Três Poemas

A cátedra é dor

Tempo! Em que Monstro

Retalhas a chicote o meu corpo e os sonhos?

Para que diabólica risada

Arrastas o meu riso outrora deslumbrado pela vida?

Fito a infância nos olhos –

E logo viro a cara horrorizado.

Volto as páginas todas aos meus dias

Acho-as quebradiças, amareladas, negras.

E onde a paixão escreveu apaixonadamente

Nada! Só um corpo esmagado de barata.

 

fotografia de Bamba, Luandafotografia de Bamba, Luanda

 

Notas para Hamlet

Agora ou nunca está aí outra vez. Será preciso eu

Encarar a outra face da lua?

 

O momento exige decisão. Toda a minha

História é avessa a isso – Deixem-me estar!

 

Assim, de novo adio e tremo. Talvez

O impaciente problema desanime face às minhas

Exímias vacilações.

 

Um farrapo de identidade

Quando é que esta lua se descasca dos meus poemas?!

Esta zona de penumbra que vai da escola inglesa

À minha voz de barata?

A formiga empoleirada no grão de areia

Pouco se apercebe do meu titânico dilema de artista

E só tem olhos para o pé que ergo.

A abelha na sua errância doce peganhenta, se me avista

Dispara uma tangente zumbindo o seu escárnio.

A madrugadora andorinha, no seu voo seco,

Mal dispensa um olhar instantâneo às minhas penas.

O varredor dá de ombros, atira o fardo concreto

Para o camião dos salários e dos preços em alta;

O aprendiz da fábrica fecha o macacão

E aguarda o Chamamento – sirene da fábrica;

O carteiro pedala a sua ronda; o soldado

Beija a namorada e corre a cumprir ordens.

Todos parecem conhecer seus eus

Mas eu como um louco insisto em decifrar

As marcas num farrapo de papel em branco

As marcas que vão ser o poema atrás deste poema.

 

Translation:  José Pinto de Sá

por Dambudzo Marechera
Mukanda | 12 Janeiro 2011