Então e Agora, o legado de Emory Douglas
A propósito do programa All Power to the People Então e agora (a decorrer na ZédosBois até 4 de Junho) Emory Douglas, ministro da cultura do Partido Panteras Negras, fez uma apresentação em que comentou várias imagens do seu trabalho.
Segundo Emory Douglas, a comunicação gráfica do Partido Panteras Negras tinha como objectivos denunciar a repressão de que era vítima a comunidade negra norte-americana, nomeadamente pela polícia – os Pig Drawings; a demonstração de solidariedade com outras causas, como os movimentos de libertação em África, etc.; a divulgação da plataforma política dos Panteras Negras e, por fim, a divulgação dos seus programas sociais.
Dos comentários de Douglas ressalta a grande identificação dos Panteras Negras com a comunidade. O artista menciona diversas situações e programas específicos, como o SAFE – Seniors Against a Fearful Enviroment, que visava ajudar os mais velhos com as compras e levantamento das pensões. Ou ainda membros do partido mortos pela polícia no âmbito do programa COINTELPRO do FBI que tinha como objectivo eliminar o Partido Panteras Negras.
Emory Douglas falou-nos também da sua colaboração no início deste ano com o artista Richard Bell na Austrália e do trabalho que fez sobre as reparations (movimento que exige uma compensação sobre a escravatura).
Este programa da ZDB remete-nos, inevitavelmente, para o impacto dos Panteras Negras no resto do mundo. Na exposição fica evidente uma estética que é partilhada por grupos oprimidos em diversas zonas do globo. Em termos ideológicos, a sua influência no movimento dos direitos civis e a sua inserção no pensamento de esquerda que suporta muitos movimentos libertários é também conhecida. Então e agora? O que é feito dessa influência, da atitude combativa?
Atendendo à realidade portuguesa, creio que todos ainda nos lembramos do rapper Mc Snake, morto pela policia, cujo julgamento ainda decorre. Entre nós, preto, negro e africano são sinónimos. O discurso de empowerment criado pelo Partido Panteras Negras e pelo próprio Emory Douglas e o movimento internacional, quer nas ruas quer a nível académico, que permite cunhar a palavra ‘black’ como uma alternativa neutra para designar negros e não-brancos, parece ter passado ao lado de Portugal. Sobrevive, uma capacidade de analisar os processos externos como característicos de situações distintas das vividas em Portugal. Sobrevive intacta a ideia de convivência entre Portugal e África numa longa história de proximidade e “irmandade”. Elaborar um discurso sobre o racismo é quase impossível perante o preconceito com que se analisa a história colonial portuguesa, a pretensa amizade entre os povos, etc. Não pude deixar de notar que não encontro palavras para o que se passa aqui. Quando a repressão e o racismo são invisíveis e, de tão comuns, quase imperceptíveis como reclamar?