Tufo: património cultural de Moçambique
Mulheres reúnem-se para dançar Tufo trajando capulanas e blusas com cores vivas. Os seus rostos estão cobertos por mussiro, uma espécie de creme facial usado pelas mulheres Macuas. Com um lenço enrolado na cabeça, e para dar o toque final no visual, elas abusam das joias, colares e pulseiras.
O Tufo tem origens árabes, mas se incorporou no litoral oriental de Moçambique, maioritariamente na província Nampula e Cabo Delgado. Esta manifestação cultural vai se candidatar a património cultural imaterial da humanidade mas pouco se sabe sobre a mesma.
Zaquia Rachid, 47 anos, Rainha do Tufo como se auto-intitula, pratica a dança desde os seus 10 anos. Entrou no grupo Tufo da Mafalala em 2000, após a morte do seu sogro. “Quando Malatana Saide estava para morrer deixou o grupo em minhas mãos, desde ai é cantar e dançar” conta alegre. Para esta mulher a dança tufo é para si uma terapia. “Quando danço tufo as preocupações que apertam o meu peito desaparecem, logo esqueço a dor e fico feliz”.
Simbologia da dança
O mussiro é uma componente não obrigatória na dança, mas as mulheres aplicam para sentirem mais identificadas com a sua terra. “Para estar bem, sentir que estou a dançar algo da minha terra tenho que colocar mussiro. Com este produto me sinto uma Mutiana orera (mulher) de Nampula, uma moçambicana” explica Zaquia.
As mulheres que dançam tufo são vaidosas. Na apresentação desta dança as mulheres ficam preocupadas em mostrar-se belas e para isso elas usam vários artifícios como a maquilhagem. “Os brincos, pulseiras, anéis são um capricho. A capulana e o lenço não podem faltar. Eu gosto de corres vivas, pois gostamos de ser vistas. Desejamos captar a atenção do público quando dançamos”, clarifica a Rainha do Tufo.
Na sua performance estas mulheres saltam a corda ao ritmo nas batidas dos pandeiros. Zaquia conta que a corda, Ntxoco em Macua, era algo usado pelas crianças nas brincadeiras mas elas levaram ao palco. Nas apresentações, geralmente, nos deparamos com esteiras que servem proteger as dançarinas da sujeira.
Rotina de um grupo
O grupo Tufo da Mafalala é composto por mais de 30 membros, dentre eles família e amigos. A entrada no grupo é voluntária. Este é liderado por Momade Matano Saide de 55 anos, sua esposa trata da organização das composições e coreografia os seus filhos são os instrumentistas e os amigos são as restantes bailarinas.
Fundação
Momade Saide conta que o agrupamento tem suas origens em Nampula. “Este surgiu bem antes do meu nascimento, Matano Saide, meu pai e fundador do grupo, ainda morava em Nampula. O grupo antes era denominado associação familiar, só homens faziam parte do mesmo. Mais tarde entraram as mulheres” disse.
No início dos anos 70, a convite de apreciadores desta dança, Matano Saide vem para Maputo, bairro da Mafalala, para ensinar a dança.
Momade conta que, nos finais dos anos 80, por causa da saúde frágil do seu pai teve de pegar os rumos do grupo. “No início não estava muito interessado no grupo, mas tive de me importar porque meu pai já estava velho e não podia guiar sozinho o grupo. Um dia, no ano de 1989, meu pai chamou-me e reuniu-me com todos e explicou que “hoje o meu filho vai pegar o grupo é melhor começaram a respeitá-lo”. No momento era muita responsabilidade, mas logo me adaptei e agora sou o líder do grupo.
Momentos alegres
O Grupo Tufo de Mafalala viveu momentos alegres Momade e Zaquia recordam deles com felicidade. “A nossa viagem para Africa do sul, em 2003, foi marcante, uma experiencia única”, lembra disso com emoção a Rainha do tufo.
“O ano de 2009 foi marcante para o grupo, participamos num festival na Argélia. Dividimos o palco com artistas internacionais reconhecido em África e no mundo. Recordo que apertei a mão do músico Salif Keita entre outros artistas desta dimensão. Neste ano tivemos uma actuação na homenagem a Paulina Chiziane e Ungulane Bhaka Khosa, para nós aquele foi um momento ímpar”, conta Momade com orgulho.
Momentos maus
Não é só de momentos alegres que este grupo vive. “São vários momentos negativos pelos quais passamos. Este grupo não tem o reconhecimento que merece, não somos considerados. O nosso governo não estima o grupo. Nós vamos aos aeroportos nas recepções porque amamos o nosso governo, mas as vezes ter água para os membros do meu grupo é um problema. Eles não nos dão cachê, só nos chamam”, desabafa Momade.
A rainha do tufo vai mais longe e afirma que “o governo não tem amor às danças tradicionais. Nós cantamos e dançamos com suor e o governo não quer nos dar apoio”.
Dificuldades
As dificuldades que este grupo enfrenta são diárias e vão desde a manutenção dos instrumentos até a compra da indumentária.
“A Manutenção dos instrumentos é cara, os especialistas estão em Nampula. Só para comprar uma pele para fazer os batuques gastamos dez mil meticais”, reclama Momade.
Nós compramos a nossa indumentária graças ao nosso suor, vivemos para o tufo, vendemos biscoitos fritos, chamussas, rissóis e bijuterias. Somos muitos, mas não temos transporte até agora” relatou com mágoa Zaquia.
Sonhos
No meio de dificuldades e problemas vários sonhos põem em pé este grupo. “Sonhamos em ter transporte. Ter um outro ofício além da dança. Nos não estudamos, somos batalhadoras mas as nossas condições financeiras são precárias”, conta Zaquia.
Momade conta que “gostaria que o grupo viajasse para fora de moçambique. Recebemos vários turistas na nossa casa, espero que um dia, um deles tenha a ideia de nos convidar para seu país”, conclui.
Elevação da dança Tufo a património Cultural imaterial da humanidade
Em 2012 o ministro da cultura, Armando Artur, anunciou que Moçambique vai candidatar a dança Tufo, à lista do património cultural e imaterial da humanidade. Passado dois anos esta declaração ainda não se tornou realidade. Para que este processo seja efectivo é necessário percorrer uma serie de passos.
Condição para a elevação
A Unesco faz a salvaguarda do património (i)material dos países membros. Para um país ser membro desta organização internacional a condição número um é ratificar, aceitar, as convecções. Moçambique é um estado membro da UNESCO, ratificou as convenções.
Segundo a responsável pela área da Cultura no Escritório da Organização da Educação Ciência e Cultura, Unesco, em Moçambique, Ofélia da Silva, “todos os membros do estado podem propor a elevação de um bem cultural a património da humanidade. A proposta destes é apresentada ao governo de moçambique (Ministério da cultura), que representa o estado de Moçambique). Em seguida ministério da cultura faz a submissão da proposta.”
Outra condição para a elevação é a elaboração de um inventário. Como explica Ofélia da Silva “O ministério da cultura vai trabalhar com o ARPAC (Arquivo do Património Cultural) no sentido de reunir arquivos, documentos, entrevistas e outras informações sobre a dança Tufo”.
O inventário é preciso, pois é necessário conhecer a génese desta manifestação: quem a pratica, onde se dança, quais os rituais tradicionais por de traz desta dança, em que momento. Todos estes elementos serão documentados através de entrevistas, inquéritos, vídeos, áudios que vão constituir o inventário.
Por vezes os estados membros da UNESCO não têm recursos para executar tais acções. A nossa fonte, Representante da UNESCO, clarificou que, “quando isso acontece o governo submete um pedido de apoio técnico e a UNESCO compromete-se a ajudar com um fundo de até 25 mil dólares. Além disso a UNESCO envia técnicos para inventariar e no fim faz relatório”.
Ofélia da Silva revelou que o ministério já pediu, em Agosto de 2013, apoio técnico para garantir o apoio das danças tufo, mapico, e xigubo. Mas como explica a representante, “isso aconteceu numa reunião não tão formal e é necessário que a Unesco e o ministério discutam melhor os pontos”.
A última condição para a elevação é a elaborar programas de salvaguarda. Estes programas vão traçar as estratégias de modo a fazer a formação dos fazedores desta dança.
Significado da elevação da dança Tufo
Para Ofélia da Silva a elevação da dança tufo a património imaterial da humanidade é algo bom porque vai de encontro aos programas e objectivos da UNESCO.
“Candidatar Tufo é uma forma de salvaguardar. Para além de esta dança estar inventariada será promovida para outros lugares a nível mundial. Elevar a dança significa promover a diversidade cultural de Moçambique. O mundo saberá que o nosso país tem uma dança chamada Tufo”, concluiu da Silva.
Actividades do Ministério em coordenação com o ARPAC
O Ministério da Cultura negou a pronunciar-se, mas fontes próximas a esta instituição revelaram que várias actividades estão em curso com vista à submissão da candidatura. Paralelamente a isso, o ARPAC por intermédio de um dos seus pesquisadores, Sérgio Manuel, está a reunir o material. “Já foram realizadas expedições, viagem para várias províncias de modo a inventariar esta dança” conclui Sérgio.
Historial da Dança
Um estudo de Álvaro Pinto de Carvalho que reúne escritos muçulmanos, que tratam de hábitos, usos e costumes, publicado em Moçambique 1969, afirma que o Tufo é uma palavra árabe, que traduzida, quer significar “pandeiro ou pandeirante”, ou ainda, dança de carácter religioso, acompanhada ao som de pandeiro.
Segunda o estudo, a dança nasceu a partir do dia da entrada do profeta Mohammad na cidade de Yterib-cidade (actual Medina) no ano de 622 da era cristã. Os seus “adeptos” do profeta foram-no esperar à cidade, com pandeiros e cânticos, demostrando-lhe assim, a alegria que sentiam e a adesão às doutrinas do Alcorão que ele havia tentado pregar em meca.
Um arquivo compilado pelo ARPAC conta que a dança foi Introduzida há vários séculos na costa de Moçambique por comerciantes arabes-swahili. Possui forte raízes religiosas. Na origem, era apenas praticada em rituais e momentos festivos associados à religião muçulmana, mas com o tempo a dança foi-se massificando.