Exposição '⌾'
“Enquanto não tivermos aceitado a ideia – não apenas através do conceito, mas graças ao imaginário das humanidades – de que a totalidade-mundo é um rizoma no qual todos têm necessidade de todos, é evidente que haverá culturas que estarão ameaçadas”1 (Édouard Glissant)
A vésperas das eleições presidenciais de 2018, o Brasil se encontra em um momento de fragmentação. Não há construção racional que consiga explicar, em linguagem clara, o que está acontecendo. Tudo é contraditório. Diante desse contexto, a exposição ′⌾′ introduz um circuito simbólico, em que a fala e a palavra são suspensas para que possamos nos comunicar, evocando tanto questões políticas latentes, quanto as relações entre mistérios, o oculto e o desconhecido. A aproximação desses universos nos mostra o quanto eles estão, de fato, vinculados.
A presença dos símbolos se dá em todo cotidiano humano desde os primórdios da civilização. Todas as obras presentes na exposição possuem conotações alegóricas, míticas, intuitivas e se utilizam de símbolos para emanar novas ideias e propostas de existência e relação, ativando tanto cosmologias ancestrais quanto situações históricas de resistência, luta e ativismo. A prevalência do símbolo sobre a palavra é uma proposta de alternância de poder, para que novas ferramentas de luta e comunicação possam ser desenvolvidas em um mundo onde a escuta se faz cada vez mais escassa.
O título da exposição, ‘⌾’ é também um símbolo utilizado para identificar o Sol, que em muitas culturas é compreendido como o indefinível ou a manifestação do divino. Seu simbolismo é tão diversificado quanto a realidade solar: fonte de luz que além de vivificar, manifesta as coisas ao torná-las perceptíveis e por isso emana uma inteligência cósmica que contém sempre algo que não pode ser explicado pelas vias da razão. ‘⌾’ é também um círculo e um ponto, que por sua vez, possuem propriedades simbólicas de perfeição, homogeneidade e indivisibilidade, sem começo e nem fim, o que o aproxima da compreensão de tempo circular.
Considerando tais fundamentos, a exposição ‘⌾’ traz a circulação do simbólico como uma proposta de reorganização estrutural e social, por meio de um conjunto de obras contemporâneas que convocam saberes ancestrais e referências urbanas. A exposição reúne cosmologias Yorubá, presentes nas obras de Abdias Nascimento e Cabelo, referências ao povo Bakongo, na obra de Aline Motta, e ao povo Kuba, no trabalho de Dan Coopey; a cultura Indiana, o povo Akan e os Wang-U-Pa na pesquisa de Monica Ventura; a epistemologia Tz’utujil, da Guatemala na obra de Antonio Pichillá; cultura Huni Kuin do Acre, na obra do coletivo MAHKU; os grifes de pixação na obra de Raphael Escobar e Vivian Caccuri, abismos sociais e discussão de privilégios na obra de Mariana de Matos e Moises Patrício e estudos sobre disputas de território na obra de Frederico Filippi.
O símbolo se apresenta como potência para ativação de novas epistemologias de troca e circuitos comuns, através de aspectos místicos, espirituais, intuitivos e transcendentais. Como colocado por Glissant, trata-se do cruzamento entre modos de pensar que diferem e se agregam. É preciso ativar o imaginário das humanidades e entender que todos têm necessidade de todos, para que possamos conviver. Compreendendo que a política é baseada em uma competição de manipulações simbólicas, o entendimento de símbolos que se movimentam entre tradições e circunstâncias divergentes se apresenta como uma importante ferramenta política dos nossos tempos.
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A exposição ‘⌾’, com curadoria de Catarina Duncan, apresenta obras de quinze artistas de diversas gerações que utilizam símbolos como transmissores de conteúdo, evocando tanto questões políticas latentes, quanto as relações entre o ser humano, o oculto e o desconhecido.
Entre a lista de artistas está presente o poeta, dramaturgo e político Abdias do Nascimento (1914-2011) com a obra ‘Quilombismo (Exu e Ogum)’ (1980) que compreende os quilombos como uma das primeiras experiências de liberdade nas Américas para propor uma nova organização política a partir da sobreposição de símbolos dos instrumentos dos orixás Exu (comunicação, contradição e dialética) e Ogum (inovação tecnológica e compromissos de luta).
O título da exposição ‘⌾’ é também um símbolo utilizado para identificar o Sol, que em muitas culturas é compreendido como o indefinível, contendo sempre algo que não pode ser explicado pelas vias da razão. A linguagem simbólica se sobrepõe a palavra escrita como uma proposta de alternância de poder, para que novas ferramentas de luta e comunicação possam ser desenvolvidas em um mundo onde a escuta se faz cada vez mais escassa e a aproximação das tecnologias ancestrais e contemporâneas se fazem cada vez mais necessárias.
Abdias Nascimento, Aline Motta, Cabelo, Camila Mota, Cristiano Lenhardt, Dan Coopey, Frederico Filippi, Ismael David, MAHKU – Movimento dos Artistas Huni Kuin, Mariana de Matos, Moisés Patrício, Mônica Ventura, Raphael Escobar, Rodrigo Bueno, Vivian Caccuri.
Agradecimentos:
Galeria Leme e Catarina Duncan agradecem a colaboração e suporte de IPEAFRO, MAHKU, galerias A Gentil Carioca, Fortes D’Aloia & Gabriel e Marilia Razuk, além de todos os artistas que gentilmente aceitaram participar do projeto.
6 de outubro – 13h – 17h Até 03 de novembro, 2018, São Paulo
- 1. GLISSANT, Edouard. Poética da Relação. Sextante. 2011, p 156.