The Current Situation (2015)

I.

The Current Situation, o título deste vídeo, apareceu como costumam aparecer outras frases, num caderno preto, escrito à mão. Escrevi por ter sido confrontado com uma realidade tão presente que era impossível escapar. Ao mesmo tempo que cortavam a última palmeira em frente à minha janela, tinha como barulho de fundo as manifestações contra a austeridade em frente à Assembleia da República. O som dos dois eventos funde-se um no outro, passando a ser um ruído distante, mas próximo. O barulho das vozes e da serra elétrica que cortava a palmeira encontram-se em uníssono. Não consigo tirar esse som da minha cabeça. Talvez isto ajude. Tento trabalhar alheado dos assuntos políticos e sociais, manter-me distante, como espectador, mas neste momento não consigo.

E um dia, quando por acaso descia a rua, uma massa de gente fez-me perder o controlo do meu corpo. E há um momento em que tudo está em suspenso. A ordem imposta fica suspensa, abstrata e concreta. Lembro-me das palavras: «todos, no estado de natureza, sentem a vontade de atentar uns contra os outros (…) um estado de desconfiança e de guerra de todos contra todos».

Durante uma manifestação, tudo se encontra na representação de um movimento que pode ser um cartaz com palavras de ordem ou um beijo entre dois estranhos. O som das vozes como as dos animais. O evento. Ali temos a noção de que somos todos estrangeiros, refugiados de nós próprios e da comunidade que nos tentou construir. Não temos terra, apenas a ideia que tudo nos pertence. A ideia do capital. Da acumulação de objetos sem sentido. O sentido existe apenas na interação dos corpos. Distribuição e relação. Ato de transposição e de conflito eterno e permanente. A distribuição de formas. Composição como explicação.

E continuo a ouvir uma voz, ao fundo, a dizer as datas, a contar os dias, as horas. O som dos pedaços de palmeira a cair. A alegria sórdida da planta a desaparecer de um lugar onde nunca devia ter existido.

Um sorriso breve que se esbate num movimento sem fim e sem princípio.

Não há ficção possível. E não há senão isso. Uma forma de contar as coisas que acontecem e porquê.

Eliminar o sistema.

Histórias sem data.

 

II.

A luz do sol a pique ao meio dia, mas ao mesmo tempo, como se estivéssemos fechados num armazém. Caminhamos como se fossemos um objeto que é transportado de um lado para o outro sem vontade própria. Uma bola no ginásio, o espaldar encrustado na parede, ou um objeto dentro de uma caixa de

cartão, na prateleira, à espera de ser transportado. A ansiedade do objeto para ser movido. O seu sentido. Esse objeto somos nós. Nós somos todos os objetos juntos numa só figura. Escultura. Os pés de pedra.

Encontramos uma barreira feita de cadeiras e vários objetos, tentando impedir a nossa entrada. As cadeiras são pesadas como chumbo, são formas de aniquilar a resistência. Precisamos de deslocar as cadeiras para continuar. Trata-se de uma prova à nossa resistência. Seremos capazes de transpor este conjunto de objetos sem nos magoarmos?

Será que faz sentido avançar se não for para ferir?

Um sorriso. Todas as expressões faciais comprimidas numa só imagem.

O efeito afirmativo de um sistema que pretende apenas a criação de um sistema sem lógica.

Copiar a natureza.

A perda total de referências.

O sistema nervoso central.

Qualquer ato é justificado por uma imagem.

A situação atual.


III.

Episódio número três da primeira série. Momento em que todos os personagens se tornam reais.

Senta-te. Põe-te à vontade, ou então desaparece enquanto é tempo.

Mas se ficares vamos fingir que conseguimos ter a conversa mais perfeita.

Todos os assuntos devidamente escritos e colocados na ordem certa, como num guião que controla as nossas falas, as nossas vidas.

Todas as conversas são escritas, programadas, pensadas.

Todas as conversas escritas destroem as conversas que não o são.

A situação atual diz-nos de que forma devemos criar empatia com as imagens do mundo. Ou como as imagens do mundo são elas próprias empatia, compreensão. Um sistema económico abstrato que copia o caos natural de forma obsessiva.

Distribuição, ou relação. Ato de transposição e de conflito eterno e permanente.

Existe um lugar onde duas pessoas exatamente iguais a mim lutam sem parar. Talvez essas duas pessoas idênticas, ou até mesmo iguais, sejam uma espécie de escultura robótica experimental, cópias perfeitas de um sistema que inclui vontades, desejos, gestos. Uma máquina de distribuição sem informação desnecessária, útil e abstrata capaz de reproduzir cada um dos objetos. A relação entre objetos impossíveis, e a ação de tentar fazer sentido entre eles. Os objetos são o ponto de contacto.

A sensação de caminhar sobre escombros é como andar em cima do nosso próprio corpo morto.

Formas de repetição de um padrão.

Criação e imitação.

A situação atual.

 

IV.

A situação atual não é sobre a situação atual.

É sobre negar a ideia disparatada de um presente contínuo.

Negar a imensidade e o fim do sentido.

Existem factos que não precisam de explicação. São eles próprios a explicação.

E a economia é composição.

E tenta organizar tudo. Como as pessoas que têm a obsessão de organizar as coisas à sua volta.

Existe uma relação entre todos os objetos.

E isso é economia.

A situação atual tem a ver com uma incapacidade de reagir.

As mãos movem-se numa direção enquanto, do outro lado, o resto do corpo.

Um objeto para escrever, enquanto as mãos estão cansadas de todos os pedidos.

Um gesto simbólico transformado em economia. É economia. Tudo é.

Um padrão. Reconhecimento. Um diálogo ou uma conversa sem fim, consigo próprio.

Paisagem ampliada.

Paisagem e mãos.

Cercas invisíveis.

Centros de distribuição e satisfação.

Números fantasma que vivem tão perto de nós que respiram o nosso ar.

E nós somos de pedra.

E todas as notícias que perpetuam a atualidade não são mais do que a necessidade de compreensão. Mas compreender o quê? A justiça das imagens que controlam o mundo?

Um sorriso. Todas as expressões faciais comprimidas numa só imagem vazia.

O efeito afirmativo de um sistema que pretende apenas a criação de um sistema sem lógica.

Copiar a natureza.

A perda total de referências.

O sistema nervoso central.

Qualquer ato é justificado por uma imagem.

A situação atual.

 

Exposição Palmeiras Bravas. The current situation.

fotografias de Susana Pomba tiradas de Missdove.

 


por Pedro Barateiro
Mukanda | 27 Abril 2015 | arte contemporânea, instalação, palmeiras, pedro barateiro, situação, vídeo