A Fotografia Poética de João Freire
“O povo das ilhas quer um poema diferente
para o povo das ilhas:
um poema sem homens que percam a graça do mar
E a fantasia dos pontos cardeais”
Onésimo Silveira
fotografias de João Freire
Eu acho que no fundo o João Freire é um poeta. Senão, repare-se na delicadeza com que estas imagens nos falam das gentes e da terra das ilhas de Cabo Verde, na dignidade serena que sai dos retratos de vidas secas na aparência, prenhes na realidade de uma ternura e fascínio talvez únicos em todo o imaginário geográfico lusófono.
E porque a poesia é também muito uma atitude, uma forma indizível de suavizar e conferir identidade em simultâneo a expressões, realidades e emoções por vezes bem distintas, a poesia das fotos a preto e branco do João Freire é a mesma que perpassa em todos os discos de música popular caboverdiana que ele vem sonhando e depois produzindo discretamente nas últimas décadas, e que os distingue de todos os outros que conheço.
Cabo Verde, a música e a fotografia: As três paixões definitivas de alguém de quem disse em tempos outro grande artista português desaparecido, Tossàn: “ … é um artista de mãos dadas com a máquina, que dentro da objectiva luta surpreendendo o mundo que o cerca”. Ele com o peculiar sentido de humor que se lhe conhece, preferirá talvez dizer que continua a ser “um daqueles chatos que, nos concertos, tira a vista às pessoas e incomoda toda a gente”, como escreveu um dia num catálogo da sua excelente exposição de fotos de Jazz. Mas todos nós, os que alguma vez tivemos a sorte de conseguir olhar para dentro destas fotos e entender o recado de partilha e esperança que nelas se encerram, sabemos bem que não é assim.
Eu, pelo menos, sempre que as olho lembro-me dos grandes poetas ilhéus da insularidade, e fico a imaginar o amanhecer sempre mais azul em São Nicolau, que nunca vi mas que nesses momentos me surge na memória como se de lá tivesse vindo no dia anterior. E se isto não é poesia, então é o quê?
Exposição fotográfica Um Retrato Crioulo de João Freire, com imagens magníficas captadas em várias ilhas de Cabo Verde no final da década de 70 (Dezembro, Espaço Interculturas), organizada pela associção ETNIA