Bety e os “pikinoti” dançam por um mundo melhor
Fotografias de Pedro Moita.
À porta ficam os chinelos de enfiar no dedo. Azuis, rosa, amarelos, uns mais limpinhos, outros surrados de tanto andar. Lá dentro, no chão de madeira, os pezinhos descalços deslizam ao compasso da música. Um rodopio para lá, o braço em arco sobre a cabeça, as palmas das mãos que se unem em pose de reza e voam em direcção ao céu. Mais outro rodopio. Um gesto que sai mais desengonçado, e a forma ternurenta como se ignora o passo em falso. A canção embalada em uníssono: Nós é tudo pikinoti, só nu krê brincá, ba pa scola, aprendê, e assim crescê. Bety, que escreveu a letra, em crioulo, observa cada movimento. Ela é a professora dos sonhos de qualquer menino e menina. Os seus cabelos esvoaçam, ao som da dança, como fitas na ponta de um papagaio. Serpentes de cabelo negro “rastafari”. Corpo de gazela. Uma enorme vontade de ouvir e de partilhar. Muita inteligência e carisma.
Elizabeth Fernandes, a “tia Bety” das mais de 70 crianças, dos três aos 14 anos, que frequentam as aulas gratuitas do grupo Raiz di Polon, criado por Manu Preto, usa a dança para “formar bons homens e mulheres”. Quando o sol dá lugar à lua na cidade da Praia, “filhos de varredeira de rua, de ministros, de vendedeiras de mercado e de advogados misturam-se todos para dançar, com o que cada um traz de dificuldade e de sabedoria”. Na dança, há espaço para as experiências de todos e para se aprender de tudo um pouco. Quadrados, círculos e triângulos guiam as coreografias. O corpo, que se começa a desvendar, peça a peça, é o instrumento. As canções escritas por Bety e pelo percussionista N’du sobre os direitos humanos, a higiene, e a natureza entranham-se na memória dos pequenotes.
A sala de ensaios está sempre aberta, para que ninguém fique na rua, alienado em frente à televisão, ou perdendo-se em atalhos menos felizes da vida. Não há preço a pagar, nem fichas de inscrição a preencher, basta ter ginga, ou a simples vontade de espreitar. Mas quando se deixa o chinelo à porta, está-se a selar um pacto com a bailarina principal dos Raiz: ela dá-lhes a dança e a música da Scola Raiz di Polon-Nós é tudo pikinoti, os meninos e meninas respondem com boas notas na escola e o melhor comportamento possível. Bety sabe que só assim – mostrando que cada qual tem direitos mas também deveres – pode cumprir o seu sonho de ver nascer “uma geração melhor e um ser humano melhor”.
Esta é uma das 52 histórias. Um livro ilustrado evocando uma agenda perpétua onde, ao longo de 52 semanas, sucedem-se 52 histórias, rostos, direitos, geografias de coragem, dignidade, mas também de privação e de injustiça. “52 histórias” integra a colecção “Arquipélago” da ACEP, que procura novas abordagens de comunicação com a sociedade portuguesa para combater estereótipos e desocultar pessoas e iniciativas que geram mudanças no mundo de que somos parte. Em 52 semanas, cruzam-se missões do jornalismo, da comunicação sobre o outro e de organizações múltiplas da cidadania, local, global. Por isso esta proposta feita a mais de 70 jornalistas, fotógrafos, ilustradores, de juntarmos 52 histórias, uma para cada semana, um ano de testemunhos, sensíveis e inteligentes, de realização ou de violação de direitos humanos, que nos desafiam à compreensão do mundo, do nosso papel e lugar.
APRESENTAÇÃO DIA 16 DE NOVEMBRO, 18 HORAS
ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA – NÚCLEO FOTOGRÁFICO
Rua da Palma, n.º 246 - metro Martim Moniz