Poemas do livro “Fragmentos de um Crepúsculo Ferido”

(Manifestantes em Soweto)  (Manifestantes em Soweto)

O espaço são apenas fendas
A palavra cheira a enxofre
O movimento não passa de um bailado cruel
Espécie de pornografia metafísica
O nada infinito do pensamento
Expurga de minha pele qualquer sentimento
Para saciar minha sede de algo diverso
Meu inconsciente se faz dissidente

 

(Enterro em Port Elizabeth)-  (Enterro em Port Elizabeth)-

Quem era?
Quem é esse homem deitado?
Quem dorme naquele caixão?
Irmão noivo amante?
O apocalipse antecipa
O inferno consegue ganhar uma posição
O dia estava leve
A noite tem o peso do sangue injusto

 

(Manifestação de crianças contra o sistema educacional em Tsakane)  (Manifestação de crianças contra o sistema educacional em Tsakane)

O sol fica mais duro sobre nossas cabeças
Fiz um pacto de sangue com sua trajetória
A miséria reaviva minhas chagas morais
Minhas pálpebras destilam despeito
Os cacos de palavras obsoletas juncam o chão
As esgarçaduras do tempo ferem minha juventude
Mas minha recusa será o fermento que faz crescer a massa

 

(Dona de casa aprendendo a atirar em Johannesburgo)  (Dona de casa aprendendo a atirar em Johannesburgo)

E de repente o ar se esboroa
A sombra de seu cheiro vibra a meus pés
Minha terra é apenas uma ilha de areia perdida
E minha pele um alvo escuro
Um tecido rígido de lamentos
Quem imaginaria uma mãe capaz de algo diferente do amor

 

(Africânderes jogando bocha no clube de campo de Pretória)  (Africânderes jogando bocha no clube de campo de Pretória)

A víbora dissimulou seu veneno
Num gramado cheio de sol
Entrincheirada em sua vaidade
Ela dialoga com as próprias ilusões
Enquanto aguarda a absolvição
Diante da alvura de sua certeza
Diante do fulgor de sua felicidade serena
Chega-se a esquecer que o vento tem manchas de hemoglobina
Glasgow ou Edimburgo?
Não. Pretória.

 

(Henry Kissinger e John Vorster, dois ideólogos não assumidos do apartheid)  (Henry Kissinger e John Vorster, dois ideólogos não assumidos do apartheid)

O olho voyeur do outro
Que palpita em seu ódio
O olho vítreo que semeia o turbilhão
E faz das cinzas o meu patamar de existência
Nas escarpas do espírito de granito
Minha cidadela interior resiste.
A seus fantasmas,
Oponho a dor passiva
De meu sorriso vulnerável
Pois sei que o tempo se apressa
No cavo de suas órbitas

 

Prévia: poemas do livro “Fragmentos de um Crepúsculo Ferido”, de Célestin Monga 12.03.11

Traduzidos por Estela Abreu dos Santos, o livro será lançado em co-edição pela Editora Contraponto (Rio de Janeiro) e Editora Realejo (Santos-São Paulo) no dia 29 de Abril após a sessão de abertura do seminário, com a presença do autor e da tradutora.

Fonte: Terceira Metade

 

 

por Céléstin Monga
Mukanda | 16 Março 2011 | activismo, apartheid, Camarões, economia, New Encyclopedia of Africa, poesia