolução.
*
A engenheira de pontes,
Uma workaholic belicista,
Com renovados horizontes
Ganha sede de conquista.
*
De que servia depredar
E transpirar dos galhos,
Se a rapina era p’ra dar
A quem devolve migalhos?
*
“De ordinários feitos
Não se obtém a glória,
Só os grandes vultos
Perduram na memória.”
*
Liberta enfim do colectivo,
Furtaria p’ra pasmo geral,
Do mais potente ser vivo,
O mais precioso mineral!
*
Exposta à morte, mas espartana,
Só e resoluta perante esse Ente,
Antes quis ser ridícula e soberana,
Do que semi-escrava competente!
Insólitos 13/08/2018
Excerto de Lampreia Alerta, livro de contos da autoria de Ermelinda Freitas (n. Rio de Janeiro, 1978), Excerto de Lampreia Alerta, livro de contos da autoria de Ermelinda Freitas, com textos e desenhos baseados em notícias provenientes de vários media, mais ou menos recentes e insólitas, que envolvem animais ou falam da sua presença no espaço ocupado (também) por humanos. Inspirado no género fábula, Ermelinda traz-nos uma prosa diversa, concisa, leve e irónica, acompanhada por ilustrações fulgorosas. Lançamento na Rosa Imunda.