A terra prometida
inútil dizer: o deserto
é rosto afogueado de mulher
iminência de revelação constelada
apocalipse imenso do braseiro;
o deserto é ar e areia
ar e areia quente e seco;
para lá das areias do Kalahari
crescem as árvores brancas: marula,
terebinto, espinheiro, imbondeiro -
depois da encosta ardente surgem os limites do purgatório
Joanesburgo!
cidade erguida fora do constrangimento terráquio
espelho e planalto de luz alterada;
atrás das colunas dos geradores eléctricos
brancas fábricas torres chaminés lançam-se ao assalto do céu
cuspindo labaredas que explodem no azul:
ur-tambores de morte…
é o inferno sem Deus
Deus o bureau da Segurança do Estado
Deus de capacete
e pasta cheia de ouro e acções selada presa a um braço
e no outro braço o chicote
Deus erecto em toda a sua lustrosa glória
sobre dorsos de negros imersos no pó
uma granada!
corações vermelhos hão-de rebentar
e levar esta sarça ao fogo
(convem tirar os sapatos e rastejar sem deixar marcas…)
Enquanto Houver Água na Água e outros poemas, tradução de Mário Cesariny, D.Quixote, 1979
O escritor e professor sul-africano Breyten Breytenbach é um dos palestrantes das Grandes Lições no Próximo Futuro 2011, no dia 13 de Maio.